Há um ano éramos notícia por Portugal ter ficado em último lugar da zona euro num estudo do Banco Central Europeu (BCE) no que diz respeito à literacia financeira da população. Podemos até questionar o estudo, em que se contava a percentagem da população que conseguia responder a pelo menos três de cinco questões sobre literacia financeira, que passava por temas como taxas de juros, juros compostos, diversificação de risco e inflação – temas banais e que todos são obrigados a usar no seu dia a dia (mesmo que na maioria das vezes nem se aperceba).
Já de si é uma notícia que nos deixa a todos (pelo menos a mim deixa) profundamente envergonhados quando falamos orgulhosamente do país que somos.
Já passou o tempo que em Portugal se via com bons olhos a ignorância das pessoas como forma de controlar a população, limitar-lhe as ações e torná-la cada vez mais dependente do Estado (o que nem é mau, como forma de ganhar eleições).
A semana passada, o tema voltou a ser falado, após uma tentativa de alterar na Assembleia da República (projeto de resolução n.º 952/XV/2.ª) o currículo escolar do ensino básico para incluir aspetos elementares de literacia financeira.
O que está em causa?
É de elementar direito que qualquer cidadão perceba o que é a inflação: todos dizem que sabem o que é, mas não percebem que uma inflação mais baixa também implica que os preços estão a aumentar. Que percebam que uma inflação alta não tem implicação apenas nos preços dos bens que adquire, mas também no valor das suas poupanças. Que uma taxa de juro num crédito tem muitos nomes e muitas implicações. O que é o spread associado ao crédito e o que é que ele implica. Que há diferenças e riscos associados tanto a taxas variáveis como a taxas fixas. Todos devem perceber o que está em causa e a que risco se querem expor.
A rejeição (por votos contra e abstenção) de alguns partidos veio acompanhada de argumentos nos quais se justifica que mais literacia financeira leva a tomada de decisões financeiras mais irresponsáveis. E este sim é o argumento mais paternalista que se pode ter. Como é que mais conhecimento pode ser pior? Até pode levar a tomadas de decisão mais arriscadas, mas nunca mais irresponsáveis. Irresponsável é decidir sem educação. Irresponsável é decidir sem conhecimento. Irresponsável é decidir sem informação.
Não existe já?
Não, não existe. O que está previsto no currículo na disciplina de Cidadania não cobre conceitos básicos de literacia financeira. No currículo de Cidadania, entre 18 temas tão importantes como Saúde, Educação Rodoviária, Ambiente, Sexualidade, Média, Instituições Democráticas, entre outros há uma referência a Literacia Financeira. A mim parece-me que nenhum dos temas é abordado no mínimo que lhe é exigido.
No Ensino Secundário, mesmo na área vocacional de Economia, que não sendo aplicado a todos os alunos, mas apenas aos alunos desta área vocacional, não se aprende nada de realmente relevante no que diz respeito a uma gestão de finanças pessoais ou sobre uma gestão de orçamento familiar.
Estamos bem assim?
Não. Como comprovam os milhares de famílias a viverem, mês após mês, endividados em créditos sobre créditos. Famílias que vivem com tomadas de decisões financeiras disparatadas. E não, não tem (só) a ver com famílias com rendimentos baixos. Estas más e irresponsáveis decisões financeiras são tomadas em muitos níveis de rendimentos de famílias – desde famílias que vivem com rendimentos de ordenados mínimos ou próximos, a famílias com rendimentos médios e também famílias com rendimentos elevados.
Pela inação dos nossos decisores, e mais uma vez, continuaremos “orgulhosamente sós” no último lugar no próximo ranking do BCE no que diz respeito à literacia financeira da população.
Rute Xavier, professora da Católica-Lisbon School of Business and Economics
Este espaço de opinião é uma colaboração entre a Renascença e a Católica-Lisbon School of Business and Economics