Paulo Rangel considera que a chave do futuro do país, pelo menos a curto prazo, está mais do lado do PS do que no do futuro Governo PSD/CDS e nos dois partidos da Coligação.
"O PS é o elemento misterioso desta noite eleitoral", diz o eurodeputado do PSD, numa entrevista de última hora. O plano da Renascença passava por um debate entre Rangel e Francisco Assis, mas o dirigente socialista falhou, em cima de hora. Assis apontou "razões excepcionais de ordem política" para falhar o compromisso. Fica a entrevista.
Rangel reconhece que a perda da maioria absoluta levará também a coligação PSD/CDS a ceder mais, mas defende que a "chave" está no outro lado. Nestas circunstâncias, o social-democrata acredita que poderá ser facilitado o caminho para entendimentos nas reformas de longo prazo. Nas questões mais imediatas, será mais difícil.
Como encara a explicação de Francisco Assis para declinar a presença neste debate que agendamos?
Diria que o PS tem agora um problema interno e, portanto, julgo que o Francisco faz o mesmo que faz o Presidente da República. Talvez não tenha ainda a maturação suficiente dos resultados para poder exprimir uma opinião, não quer vincular-se a opinião nenhuma. Basicamente, é isso. Sabendo nós que ele é um putativo candidato no interior do PS, evidentemente que tenho alguma compreensão. Seria diferente se ele não estivesse nessa "short list" de possíveis candidatos à liderança do PS. Mesmo não querendo sê-lo, a verdade é que fazer alguma declaração nesta altura seria muito prematuro. Daí, a minha solidariedade. Compreendo que não fosse propriamente cómodo vir aqui, não porque os resultados fossem difíceis de comentar, mas pela posição que ele tem dentro do xadrez interno do Partido Socialista. Percebo que isso fosse uma situação delicada.
Com António Costa a não querer ser, pelo menos por agora, um factor de instabilidade e com a coligação a querer governar, mesmo sem maioria absoluta, Cavaco Silva poderá ter um 5 de Outubro bem mais descansado?
Penso que sim. Havia uma dúvida grande que era a de saber qual a posição do PS depois destes resultados. Durante a campanha eleitoral, deu a entender que faria uma frente de esquerda e que não viabilizaria uma solução orçamental da coligação, se esta ganhasse por maioria relativa, como foi o caso, e isto complicava a actuação do Presidente da República. No entanto, ficaram três coisas claras: primeiro, que o Bloco de Esquerda e o PCP votariam contra a solução de maioria relativa governar; depois, que o PSD e CDS estariam disponíveis para governar nestas condições, e faltava saber qual posição do PS. E a posição do PS foi um meio-termo, dizendo que não vai estar numa maioria negativa e que terá de ser o PSD a chefiar o governo. Ao aceitar isto, o PS faz com que o Presidente da Republica tenha mais de 70% dos representantes da Assembleia República a dizerem quem é que deve formar governo. Tem, portanto, a tarefa facilitada neste ponto de vista.
Sendo a coligação a tomar posse, com os resultados obtidos, a governação será diferente, mais dialogante?
Sim, faz parte da própria natureza das coisas. Não havendo uma maioria absoluta, terá de haver, necessariamente, pactos, acordos, entendimentos. A grande conclusão destas eleições é que o factor de estabilidade ou instabilidade destas eleições é o PS, internamente e externamente, sendo certo que haverá cedências da coligação, como foi já sinalizado ontem e durante a campanha. Mas porque tem o PS de dar sinais externos de estabilidade? Porque tem de se entender e porque não poderá fazer uma maioria de bloqueio com a restante esquerda. O PS foi o grande derrotado da noite e nós não sabemos como é que vai ser agora a vida de António Costa como líder do PS.
Se diz que a estabilidade está mais nas mãos do PS, António Costa será a pessoa ideal para garantir essa estabilidade?
Penso que há aqui alguma ambiguidade. As coisas que António Costa disse ontem são gerais. Aquilo que ele disse é que não podem estar com pessoas que são contra o euro e contra as regras da União Europeia e, por isso, não se pode fazer uma maioria negativa, e também que o PS não sufraga o programa da coligação e, por isso, as politicas não podem continuar como estão. E isto é o que ele devia ter dito em campanha, mas não fez isso e colou-se demasiado á esquerda. De alguma maneira, esta ambiguidade mantém-se, embora traduzida de uma forma mais positiva e sensata. Portanto, temos que ver o que é que ele vai fazer. Agora, eu também não sei como é que ele vai lidar com a sua oposição interna. Há muitas incógnitas que andam à volta do PS e eu direi que o PS é o elemento misterioso desta noite eleitoral. Todo o futuro vai depender muito da estabilidade interna do PS, por um lado, e, por outro lado, de como é que se traduz na prática este meio caminho escolhido por António Costa.
Não poderá partir da coligação algum ou alguns pontos de cedências? Quais?
Julgo que haverá abertura na questão da Segurança Social. Ainda ontem o fez, apontou a possibilidade de utilizar algumas das ideias do PS nesta questão, como novos meios de financiamento. Seria uma forma de fazer uma grande reforma estrutural, com apoio amplo. Há outro sector onde poderia haver um entendimento interessante, que seria o da reforma do Estado. A coligação e o PS poderiam fazer um acordo benéfico para os dois em questões da administração central e regional. Seria, no fundo, uma distribuição dos serviços do Estado, como serviços fiscais, de justiça, da administração interna, o caso das polícias. Este tipo de sector precisava de uma reorganização territorial, para dar competências aos municípios, para se perceber se se pode fazer fusões. Este seria o momento ideal para isso e seria vantajoso para os dois partidos, porque, por um lado, o Partido Socialista teria estas reformas feitas com menos custo por um governo que não seria o seu e, por outro lado, a Coligação teria o apoio necessário para algo que com maioria absoluta não teria.
Acha que há ainda o risco de uma coligação negativa?
Em algumas matérias, sim, e em matérias muito sensíveis. O risco está na questão do atingimento das metas do défice e dos programas de estabilidade. Ou seja, onde realmente a Coligação vai ser mais tentada a seguir o seu programa é no cumprimento escrupuloso das obrigações europeias, sobretudo este ano, para conseguir um défice inferior a 3%, de modo a, para o ano que vem, conseguir alguma folga.
Mas terá que ter o apoio do PS?
São medidas que vão estar na linha de austeridade que o PS quer abandonar desde já. E, por exemplo, naquelas medidas ligadas ao consumo interno, também haverá um problema. Ao contrário, a medida da TSU, no caso dos empresários, não deve suscitar algum problema, porque ambos os lados a defendiam. Já diferente será em relação à dos trabalhadores, porque a Coligação não deverá ceder. Se quer que lhe diga, será na questão das medidas necessárias para cumprir as metas orçamentais nos programas de estabilidade e crescimento exigidas pela União Europeia que se vai gerar maior controversa e isso será, de facto, um ponto muito, muito complexo.
Uma eventual união negativa dos partidos de esquerda não poderá criar uma má imagem para eles próprios?
Tanto o PS como a Coligação, uma vez que sabem que esta situação é precária, podem estar a jogar no efeito futuro de uma antecipação das eleições legislativas, que podem ocorrer daqui a um, dois ou três, anos. Isso pode prejudicar, porque vão estar sempre com a “cenoura à frente”. Enquanto que reformas de longo prazo até sejam fáceis de negociar, nas de curto prazo já será mais difícil. É um risco claro que o PS corre. Se for visto como uma força de obstáculo, isso fará com que perca. Os eleitores não querem eleições agora nem tão cedo. Vão querer que os partidos se comportem responsavelmente. Portanto, vai haver uma espécie de competição para ver quem é mais responsável e isso significa, também, que vai haver uma tentativa de passar as culpas, no caso de haver algum falhanço de algumas medidas. Para um, porque é intransigente e não abdica do seu programa e, para outro, porque é teimoso e não é capaz de ceder. Nesta luta muito, muito, muito delicada, é muito difícil perceber quem é que poderá ficar prejudicado ou não, consoante a retórica e as medidas utilizadas.
Será muito negativo para o país se houver novas eleições a curto prazo?
Sim. Sinceramente, há um aspecto que é preciso perceber: estes resultados têm um efeito positivo sobre os credores externos, sobre os mercados e sobre os investidores, embora seja uma maioria relativa. Depois de um programa desses, quem olha de fora para um pais com um governo que teve de executar um programa desta natureza imposto pela troika e que, mesmo assim, consegue uma percentagem de 38% ou 39%, que vence e que consegue formar um governo, é evidente que ganha uma grande confiança em relação ao país. Portanto, o risco é o contrário: se começa a haver uma espécie de desgoverno por haver a tal maioria sistemática de bloqueio, claro que as taxas de juro vão ter outro comportamento, o "rating" do país não vai subir, começa a haver desconfiança dos mercados, dos credores e dos parceiros europeus. É precisamente aqui, nesta linha muito ténue, que vamos ter ou um efeito muito positivo da vitória da Coligação ou, então, um efeito muito negativo dessa instabilidade que se crie. Há outro factor, que não é eleitoral, que é o factor externo que também vai ser jogado como argumento eleitoral, porque, no fundo, o que se vai dizer, se o PS estiver a bloquear sistematicamente, é que o PS está a contribuir para o descrédito do país e a pôr em causa todos os sacrifícios. Já o PS, obviamente, terá uma outra agenda, mas terá de ter muito cuidado com isso. Não tenho dúvidas que esse será um factor de pressão muito grande para que ele não se junte a uma maioria de bloqueio.
Ao contrário do que se previa, a abstenção foi a maior de sempre nas legislativas. Como analisa esse dado?
Naturalmente que é um mau sinal, mas é o que seria esperado. Penso que essa é também uma resposta do nosso sistema político, ao contrário do que acontece, por exemplo, na Grécia, em Espanha ou em França, onde temos tidos respostas mais radicais, com grande força, como o Syriza, o Podemos ou a Frente Nacional, que são propostas mais populistas. De facto, aqui em Portugal, embora a subida do Bloco de Esquerda vá na linha do Podemos, a verdade é que continuamos com um sistema essencialmente centrado nos partidos tradicionais e, em compensação disso, onde é que se exprime a nossa contestação? Exprime-se na abstenção. O desinteresse acabe por representar o voto de protesto que, noutros espaços, está canalizado para forças radicais e populistas. Apesar de tudo, acho que a abstenção é mais benigna do que outros tipos de movimentos.