O antigo ministro da Justiça Pedro Aguiar Branco alerta para "tentações totalitárias" e mostra-se favorável a um "pacto de regime para a Justiça" e "não apenas reformas", defendendo ainda a envolvência do Presidente da República para ultrapassar bloqueios.
O advogado e candidato das listas da AD às próximas eleições legislativas de 10 de março falava na Conferência "Estados Gerais de Justiça", realizada em Lisboa, numa iniciativa do Conselho Regional da Ordem dos Advogados e do seu presidente João Massano.
"Continuo a acreditar que é necessário um pacto de regime para a Justiça e não apenas reformas porque isso é apenas uma parte do que se tem que fazer na Justiça", declarou Aguiar Branco, observando que "há medidas que têm impacto financeiro" que justificam e exigem "um pacto de regime" entre os partidos políticos.
O ex-governante do PSD admitiu, com ironia, que a concretização do pacto de regime para a Justiça tenha já tanto tempo como o aeroporto de Lisboa, mas insistiu na ideia de que, no passado, levou à criação de uma estrutura de missão e grupo de trabalho liderado por Miguel Galvão Teles e o então Presidente da República Jorge Sampaio, a "dar total apoio àquilo que foi o pacto para a Justiça".
Independentemente de quem ganhar as próximas eleições legislativas, Aguiar Branco aconselhou que "o próximo Governo tenha um ministro [da Justiça] com capacidade de decisão" e esteja "bem assessorado".
Na sua intervenção, Aguiar Branco alertou ainda para as "tentações totalitárias" que ameaçam o Estado de direito e a democracia, falou do "magno problema da violação do segredo de justiça" e do papel dos media e do "sentimento de corresponsabilização que deve existir entre todos os operadores judiciários", entre outros temas.
O advogado José António Barreiros, outros dos oradores, analisou detalhadamente diversos problemas da justiça, não só na área criminal, mas também na área administrativa e fiscal, justiça contraordenacional e outras, concluindo que "os diagnósticos estão há muito feitos", sendo que "o problema não é de diagnóstico, mas de soluções".
"O que importa é decidir o modelo que se vai aplicar", enfatizou o advogado, que criticou a "política de estatísticas" da justiça, a má qualidade das leis e a atual degradação dos meios e instrumentos de registo de prova nos tribunais, que classificou como sendo uma "desgraça".
Os megaprocessos e a consequente "justiça de classes" que provoca foi outra das abordagens do advogado, que considerou que, nestes processos, hoje, a pendência processual (durante anos) é a sanção, acompanhada por uma campanha mediática, porque quando a sentença chega "já não interessa", ao fim de tanto tempo. Criticou ainda a eternização dos inquéritos do Ministério Público e apelou a que "não destruam o contraditório".
O presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), Manuel Soares, falou sobre a saúde mental e dos casos de "burnout" na judicatura, das falhas no sistema recrutamento dos juízes (nos últimos 30 anos foram expulsos 40 magistrados) e nas mudanças a operar no Centro de Estudos Judiciários (CEJ), a escola de formação dos magistrados.
Quanto aos casos de "burnout" dos juízes revelou que estes são "muito menos" depois tribunais administrativos e fiscais do que nos Tribunais de Família e Menores, Tribunais de Trabalho e Tribunais Criminais onde os magistrados "têm de lidar com o drama humano".
António Marçal (Sindicato dos Funcionários Judiciais) e Arménio Maximino (Sindicato dos Trabalhadores dos Registos) falaram do défice gritante de pessoal no quadro, das dificuldades de recrutamento, da falta de condições de trabalho, da desvalorização das carreiras e dos conflitos com o governo, que, em sua opinião, não têm dado a atenção e o valor que estes profissionais merecem pelo seu papel crucial no funcionamento da justiça nas suas diversas vertentes.