Em 2021, haverá uma descida substancial de impostos, promete o Governo. Que bom, porque este ano nem a prometida descida do IVA da eletricidade aconteceu. Porquê? Porque o PS, que no pico da crise protestava com Passos por ter ido além da "troika", ao apostar numa subida da taxa do IVA de 6 para 23 por cento, prejudicando fortemente a maioria das famílias, é agora Governo e descobriu que, apesar do excedente histórico conseguido, afinal, “não há dinheiro”. E a oposição, como um todo, que prometera em uníssono que forçaria a medida, percebeu, ao primeiro amuo de Centeno, que nada é mais confortável do que estar na oposição.
O que pode levar os partidos que clamam, dia sim dia não, contra a carga fiscal excessiva tenham entre mãos a possibilidade de a reduzir substancialmente e se escondam “por detrás dos cortinados” para, através de votos cruzados e outras manigâncias, deixar tudo como está?
Não é fácil perceber. Ainda assim, façamos um esforço. Começando em 2011 e na origem do aumento do IVA da eletricidade e do gás imposta pela “troika”. Passos Coelho decidiu, então, herdado o memorando, ir além da “troika” e, em vez dos possíveis 13 por cento da taxa intermédia, passar diretamente para a taxa máxima de 23 por cento.
Vivia-se em pré-bancarrota e a subida ajudou convenientemente a aumentar a receita.
À época, o DN fez as contas e concluiu que o aumento mensal, em termos médios, rondava os 11 euros. Então, a fatura média da eletricidade era de 45 euros e aumentava para 52. A do gás passava de 25 para quase 29 euros. Tudo somado, só no aumento da fatura da energia, o fisco levava, em média, aos portugueses mais 132 euros anuais.
No pico da crise, em 2013, quando o desemprego se aproximava dos 18% da população ativa e Vítor Gaspar anunciava o colossal aumento de impostos, o PS acordava para esta realidade e apresentou uma proposta, subscrita, entre outros, pelo atual ministro Eduardo Cabrita e pelo hoje secretário de Estado da Energia João Galamba, lembrando a “excecionalidade da medida” e propondo a reversão do aumento e o regresso da taxa do IVA sobre a fatura da luz aos 6% iniciais, porque penalizava em excesso as famílias, já sobrecarregadas com os mais variados aumentos de impostos.
Desde aí, a carga fiscal nunca mais parou de subir, atingindo este ano um máximo histórico. Mas da bancarrota passamos a apresentar excedente orçamental e a página da austeridade, garante o Governo, está claramente ultrapassada. Desta vez, é a oposição em peso (incluindo os velhos parceiros de geringonça) a bater-se pela descida. O PS promete que através de uma autorização legislativa também pretende descer os impostos, mas apenas para os consumidores “poupadores”, de forma a fazer do IVA da energia um motor da conversão ambiental, pelo que tem de pedir também autorização a Bruxelas.
Apesar da resposta vir célere do comissário respetivo - “nem pensar!” -, Costa continua a fingir que é possível e mantem a proposta de pé e a comédia começa. O clamor contra o excesso de carga fiscal, partilhado por todos, tem pequenas “nuances”, ao estilo do aumento da contagem do tempo dos professores. E em comissão o debate atinge o mesmo nível de ridículo até no facto de entrar pela noite dentro.
Talvez seja o Bloco o que acaba por se sair melhor da trapalhada. Exige ao Governo minoritário que negoceie e abra a porta a um aumento faseado, que só começará em outubro deste ano, com a taxa de 23% a passar primeiro para 13 e a chegar a 6 só daqui a dois anos. Como contrapartida, sugere uma nova taxa sectorial. O PC, fiel ao seu estilo, não quer saber de contrapartidas a nível de receita perdida e quer que a taxa desça de 23% para 6, mal publicado o orçamento.
Pelo meio, somam-se projetos e entra o jogo costumeiro, com todos a defenderem a medida - mas a fazerem tudo para que acabe rejeitada. O PSD acaba a retirar a proposta em comissão, no momento em que a vê pronta para ser aprovada pelo PC; e no dia seguinte, em plenário, ensaia o truque de garantir que aprovará a proposta dos comunistas, confiando que o guião será o já distribuído. Ou seja confiando que assim o IVA descerá, mas só em Outubro como combinado com o bloco e com o PS a ter de aceitar reduzir a verba de gabinetes ministeriais e o excedente prometido com Rio a cantar vitória.
O PS, temendo ver-se forçado a votar as medidas compensatórias do PSD, para uma redução do imposto que já só abrangeria um trimestre, põe ao seu serviço os truques das velhas raposas e recorda que o PSD já tinha pedido a alteração do guião. Resumindo, o PSD vê desarmadilhada a estratégia e acaba a votar contra a proposta do PCP num “flick flack” à retaguarda que desmente a promessa feita uns minutos antes. Para cúmulo, o CDS abstém-se na proposta do PSD, como Cecília Meireles faz questão de sublinhar, de acordo com a “direção do partido”. As esquerdas desunidas abstêm-se a contento e não chegam para aprovar proposta nenhuma. Pelo meio, o Governo amua e diz que se o IVA baixa se demite.
Confuso? É normal. Eu também tive dificuldade em seguir a sessão onde o Eça não resistiria a confirmar tudo o que ele pensava do Parlamento e descreveu nos “Maias”. PSD e CDS, depois do que aconteceu, deviam ficar proibidos de voltar a falar da carga fiscal.
O PEV, o PAN, a IL , o Chega e a própria Joacine mostraram entretanto que não apenas existem, como subitamente podem revelar-se importantes e fazer a diferença. Basta que as coisas se compliquem fazendo a balança da governação, já de si periclitante, tombar para um qualquer dos lados. Costa tem razões para permanecer atento.
O primeiro Orçamento já passou. Bastou agradar ao próprio PS. Embora, em certo momento da discussão em torno do IVA, se tivesse inclusivamente admitido, como solução para travar a alteração, que fossem os deputados socialistas a abster-se na votação final, evitando de uma penada a convocação de eleições e forçando tão só o reinicio de todo o processo orçamental! Uma solução tão insólita e interessante quanto os tempos que vivemos.
O colossal aumento de impostos, a que Gaspar recorreu em tempos de crise, continua a fonte onde vão beber todas as políticas. Se é imposto, não se pode baixar. Se dá muita receita, por mais injusto e absurdo que pareça? Ainda menos. Aqui, as contas variavam entre 450 milhões anuais de redução da receita segundo o PSD e os 850 inflacionados pelo governo.
E o que faz a oposição, entretanto? Cai na armadilha governamental e, pouco confiante nas suas alternativas, a cada proposta política diferente recua perante a ameaça tonitruante do mago Centeno e das suas contas certas. Não há dinheiro! Os votos cruzados que inviabilizaram a descida do IVA da eletricidade no Orçamento deste ano foram mais uma vez a comprovação de que a oposição teme mais ser governo do que quer vir a ser governo.
Por parte do CDS, a abstenção na proposta do PSD foi verdadeiramente incompreensível e faz temer o pior dos cenários. A nova direção pareceu ficar cedo demais escondida dentro do enorme bolso socialista - aterrada com a simples hipótese de ser acusada de abrir uma crise política.
O PSD, preso na armadilha “dos professores”, negociou passo a passo com o Bloco, fez “bluff” com o PCP e, no plenário final, acabou a fazer triste figura. Para além das convicções, esteve sobretudo dependente da ordem de votações, imposta por um guião que os próprios sociais-democratas tinham reclamado na noite anterior.
Ainda passou pela vergonha de se ver obrigada a retirar a sua proposta de votação na especialidade, para não correr o risco de a ver aprovada pelo PCP, e depois ter de arcar com a responsabilidade de provocar um substancial rombo na receita do Estado.
E é caso para dizer: caía a receita uns milhões? Caía. Para manter as contas certas, seria necessário fazer uma política diferente? Sem dúvida. E daí? Fugia o Governo? Então a oposição não está preparada para lhe assumir o lugar? Nada pior do que assumir com pompa e circunstância que, pelo menos para já, não está. Então, está à espera de quê? De perder as autárquicas? De passarem as presidenciais? Da mudança de ciclo económico? E se, nessa altura, já for tarde demais?