O Tribunal Constitucional (TC) não conseguiu eleger o substituto do juiz Pedro Machete, que chegou ao limite do seu mandato em outubro. O candidato escolhido pela ala direita, António Almeida Costa, foi chumbado por um voto, depois de ter havido uma fuga de informação sobre o nome e a imprensa ter revelado as suas posições polémicas sobre o aborto e a liberdade de imprensa.
Trata-se de uma situação inédita pois, habitualmente, só vão a votação nomes previamente consensualizados, entre os dez juízes votantes. Há já quem peça uma mudança no sistema de eleição. A cooptação deverá repetir-se este mês, agora já não com um mas dois nomes sobre a mesa, pois um outro juiz, Lino Rodrigues Ribeiro, chega ao termo do seu mandato no dia 7.
A polémica em volta da eleição dos juízes do Palácio Ratton foi o tema em debate no "Em Nome da Lei", da Renascença.
“Quanto maior for a diversidade de opiniões dos juízes, mais rico será o Tribunal Constitucional”. Tiago Duarte comenta assim recente chumbo de António Almeida Costa, um candidato com posições polémicas sobre o aborto e a liberdade de imprensa.
O professor da Universidade Católica não vê qual seria o problema de eleger para o tribunal que julga a constitucionalidade das leis e das decisões judiciais alguém com as ideias de Almeida Costa.
“A diversidade é completamente incompatível com uma ideia de intolerância. Um juiz que tenha uma ideia ultraminoritária ficará numa posição ultraminoritária numa votação no Tribunal Constitucional, que é composto por 13 juízes. A ideia de tolerância tem de ser em relação àquilo que é diferente do que eu penso”, argumenta Tiago Duarte.
"Opinião oposta à do Tribunal dos Direitos do Homem”
O candidato António Almeida Costa, proposto pela ala direita dos juízes eleitos pela Assembleia da República, recusa a legalização da interrupção voluntária da gravidez em qualquer circunstância, mesmo quando o feto resulta de uma violação. E defendeu também no Parlamento, em abril, que as fugas ao segredo de justiça se resolveriam com a punição dos jornalistas.
Esta posição que choca com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, pelo qual o Tribunal Constitucional português “deve afinar os seus critérios de proteção dos direitos fundamentais”, lembra Teresa Violante, no programa “Em Nome da Lei”.
A constitucionalista defende que Almeida Costa foi rejeitado por não ser um candidato idóneo. Não esteve em causa a sua liberdade de opinião.
“O que estava ali em causa era escrutinar as suas posições jurídicas ou o modo como as suas posições jurídicas eram tomadas. E de que forma é que isso fazia dele um candidato idóneo a juiz do Constitucional. E não estava de todo em causa a sua posição no espaço público. Aliás, essas posições foram tomadas na Assembleia da República, que não é propriamente um local para se exercer a liberdade opinativa. Ele estava, na altura, numa audição para candidato ao Conselho Superior do Ministério Público. É evidente que pode emitir todas as opiniões que entender, mas tem de assacar as consequências institucionais dessa opinião quando ela é diametralmente oposta à do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem”, sublinha Teresa Violante.
"Estupefação" pelos argumentos utilizados
Na mesma linha, a advogada Sofia Cabral Lopes argumenta que a estupefação que a Associação das Mulheres Juristas manifestou ao presidente do Constitucional, quando o nome de Almeida Costa surgiu na Imprensa, resulta, não das suas posições antiaborto, mas da fundamentação utilizada.
Sofia Cabral Lopes rejeita a ideia de que a associação a que pertence tenha tentado condicionar os juízes do Tribunal Constitucional.
“Não tentámos de forma nenhuma exercer qualquer tipo de pressão sobre o Tribunal Constitucional. Aliás, os juízes que lá estão, julgo eu, e espero eu, não se deixam pressionar. A estupefação da Associação das Mulheres Juristas não foi pelo facto de o Dr. Almeida Costa ser antiaborto, mas pela fundamentação que usou e que nunca veio a desmentir”, explica a advogada.
O professor da Faculdade de Direito do Porto defendeu em dois artigos, já com alguns anos, que as mulheres violadas raramente engravidam, dessa forma justificando a sua recusa à legalização da interrupção voluntária da gravidez, em qualquer circunstância, com base num entendimento de que a Constituição protege o feto, sobre todos os direitos à saúde física e psíquica da grávida.
Como fundamento da sua posição, falava num primeiro artigo, publicado em 1984, quando ainda era assistente da Faculdade de Direito de Coimbra, em “investigações médicas” que, alegadamente, teriam sidos feitas em campos de concentração nazis e que permitiriam concluir pelo risco diminuto de as violações poderem dar origem à gravidez.
A polémica sobre o caso Almeida Costa trouxe a debate a forma de eleição dos 13 juízes do Tribunal Constitucional, eleitos segundo dois métodos distintos. A Assembleia da República elege 10 dos juízes, por maioria de dois terços dos deputados. Os nomes dos candidatos são divulgados e sujeitos a uma audição pública. Processo bem diferente ocorre em relação aos restantes três juízes conselheiros. Estes são escolhidos pelos juízes eleitos pelo Parlamento, num processo que implica sempre negociação entre sensibilidades políticas e rodeado, normalmente, de grande secretismo.
Como escolher os juízes do Constitucional?
O cientista político Pedro Magalhães recorda que o modelo resultou de um acordo feito entre a AD e o PS e que só foi possível porque ambas as forças políticas tinham um objetivo: retirar poder ao Presidente Ramalho Eanes.
“Talvez muita gente não se recorde, mas tinha havido relações conflituais entre o Presidente, reeleito em 1980, e o Governo de então formado pela AD. Também tinha havido uma relação conflitual entre o Presidente e o PS, nomeadamente com Mário Soares. E foi ao concentrarem-se nisso que o PS e a AD desbloquearam o acordo para a revisão constitucional, dizendo que o Presidente da República não vai indicar juiz nenhum, os juízes do Tribunal Constitucional vão ser eleitos pelo Parlamento, por uma maioria qualificada.”
A exclusão do Presidente da República do processo foi determinada pela conjuntura política então vivida. Mas não é um assunto arrumado, afirma Tiago Duarte.
“Até hoje, o modelo alternativo que tenho lido para a cooptação não é de que todos os juízes fossem eleitos pela Assembleia da República”, refere o constitucionalista. “O que se tem discutido como modelo alternativo é precisamente ser o Presidente da República a indicar alguns candidatos. Ora, se formos por aí, voltamos ao modelo do secretismo, para usar a expressão que já aqui foi usada. Porque, seguramente, não vai haver candidatos a candidatos para serem escolhidos pelo Presidente da República. Haverá um dia em que o Presidente dirá: são estes três nomes.”
Pelo contrário, Teresa Violante é uma crítica do atual sistema de eleição dos juízes. Defende mais transparência no processo, com todos os nomes dos candidatos a serem previamente conhecidos, e mais igualdade de género.
A constitucionalista fez as contas e concluiu que, nos 40 anos de vida que leva, o Tribunal Constitucional teve 62 juízes, dos quais 47 homens e apenas 15 mulheres. As críticas à falta de igualdade de género na eleição dos 13 juízes do tribunal que fiscaliza as leis e as decisões judiciais foi também sublinhada pela advogada Sofia Cabral Lopes, da Associação das Mulheres Juristas.
O programa “Em Nome da Lei” é transmitido aos sábados na Renascença e está também disponível nas plataformas de podcast.