- Já não o vejo há imenso tempo!
- Então? Já não me vê há seis meses, desde a safra passada. Agora é assim: de seis em seis meses.
- É quase o tempo de ter um filho...
Os diálogos na lota de Matosinhos mudaram. Os sons das gaivotas, das empilhadoras e do mar revolto mantêm-se sempre. São a prova de que há mais marés do que marinheiros, desde que a ministra do Mar decretou a proibição da pesca da sardinha, que esteve em vigor até 21 de maio.
Agora, o que vem à rede já é sardinha. Uma semana depois do início da captura do peixe que representa as romarias e o tempo dos santos populares, fazem-se as contas aos prejuízos e àquilo que o mar ainda pode dar. O "stock" é limitado, dizem os especialistas em sustentabilidade ambiental, mas nem todos concordam.
166 cabazes. É este o limite diário imposto pelo Ministério do Mar, que continua a revoltar os pescadores: Por comparação, o limite diário para a pesca da cavala, por exemplo, é de 800 cabazes.
João Carlos, 31 anos, anda “nesta vida há dez anos”, uma vida em que diz fazer “um pouco de tudo”. Em terra, é o homem ao leme da empilhadora. No mar, são "a rede e as argolas" que domina.
Portugal sempre foi terra de heróis do mar, mas "há mar e mar, há ir e voltar" e, para o pescador, são os regressos cada vez mais prolongados que constituem o maior problema. "Trabalho durante seis meses. Nos outros seis meses, tenho de ir para o fundo de desemprego e o fundo de desemprego dá o ordenado mínimo. Isto não é trabalho...", conta à Renascença.
"Um bocadinho seca"
"A sardinha de início de safra dá sempre pouco dinheiro. É um bocadinho seca. No início da safra, é sempre assim, mas consome-se bem", explica o pescador. A qualidade e a quantidade da espécie não o preocupam - não concorda que deva haver restrições nos próximos anos. Argumenta: "Sardinha há muita, aqui, na nossa costa. Pelo menos, de Viana à Figueira [da Foz], há muita sardinha".
A sardinha é senhora e rainha do negócio e, por isso, as restrições à pesca têm intensificado as privações por que passam os pescadores: "Sardinha há muita, o Governo é que não nos deixa trabalhar. Impõe uma quota baixinha e não dá para ganharmos dinheiro. O peixe, agora, não dá nada. É vendido ao desbarato."
João Carlos faz as contas. Foram “39 ou 40 euros” que ganhou na venda da sardinha que pescou. É a custo que consegue viver do mar. "Os comerciantes têm a vida deles, nós ganhamos a nossa", responde, quando questionado sobre as dificuldades dos vendedores.
"Deviam deixá-los apanhar mais"
Maria José Lopes, vendedora de peixe, mostra-se preocupada e solidária com os pescadores. "Não sei como é que os pescadores continuam a trabalhar. Vai para ali a GNR inspecionar... Se eles trouxerem a mais, têm de deitar fora ou dar aos barcos que não trazem nada", aponta a comerciante de 58 anos.
"O Governo cortou muito e os pescadores são os mais afetados. Deviam deixá-los apanhar mais para que eles pudessem ganhar mais. Eles têm passado mal, têm passado dificuldades. Podiam deixá-los apanhar mais sardinha", continua.
Sobre o futuro, Maria José Lopes levanta também algumas preocupações: "Acho que vai haver mais restrições nos próximos anos, pela forma como o Governo tem encaminhado a questão. E isso, se calhar, vai fazer com que muitos pescadores desistam de pescar, porque, não deixando pescar, para que é que eles vão ao mar? Trazem e têm de dar aos outros ou deitar fora? Não pode ser..."
Os motivos são outros, mas a expressão “uma sardinha para dois” pode ganhar um novo significado, porque, como garante a vendedora, "não tem havido muita quantidade e a qualidade da que vem não é grande coisa, não é a sardinha favorita".
"A sardinha não presta, não é muito boa", constata Maria José Lopes, depois de receber várias queixas de clientes. "Os restaurantes também não estão a vender muito, porque a sardinha não tem qualidade e muitos donos de restaurantes sentem que não a podem vender", arrisca a comerciante.
Restaurantes satisfeitos
Cristina Mota, proprietária de um restaurante em Matosinhos, tem uma perspectiva diferente. "A pesca da sardinha começou na segunda-feira. Até ao momento, não tem havido grandes problemas. Tem-se conseguido a sardinha na quantidade que se quer. Tenho vendido muito bem, desde que começou a haver a nossa sardinha a sair aqui na Docapesca", assegura.
Cristina Mota vê com bons olhos a medida do Governo de limitar a captura: "Eu penso que, em termos de quantidade, as restrições possam ter beneficiado um bocadinho, porque, se houvesse sempre pesca de sardinha, se calhar, nesta altura, não haveria esta quantidade."
E, se muitos dizem que a mulher e a sardinha se querem pequeninas, a dona da Casa Mota contraria: "O facto de estar boa, ou não, não tem que ver com o não se pescar. Tem mesmo que ver com o desenvolvimento da sardinha. Nesta altura, ela ainda não está no grau de desenvolvimento que as pessoas costumam apreciar."
“Ainda não está no ponto. Ainda não está aquela sardinha boa, que as pessoas costumam dizer que pinga no pão, mas ela está aí e o aspeto é ótimo. As pessoas têm comido e têm gostado. Claro que, com o tempo, ela vai ficando cada vez melhor", acrescenta a comerciante.
Por isso, para Cristina Mota, os santos populares vão ter manjerico, balões, alho-porro, mas também muita sardinha. "É normal nesta altura as pessoas quererem sardinha fresca e, na altura do São João, então, é a loucura", remata.