A pergunta "como é que se deve falar da guerra às crianças?" está por todo o lado. Confesso que não a percebo. A pergunta tem um significado implícito: temos de falar com um traço de negação ou fantasia ou de relativismo. Ora, eu não concordo com essa atitude. Não, não se pode negar a realidade às crianças, por muito dura que ela seja. Os velhos contos de crianças eram duros e exigentes. A literatura infantil não deve tratar os seus leitores como crianças. Não, não pode haver fantasia no sentido em que não podemos abordar a guerra como se fosse um filme com elfos. E não, não pode haver relativismo no sentido em que não tomamos parte.
Começo por aqui. Não faz sentido a ideia de que temos de falar desta guerra como se os dois lados tivessem a mesma validade moral. Nem sempre há “bons” e “maus”, é verdade, mas aqui é bem claro onde é que está a legitimidade. De resto, esta é uma forma de ensinarmos às nossas crianças o valor da democracia e da liberdade; esta é uma boa altura para ensinarmos as diferenças entre uma democracia e uma ditadura. De igual forma, não se pode reduzir a guerra a um jogo de fantasia como se fosse um filme ou um jogo. As crianças têm de saber que há de facto gente a morrer e a lutar para defender um modo de vida igual ao seu. Os nossos filhos têm de saber que há gente a lutar e a morrer para ter uma vida normal e pacífica como esta que nós temos e damos por garantida. As crianças têm de saber que os ucranianos que vêem um pouco por todo o lado aqui em Portugal estão a sofrer e a lutar. Não têm que ver imagens demasiado explícitas da guerra, mas têm de saber que algo se passa de muito grave.
Uma educação cristã, parece-me, não passa por evitar o mal, mas sim por saber enfrentá-lo e nomeá-lo. E, neste caso, há um mal que é preciso nomear: a ditadura de Putin e o pan-eslavismo que tem sido a marca cultural das elites russas. Da minha parte, tenho orgulho naquilo que a minha mais velha já sabe dizer sobre o que se passa: há um ditador, o Putin, “um filho da Putin”, que está a invadir uma democracia, e nós, as outras democracias, temos de apoiar essa democracia, a Ucrânia.