He Jiankui, cientista na Southern University of Science and Technology (SUSTech), em Shenzhen, na China, garantiu esta segunda-feira à Associated Press que conseguiu, pela primeira vez, manipular geneticamente embriões humanos, no caso duas bebés gémeas que terão nascido este mês.
O objetivo de Jiankui foi, nas suas palavras, garantir aos dois embriões capacidade de resistir a uma futura infeção por VIH.
A equipa liderada por He Jiankui na SUSTech terá, segundo este, alterado os embriões de pelo menos sete casais durante tratamentos de fertilidade, sendo que uma gravidez (de gémeas) foi bem-sucedida.
Jiankui recusou-se a adiantar a identidade deste casal, mas espera que este seja o primeiro de muitos. “Sinto uma grande responsabilidade para que não seja apenas a primeira vez mas, sim, que se torne um exemplo. A sociedade decidirá o que fazer a seguir”, garantiu.
A resistência ao Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH) é o resultado da mutação do gene CCR5, que funciona como um co-receptor do vírus. A alteração genética em causa (denominada Delta 32) traduz-se na eliminação de parte do gene, afetando a sua funcionalidade. Para tal, os cientistas da SUSTech recorreram a uma técnica (CRISPR-Cas9) criada em 2012, que tornou possível alterar o ADN, corrigindo assim mutações do código genético diretamente relacionadas com doenças.
Até agora, a técnica CRISPR-cas9 apenas tinha sido usada em indivíduos adultos enquanto ferramenta experimental para combater doenças terminais e incapacitantes. A diferença entre essa aplicação e a manipulação do código genético em embriões é que, no segundo caso, as alterações no ADN dos futuros bebés podem ser passadas para gerações futuras, arriscando-se a danificar outros genes.
Universidade abre inquérito
O anúncio de He Jiankui, a partir de Hong Kong, à Associated Press tem gerado diversas reações, do espanto à indignação e ao descrédito, na comunidade científica internacional.
Desde logo porque, embora a “causa” seja nobre (procurar erradicar uma doença que infeta anualmente 2,5 milhões de pessoas em todo o mundo), desconhecem-se as implicações futuras da manipulação genética em embriões humanos.
Em 2015, uma equipa de investigadores, também chineses, já havia anunciado ter utilizado a CRISPR-cas9 para alterar um gene em embriões humanos inviáveis. O assunto acabaria por ser discutido no final desse ano durante a Cimeira Internacional sobre a Edição do Genoma Humano, nos Estados Unidos, concluindo-se que a manipulação genética em embriões, ovócitos ou espermatozóides para gerar bebés era “irresponsável”.
Um porta-voz da SUSTech, em declarações à CNN, veio entretanto desmentir o envolvimento da universidade neste procedimento. “Podemos garantir que a investigação não foi conduzida neste hospital e que os bebés não nasceram aqui”, afirmou. A SUSTech garante que vai abrir uma investigação a He Jiankui.
"Os riscos ainda são muitíssimo significativos"
Entrevistada pela Renascença, Ana Sofia Carvalho, professora de Bioética da Universidade Católica e membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, garante que estamos perante uma técnica de edição do genoma “muito grave”. A especialista, que é também membro do Grupo Europeu de Ética em Ciências e Novas Técnologias, lembra que estas técnicas ainda estão numa fase muito “precoce” e os riscos ainda são “muito significativos” para se estar a fazer este tipo de experiências num embrião
“Nem é correção de um defeito genético; é, no fundo, melhoramento de uma condição genética – o que do ponto de vista ético ainda é mais grave. Porque, realmente, estas técnicas de edição de genoma ainda estão numa fase muito precoce e, portanto, os riscos ainda são muitíssimo significativos para se começar, desde já, a fazer alterações a este nível num embrião”, explicou.
Ana Sofia Carvalho assegura que no espaço europeu não seria possível este tipo de edição do genoma.
“Nada disto era possível dentro do espaço europeu neste momento – inclusive por restrições legais, nada disto era possível. Mas estamos a falar de um mundo globalizado. E, portanto, não é porque nós temos regras restritivas relativamente à utilização destas técnicas que elas não acontecem do outro lado do mundo. É preciso uma reflexão a nível global e que se tente encontrar um consenso dentro da comunidade cientifica para que estas questões não sejam colocadas nesta fase – porque não fazem sentido rigorosamente nenhum”, concluiu.