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Numa época em que a especulação imobiliária duplicou os preços de arrendamento, Berlim, capital da Alemanha, está a estudar a possibilidade de congelar rendas e de nacionalizar casas. Lisboa, que vive uma situação semelhante, com os preços a disparar, poderia seguir as mesmas ideias?
A Renascença ouviu políticos da direita à esquerda, um dirigente das associações de imobiliárias e o representante dos proprietários de Lisboa para responder à questão, e apesar das nuances, há unanimidade: estas, defendem, seriam más ideias.
Argumentam que congelar as rendas teria um efeito paradoxal: reduziria o número de imóveis disponíveis e aumentaria ainda mais os preços. As soluções devem ser outras, argumentam.
Helena Roseta, responsável do projeto socialista para a nova lei de bases da habitação, enquadra a discussão. Lembra que as rendas já estiveram congeladas em períodos recentes da nossa história, nomeadamente depois do 25 de Abril de 1974 até à década de 1990.
“É um trauma que temos em Portugal, tivemos isso durante décadas. Em Portugal quando falamos de tabelar as rendas toda a gente pensa que é congelar e fica tudo congelado”, ironiza Roseta.
O congelamento das rendas, recorda, criou um desfasamento entre os custos com os edifícios e o rendimento que deles advinha. “Começamos a ter os centros das cidades sem manutenção, embora ela seja obrigatória por lei.”
A deputada socialista, que chegou a coordenar o grupo de trabalho parlamentar da habitação antes de se demitir, defende algo diferente: o tabelamento das rendas. Isto num país que vive num mercado dual: há rendas apoiadas para famílias muito pobres e depois todo um mercado liberalizado de arrendamento.
“Podemos ter um mercado de arrendamento livre desde que paguem os impostos todos, mas falta um mercado intermédio de custos controlados”, explica.
Este mercado tabelado, adianta a deputada independente eleita nas listas do PS, deve praticar preços entre os 200 e os 500 euros, que pode chegar aos 600 euros, para tipologia entre o T1 e o T3. Algo que no fundo é o replicar das regras do programa de rendas acessíveis da autarquia de Lisboa.
Noutra escala, o Governo também criou um programa de adesão voluntária para os proprietários que queiram praticar valores de arrendamento de 80% da mediana do lugar onde está situado o imóvel, em troca de isenções de IMI, IRS e IRC.
Ataque à propriedade privada
Carlos Barbosa, deputado municipal independente da Câmara de Lisboa pelas listas do PSD, vai mais longe ao defender que congelar rendas ou nacionalizar casas seria um “saque à propriedade privada”.
Para o deputado, o problema de Lisboa foi não controlar minimamente os números de licenciamento de AirBnB, o que contribuiu para a desertificação da capital.
“A política da Câmara foi para os turistas e não para os lisboetas”, sublinha o também presidente do ACP.
A solução, segundo Barbosa, não é congelar as rendas, “é pôr as rendas corretas e não permitir a especulação”. Mas como é que isso se faz? “Da mesma forma que foi feita para cima pode ser feita para baixo”, responde.
O deputado independente considera que limitar o número de AirBnB por bairro, de maneira a que as pessoas possam voltar aos valores normais, seria uma solução. “Quanto mais duração os contratos tiverem, menos impostos devem pagar”, acrescenta.
E finaliza criticando a autarquia: “Espantaram a malta toda, e agora ‘ai ai ai’ que isto não vai dar.”
Os investidores iam todos fugir
Segundo o presidente da Associação Lisbonense de Proprietários, Menezes Leitão, o que Berlim agora discute representa o falhanço das medidas apresentadas pela Alemanha na década de 1990, que “contribuíram para a degradação dos imóveis.”
“Ou os imóveis dão rendimento ou não, e o resultado é que agora as pessoas não conseguem arrendar”, enquadra. “Num quadro em que temos um grande desincentivo ao arrendamento, criar medidas dessa ordem resultaria em que as pessoas não ponham casas nesse segmento.”
O presidente da Associação Lisbonense de Proprietários afirma que a responsabilidade do que se passa no mercado de arrendamento é do Estado português, que lançou o AIMI (Adicional do Imposto Municipal sobre Imóveis), também conhecido como imposto Mortágua.
“Se alguém que tem um prédio de rendimento paga mais de impostos do que recebe de rendas, o que na prática existe é que as pessoas têm desincentivo”, lembra.
Menezes Leitão afirma que o facto de ser um negócio menos interessante, faz com que haja menos investidores, o que se traduz em menos casas.
“Se estou só a arrendar para pagar impostos não vale a pena. Por muitas medidas draconianas que agora queiram colocar, as pessoas continuam a não arrendar. Se se ouvisse uma notícia dessas em Portugal, a de congelar as rendas cinco anos, os poucos que estão a arrendar deixariam de o fazer.”
Nem tudo é ouro
O líder da APEMIP (associação que junta os mediadores imobiliários), Luís Lima, diz que o problema da especulação começaria a resolver-se se as pessoas tivessem noção de que “nem tudo é petróleo ou ouro”, embora faça questão de apontar o lado positivo dos AL.
“Alerto que se não fosse o alojamento local, o imobiliário não estava a ser recuperado como está. [Mas] Temos de ter algum cuidado, sei que o valor dos ativos subiu demasiado. Há colegas meus que dizem ‘Luís, é o mercado a funcionar’, mas eu não sou ingénuo, temos de ter imóveis para o nível de vida dos portugueses.”
Luís Lima também refere que os dois setores que estão a puxar a economia portuguesa são o turismo e o imobiliário. “Não conheço nenhum país do mundo onde alguém possa obrigar o investidor a arrendar a um determinado preço. Só se investe se for compensador”, relembra. “Se fixarmos rendas vamos ter problemas terríveis.”
O mesmo líder associativo defende que o caminho para reduzir as rendas é o de “agir do lado da oferta” e não no “da procura”.
Nova lei de bases
A lei de bases da habitação, que está a ser preparada na Assembleia da República, terá um capítulo sobre o problema do arrendamento, anuncia Helena Roseta.
A deputada independente defende uma vez mais que o tabelamento de uma fatia significativa do mercado levaria a um equilíbrio do mercado. E lembra que essa discussão está a acontecer em Nova Iorque, bem como em Londres, em Barcelona, e em Paris.
Mas porque é que o problema da especulação se tornou transversal? “O mercado imobiliário mudou de escala, anda sempre de braço dado com o financeiro. Quando se dá a globalização financeira, o imobiliário vai atrás, é um ativo transacionado pela banca e agentes do mercado financeiro, numa época em que os ativos financeiros dão rentabilidade baixíssima ou nula quando as taxas de juro são zero ou negativas.”
Roseta acredita ainda que, neste momento, o país deve estar preocupado em fazer um levantamento dos imóveis que estão abandonados e a quem pertencem. O último Censos contabiliza 1,9 milhões de imóveis a mais do que o número de famílias residentes.
“Isso acontece devido a litígio de heranças? São proprietários sem capacidade de investir? São os fundos que têm as casas fechadas? É o Estado? Isto devia ser uma matéria prioritária”, defende.
Responsável pelo projeto socialista para uma nova lei de bases da habitação, Helena Roseta diz que o mercado de habitação é cada vez mais complexo, com mais intervenientes, o que dificulta as transformações necessárias. Ela sugere uma: a aposta em “cooperativas não lucrativas de proprietários”.
“Foi algo já testado no passado com bons resultados, e precisamos de outros modelos para alterar esta situação.”