Franciscano de origem alemã, D. Bernardo Bahlmann, 58 anos, foi para o Brasil em 1983. Bispo de Óbidos, no Pará, desde 2009, foi um dos impulsionadores do “Barco-Hospital Papa Francisco”, que garante o atendimento básico de saúde e espiritual a cerca de 700 mil pessoas ao longo do rio Amazonas.
Em entrevista à Renascença, D. Bernardo elogia a iniciativa do Papa convocar um Sínodo sobre a Amazónia, uma região “importante para o mundo inteiro”, não só por causa da questão climática. Sem padres nem missionários suficientes, a Igreja não está a conseguir responder às necessidades de acompanhamento dos cristãos das zonas mais remotas daquele vasto território, partilhado por vários países.
Para o bispo de Óbidos é preciso dar mais responsabilidade aos leigos das comunidades, o que não significa necessariamente a ordenação de homens casados. “A questão é muito mais ampla do que isso”, diz, acrescentando que seja qual for, a decisão “tem de ser tomada em unidade”.
O Papa convocou para outubro o Sínodo dos Bispos sobre a Amazónia, para discutir “novos caminhos para a Igreja” e “para uma ecologia integral”. Como é que vê esta iniciativa do Papa?
Vejo como uma iniciativa muito boa, porque nós estamos de facto diante de uma realidade bastante desafiadora. O Papa conhece a nossa realidade. Numa das audiências-gerais em que participei entreguei uma carta sobre os assuntos conflituosos da nossa região. Ele me disse “sabe, estou a pensar fazer um Sínodo”, e eu respondi que “isso seria muito bom”.
Achou logo boa ideia?
Sim, porque precisamos de conversar, dialogar. Acredito que é bom sentar e partilhar experiências. O Sínodo surge desta preocupação em relação à realidade da Amazónia, com todos os desafios e conflitos que tem, e de como é que a Igreja pode responder a esses desafios. O tema do Sínodo “Novos caminhos para a Igreja” é já para podermos fazer uma renovação da nossa caminhada, uma renovação da própria fé, porque hoje o maior desafio que temos – e não é só na Amazónia, é no mundo inteiro – é este: como é que poderemos transmitir a fé de uma geração para outra? Agora, cada um tem que ver dentro da sua cultura, dentro do seu lugar e do seu contexto, como é que pode fazer isso.
Na Amazónia há uma cultura e necessidades específicas?
Estamos numa região onde há muita carência, de infraestruturas, de educação e de saúde. Sentimos um certo abandono no sentido que não se cuida bem da nossa região, e falta muita coisa.
É uma área muito vasta, em que também não é fácil à Igreja chegar de maneira igual a todas as zonas remotas.
Exatamente.
A evangelização também vai estar em discussão neste Sínodo. Como é que a Igreja poderá melhorar a resposta que dá?
O sínodo é, sobretudo, para ver como é que poderemos garantir hoje a evangelização. Estamos numa região em que a Igreja é pobre, porém precisamos de investir em infraestruturas, estratégias, e tudo isso tem o seu custo. Por exemplo, temos a missão Tirió, no norte da nossa diocese, no estado do Pará. São 500 km de distância, só se consegue chegar lá de avião. Fretar um avião é caro, custa à volta de 4.000 euros fazer um voo até lá. Se se vai com uma voadeira (barco), o combustível é mais caro do que em outras partes do Brasil. Como é que se vai conseguir sustentar uma missão e fazer a evangelização acontecer?
E não há padres nem missionários para estar em permanência nos vários locais. Esse é um problema?
Essa é outra questão, é que as comunidades muitas vezes são muito distantes. Temos, por exemplo, uma paróquia em Alenquer que tem 150 comunidades, num raio de mais ou menos 100 km. Como atender todas aquelas comunidades? Não é possível poder estar em todas ao mesmo tempo. O padre vai de vez em quando, dá uma motivação, celebra missa, só que isso não é sempre garantido, portanto os leigos também têm um papel fundamental para sustentar as comunidades, como coordenadores, como ministros, como catequistas.
O documento de trabalho para o sínodo admite a ordenação sacerdotal de homens casados, preferencialmente indígenas, tendo em vista precisamente o acesso aos sacramentos por parte das comunidades mais remotas da Amazónia. Como é que vê essa possibilidade?
No outro dia juntámo-nos, os frades franciscanos da Providência de Deus, que trabalham na missão Tirió. São dois frades, um é padre e dentista, o outro é irmão leigo e pedagogo. Frei Afonso, que é o sacerdote, vai às comunidades indígenas, que às vezes são bastante distantes, a 100, 150 km. Como é que se consegue chegar lá? Não tem estrada, às vezes só é possível ir de bicicleta ou de moto, ou de barco. Então, como é que nós vamos garantir, de facto, que uma comunidade possa celebrar a Eucaristia? Uma vez por ano apenas? De dois em dois anos? É importante a celebração, porque une a comunidade. Conversámos sobre isso, e ele falou numa liderança, um ou outro cacique (espécie de “chefe” político da tribo indígena) que assumiu como ministro extraordinário de batismo ou de casamento. Estão muito empenhados, têm essa preocupação.
São leigos que pertencem à comunidade local e que podem fazer esse serviço?
Sim. Depois houve outra coisa que foi muito interessante. Ele contou que foi a uma comunidade que já há muito tempo que não tinha a visita de um padre, e ficou totalmente surpreso, porque a primeira coisa que lhe pediram foi a confissão. Então, estamos dentro dessa tensão, por um lado uma necessidade e uma carência muito grande, e por outro não conseguimos dar aquilo que é necessário. Nessa tensão, qual é a resposta?
O “instrumentum laboris”, o documento de trabalho do Sínodo, diz que em algumas comunidades se pode pensar em ter um sacerdote da própria comunidade, que tenha também a sua família. Diante dessa realidade, eu também posso imaginar isso. Agora, claro, precisamos de avaliar isso bem, partilhar, dialogar, conversar. O Papa Francisco, como jesuíta, faz o processo de discernimento, estamos diante de determinado problema ou dificuldade e ele leva-nos até lá para ver o que poderemos fazer. Então, essa decisão tem de ser tomada em unidade, dentro da colegialidade.
Daí fazer sentido que seja analisada num Sínodo, que olhe para esta realidade?
Que olhe para esta realidade. Eu sinto na minha própria pele e pergunto “como é que nós vamos fazer?” Mesmo como bispo, não me é possível nem permitido ir sempre para a missão, porque é muito caro. Precisamos de ver como é que se pode garantir a evangelização.
Tem havido críticas a este ponto (ordenação de homens casados). Isto pode abrir um precedente para a Igreja? Ou o que se está aqui a analisar é uma realidade local e a Igreja faz bem em olhar para ela?
O medo ou receio, pessoas que pensam o contrário, isso sempre faz parte, porque temos opiniões diferentes. Mas eu acredito que quando falamos de novos caminhos para a Igreja não nos deveremos só ater na questão da ordenação sacerdotal de homens casados, porque a questão é muito mais ampla do que isso, é sobre qual é o papel dos leigos e das mulheres, porque 70 a 80% dos catequistas são mulheres.
E o documento de trabalho também fala da possibilidade de lhes dar mais relevância e papel de liderança nas comunidades.
Exatamente. A questão aqui é sobretudo uma questão de responsabilidade, não é só a questão ligada ao sacerdócio, mas como é que conseguimos garantir uma evangelização, no sentido em que todos nós somos discípulos e missionários, todos somos evangelizadores.
Como bispo, como responsável da Igreja no Brasil, está confiante de que os resultados deste Sínodo possam ser importantes para a Amazónia e para a Igreja universal?
Esse momento do sínodo tem sobretudo importância, porque pela primeira vez a região da Amazónia senta-se junta para discutir as questões. O simples facto de que vamos fazer um sínodo já é importante. Agora, não nos devemos esquecer que temos outras regiões no mundo que são semelhantes à região da Amazónia, como a região do Congo, outras na Ásia. Há algumas partes do mundo que são semelhantes à Amazónia.
E as respostas que agora forem encontradas para a Amazónia podem servir para outros locais?
Podem servir também para outros lugares. Estamos aqui diante de desafios, tanto na Igreja como fora da Igreja, na sociedade de um modo geral. Como é que nos poderemos posicionar para retomar a evangelização com mais intensidade? Como é que podemos hoje garantir a transmissão da fé? A renovação da fé é o primeiro ponto, no meu modo de ver, depois falamos também sobre a estrutura, sobre a estratégia, o que é que realmente precisa de ser mudado. Mas, o primeiro ponto tem de ser muito claro que é uma questão da renovação da fé.