“As sondagens mais recentes estão a projectar uma sinalização diferente da inicial e já se considera a possibilidade de vitória de Bolsonaro à primeira-volta”, alerta, em declarações à Renascença, Denise Campos de Toledo, nome de referência no jornalismo económico brasileiro.
“A reacção dos mercados tem sido quase um termómetro” das oscilações nas consultas de opinião reagindo, diz a analista, “próximo da euforia” ao aumentar de distância do ex-militar para Fernando Haddad, o herdeiro de Lula.
O programa económico de Bolsonaro assenta em Paulo Guedes, “economista liberal”, e, apesar de o candidato “não ter um histórico liberal, assumiu agora, esse discurso, o que lhe garante apoio importante do empresariado e dos mercados financeiros”, indica Denise Campos de Toledo.
Já de Fernando Haddad não se espera um gesto de grande dimensão para o mercado (uma versão 2018 da "Carta ao povo brasileiro", de Lula em 2002) a comprometer-se com princípios de estabilidade económica para acalmar investidores. “Haddad mantém o discurso mais anti-reformas de todos os candidatos, levando a que o mercado manifeste, cada vez mais, a preferência por Bolsonaro”, afirma a analista da JovemPan News.
Porquê esta polarização Haddad-Bolsonaro e porque razão o "centro" - talvez capaz de mais entendimentos (Ciro, Alckmin, Marina) - desaparece do radar eleitoral brasileiro?
O Brasil vive uma situação de negação da política desde que surgiram as denúncias da Lava Jato, envolvendo não apenas o Partido dos Trabalhadores, que estava no governo, mas outros que formavam a base de apoio. Isso criou um sentimento de aversão aos políticos e vontade de renovação, que só foi reforçado pela crise económica, pela pesada recessão que o Brasil enfrentou. Crise cujas consequências ainda são sentidas pela população e empresas. Na avaliação de boa parcela do eleitorado, a maior parte dos políticos faz parte de um mesmo pacote, "farinha do mesmo saco", como se diz aqui...
Jair Bolsonaro, que desponta nas pesquisas, apesar de ser parlamentar há quase 30 anos, não teve maior envolvimento nas denúncias e conseguiu se colocar como o principal opositor do Partido dos Trabalhadores. Embora o PT não seja o único envolvido em corrupção, tem uma posição mais coesa, como partido, que o coloca como o principal alvo de críticas e aversão. Era o PT que estava no poder quando ocorreu o Mensalão, ainda na época de Lula. Depois, o Petrolão, envolvendo a Petrobrás e algumas das principais empreiteiras do país, além de outras estatais, agências reguladoras e bancos públicos. Tornou-se símbolo de corrupção para boa parte da população.
Essa situação do PT, o excesso de denúncias contra políticos, a incapacidade de outros partidos de se firmarem como oposição, inclusivamente porque outros candidatos, como Marina Silva e Ciro Gomes, chegaram a integrar governos do PT, deu espaço para o crescimento político de Bolsonaro, sempre visto como "outsider", como uma figura meio folclórica, que, exatamente, por isso, tinha espaço em programas populares de rádio e TV.
Ele foi conseguindo passar uma imagem de moralismo, de preocupação com a segurança que, em determinado momento, foi de encontro aos anseios da população. Apesar de não ter um histórico liberal, assumiu esse discurso, o que lhe garantiu apoio importante até do empresariado e do mercado financeiro.
São os erros da governação PT que permitiram a emergência de um discurso populista à direita?
Foram os erros de governança, a corrupção, a crise económica, o impeachment de Dilma, a incapacidade de o centro se estabelecer como uma representação mais forte da sociedade, assim como outros partidos de esquerda. Exceptuando o posicionamento crítico dos media contra os políticos, em geral. Bolsonaro soube ocupar os espaços vazios, como alguém capaz de assumir o discurso que a população quer ouvir, embora, o histórico dele, como parlamentar, em muitos pontos, não seja coerente com essa posição. Votações do passado foram contra a postura liberal que assume agora em relação à economia.
O responsável pela política económica, Paulo Guedes, na candidatura do ex-militar, diz que Bolsonaro representa a classe média agredida e abandonada pela esquerda e que uma democracia exige alternância de poder. E, no Brasil, essas alternância não tem lugar há 30 anos porque PT e PSDB sempre foram parecidos. Não há nistoi um fundo de verdade?
Sim. Apesar de os dois partidos se colocarem como opositores, na prática, tinham uma convivência pacífica, de entendimento. O PT, quando era oposição, tinha postura muito mais firme do que o PSDB, sabia ser oposição, de fato. O PT, em princípio, com Lula, até seguiu a política económica implementada pelo antecessor, Fernando Henrique Cardoso, que era do PSDB e tinha conseguido garantir a estabilidade para o País, o controle da inflação.
Pós-impeachment, o PSDB apoiou o governo Michel Temer, que era vice de Dilma, e também foi alvo de graves denúncias de corrupção, que atrapalharam muito a agenda positiva de reestruturação da economia. Essa proximidade com Temer acabou por fazer com que o PSDB perdesse mais popularidade, sem esquecer que Aécio Neves, do PSDB, que quase venceu Dilma Roussef, do PT, nas últimas eleições presidenciais, também esteve envolvido em pesadas denúncias de corrupção.
Aqui na Europa, Bolsonaro é comparado, muitas vezes, a Trump e Salvini. Tem sentido a comparação?
Essa comparação também é feita por aqui, especialmente com Trump. O eleitorado mais fiel a Bolsonaro admira Trump pela postura independente, nacionalista, protecionistas, autoritária, um tanto impulsiva e machista, focada em produzir resultados para o próprio país. Não só comparam, mas esperam que Bolsonaro se iguale a Trump em muitos aspectos. Há uma crença em que o voluntarista, com uma autoridade mais forte, não muito democrática, possa ter mais condições de colocar o país nos eixos.
Essa enorme massa eleitoral silenciosa que se vê esquecida e abandonada pode provocar um fenómeno do tipo que dá a Presidência dos Estados Unidos a Trump?
Sim. Com base nas últimas pesquisas, não se descarta, até, uma vitória em primeiro turno. O que pode impedir esse resultado é o elevado índice de rejeição do candidato Bolsonaro. Mas o movimento anti-PT, que ganhou maior impulso desde a semana passada, com as manifestações pelo #EleNão, pode acabar prevalecendo e elegendo Jair Bolsonaro. Sendo que a rejeição de Haddad, que lhe assegura uma importante vantagem sobre Bolsonaro, está em crescendo.
Como avalia a campanha eleitoral? Há a tese de que as posições extremistas de Bolsonaro arrastaram os candidatos mais moderados para temas no limite da democracia, mas cuja discussão parece ser reivindicada por parte relevante do eleitorado?
É um facto. Os sérios problemas que o país enfrenta, não só directamente relacionados à economia, mas também em serviços essenciais e, principalmente, segurança, fazem com que boa parte da população queira um Presidente capaz de ações mais extremas. A proximidade com militares, tendo um deles como "vice", a forma como minimiza a tortura que houve na ditadura militar não parecem ser problema maior para uma parte relevante do eleitorado.
Paulo Guedes, o homem de Bolsonaro para as Finanças, sustenta que a expansão dos gastos públicos nos últimos 30 anos corrompeu a democracia e estagnou a economia. Na visão de Guedes, o Brasil reconstrói uma Europa por ano só em juros - um plano Marshall - sem amortização da dívida. Como sair daqui do que Guedes diz ser "uma armadilha de baixo crescimento e corrupção sistémica"?
Paulo Guedes é um economista liberal, que defende reformas, como da Previdência e a tributária, além de um amplo programa de privatização para reduzir o tamanho do Estado, o potencial de corrupção, gerar receita e conseguir promover a reestruturação das finanças, com redução da dívida. Resta ver se um eventual governo Bolsonaro terá apoio político para medidas tão amplas que, tradicionalmente, enfrentam forte resistência corporativista, que tem respaldo em boa parte do Congresso.
A saída passa também por uma reforma dos sistema político? Um país com mais de 25 forças políticas é governável?
O governo costuma enfrentar pressões imensas nas negociações para aprovação de reformas mais amplas, como as que devem ser propostas por Paulo Guedes. O excesso de partidos é um agravante, assim como interesses nem sempre éticos. Paulo Guedes para contornar essa resistência também propõe um pacto federativo, com maior repartição de recursos e responsabilidades para Estados e Municípios, esvaziando as emendas parlamentares, que deixariam de ser alvos de barganha política. Mas esse é outro pesado desafio, por mexer com interesses políticos de parlamentares, diminuindo a força direta que podem exercer junto ao governo nas negociações. Aliás, Paulo Guedes também defende cláusulas de votação em bloco, com votações por consenso dos partidos, não pulverizadas, para facilitar a aprovação das medidas que pretende propor.
Bolsonaro disse "não aceitar resultado diferente da minha eleição" e que o PT "só ganha na fraude". Não havendo registo histórico de fraude no voto electrónico, este desafio explícito à autoridade eleitoral deve ser encarado com preocupação?
Sem dúvida. Mas o próprio candidato, diante da reação contrária que provocou, já deu declarações tentando minimizar o que havia dito, tentando passar a ideia de que apenas ficaria contrariado com uma eventual derrota, em função do forte apoio que vem tendo do eleitorado. Segundo afirmou, apenas não cumprimentaria outro candidato eleito, no caso, Fernando Haddad.
Há riscos dos militares brasileiros saírem dos quartéis? Ou não faz sentido colar a instituição militar à candidatura de Bolsonaro?
Os militares terão forte participação em um eventual governo Bolsonaro. Além do vice-Presidente Hamilton Mourão, vários outros já estão trabalhando no programa de governo e devem assumir ministérios. Isso, inevitavelmente, traz temores quanto à eventualidade de um governo militar em moldes não democráticos, caso haja dificuldades maiores relacionadas à governabilidade. Declarações de alguns desses militares, do próprio Mourão, que na época do "impeachment" de Dilma chegou a cogitar uma intervenção, a forma como defendem a ditadura como um movimento minimizam a tortura daquela época, reforçam esse temor.
No fim de semana passado, milhares de mulheres estiveram nas ruas, em protesto contra Bolsonaro. Nesta eleição, o eleitorado feminino (52%) pode ser decisivo?
Certamente, mas mesmo com a forte mobilização, inédita no país Bolsonaro tem conseguido maior apoio no eleitorado feminino, superando até o de Fernando Haddad, em algumas regiões.
E, à esquerda, como vê a gestão do capital de votos situados em Lula e no PT? Haddad vai conseguir conquistar o centro quando a presidenta do PT, a senadora Gleisi Hoffmann, afirmou que conceder um indulto a Lula “seria uma situação absolutamente normal”? O tema não pode afugentar eleitores do centro importantes para Haddad assegurar a vitória no segundo turno?
Essa possibilidade de indulto, cogitada por Gleisi Hoffmann, presidente do PT, e por outras lideranças, apesar de negada por Haddad e pela "vice" Manuela D'Avila, que afirmaram, inclusive, que o ex-Presidente Lula não gostaria de sair da prisão pelo uso desse instrumento, reforçou a onda anti-PT e o posicionamento contrário até de boa parcela de centro-esquerda, que ainda o vê como responsável pelo esquema de corrupção que se instalou no país. Certamente, é um dos fatores que podem tirar votos de Haddad.
O ex-ministro de Lula José Dirceu disse, há dias, que “dentro do país é uma questão de tempo até a gente tomar o poder”. É nesta polarização que o brasileiro vai escolher domingo?
Declarações como esta de José Dirceu, político já condenado, que também sinalizou a necessidade de uma revisão na atuação do Ministério Público e do STF, assim como o possível indulto a Lula, jogam contra a candidatura Haddad, despertam preocupações quanto a iniciativas contrárias à democracia e remetem para o que aconteceu com a Venezuela, cujo governo ainda é apoiado pelo Partido dos Trabalhadores. Isso reforça a polarização das eleições entre candidatos considerados de extrema-esquerda e extrema-direita, cujas posturas têm um ângulo anti-democrático, cada um dentro de uma diferente concepção político ideológica. Cenário que, inevitavelmente, aumenta as incertezas quanto aos rumos do País.
É de esperar de Haddad um gesto de grande dimensão para o mercado - uma versão 2018 da Carta ao Povo Brasileiro de Lula, em 2002 - a comprometer-se com princípios de estabilidade económica para acalmar investidores?
Essa possibilidade foi considerada, mas, até para não perder a forte transferência de votos que vieram do ex-presidente Lula, Haddad não tomou qualquer iniciativa nesse sentido. O candidato continua mantendo o discurso mais anti-reformas, que faz com que o mercado manifeste, cada vez mais, a preferência por Bolsonaro, embora veja grandes incertezas também no programa económico a ser proposto por ele. Tanto que o mercado tem reagido de maneira quase eufórica, com queda acentuada do dólar frente ao real e alta da Bolsa de Valores. As pesquisas mostram avanço da candidatura de Bolsonaro, com aumento da rejeição ao Haddad.
As últimas pesquisas têm dado sinalização diferente e já se começa a considerar a possibilidade de vitória de Bolsonaro no primeiro turno, na medida em que a rejeição a Haddad tem aumentado muito. O apoio de celebridades à candidatura do PT, o movimento #EleNão, as declarações de lideranças do PT, a divisão da esquerda, o enfraquecimento do centro podem gerar uma onda mais forte contra o PT, que levaria a um apoio mais forte a Bolsonaro.
A reação do mercado é quase um termômetro desse movimento. Não há garantia de que isso vá ocorrer. Outros candidatos ainda tentam se colocar com uma terceira via, anti-Bolsonaro e anti-PT, tentando aproveitar a forte rejeição das duas candidaturas que lideram as pesquisas, mas continuam não tendo grandes alterações nas intenções de votos do eleitorado.