Separados por 400 quilómetros, os concelhos de Melgaço e de Sardoal têm tudo a ver. São terras onde o tempo foi rápido a envelhecer os que ficaram e rápido a levar os mais novos para bem longe.
Acontece é que, por motivos que já vamos contar a seguir, em nenhum outro lugar do país se vota tanto como em Sardoal. A abstenção foi de 30% nas últimas legislativas. Já em Melgaço, foge-se das urnas de voto como das outras. Pouco mais de 30 % da população votou em 2011.
O segredo está na Câmara
Em Sardoal, é dia de Festa. A meio da tarde ainda há pouca gente na rua. A explicação está na farra da noite anterior, até de madrugada.
Quem já recupera pelas sombras dos cafés, agarra na questão e ensaia explicações: "Somos muito unidos, as pessoas são muito agarradas à terra. Seja nas eleições para o Governo, para Presidente ou para a Câmara, vai sempre tudo votar", conta Celeste Paulino. Esta funcionária da autarquia também costuma estar nas mesas de voto. "A tradição é que à hora de almoço já está quase toda a eleição despachada. Quem foi trabalhar para outros lados continua a vir votar cá".
As bandas passam e a Filarmónica da terra faz um brilharete, mesmo com a concorrência assumida das barraquinhas de produtos artesanais.
A ver toda a gente passar, Manuel Costa abandona depressa o assédio aos turistas e forasteiros que entram na sua loja de vinhos para se virar ao tema: "Olhe, nem sabia que votávamos assim tanto, mas acho que tem tudo a ver com a dependência desta terra da Câmara Municipal. Há muitas associações, mas tem tudo o dedo da Câmara, até estas festas. Os idosos, que são os que mais votam, andam sempre com eles ao colo: ora é a excursão aqui, ora é passeio ali, ora o almoço acolá. São muito paparicados, e depois já se sabe...".
Para tirar teimas é preciso ir à procura de outra sombra. Apontam-nos o que chamam "o espaço VIP cá da terra", um arraial da Filarmónica num pequeno jardim. É lá que está o casal que já foi o primeiro da terra. É Fernando Moleiro e a esposa.
Fernando Moleiro foi presidente da Câmara do Sardoal (PSD) durante 20 anos. "Saí o ano passado e jurei que não me meto mais em política. Mas não tem nada que saber, as pessoas aqui vão dar o voto porque há uma grande ligação à autarquia. Nós também sempre facilitámos o transporte, para tudo. Em dia de eleições, possa ou não deslocar-se, pode ter a certeza que ninguém fica em casa", garante.
O Sardoal tem quatro mil habitantes, 53,5% são pensionistas e reformados. Não há sinais de revitalização, mas enquanto houver festas e eleições, a terra enche.
No Alto Minho ganha a abstenção
Fica-se zonzo para chegar a Melgaço. No Alto Minho, nenhuma estrada anda a direito, nem as auto-estradas. Fica ainda mais longe por isso.
A imensa paz que agrada aos visitantes é um velho incómodo para a maioria dos habitantes. "É mau sinal", diz António Gonçalves que estava mesmo, mesmo a entrar na sesta, dentro do táxi estacionado debaixo de uma laranjeira.
"Eu vim de França, estive lá mais de 30 anos, agora estou reformado. A gente nova vai-se toda embora. Não há aqui que fazer, é só o vinho, mas não chega para nada. As pessoas não têm grande esperança no voto."
Na empresa de transporte de passageiros, Márcio Alves é o único ocupante do escritório. Tem uma receita para melhorar a afluência às urnas: "Não devia ser ao domingo, não podemos andar a sustentar autocarros vazios por esses montes. Ao fim-de-semana não há carreiras. As pessoas aí das freguesias, os mais velhos, só se vierem de táxi..."
Belarmina Alves não tem essa desculpa, vive no centro de Melgaço. Diz que vota sempre. O problema é outro: "Não quero cá saber nada disso, nem da televisão nem nada. Ainda no outro dia esteve aí o António... António... como é que ele se chama?" Costa? "Pois, esse, veio e foi embora e eu nem dei por nada."
Na loja de Amália Sousa, há santinhos e Zés Povinho na mesma prateleira de cima, por baixo é só fruta, com ar cansado de esperar pelos clientes. A dona e empregada do estabelecimento faz renda à porta e agradece todos os pretextos para descansar os olhos.
"Eu cá voto sempre, nunca falhei nem uma, e é sempre nos socialistas. Trabalhei toda a vida na Câmara e é de lá que vou ser toda a vida. Já a família, filhos e neto, é tudo igual. Só um é escolheu outro lado, de resto é tudo do mesmo!" A frutaria é mais local de conversa do que de vendas, "os velhotes andam cheios de medo. Têm medo que lhe vão buscar o dinheirito das reformas. Então dizem-me que não, que não vão dar votos a ninguém para depois lhes roubarem o resto. É o que dizem, os velhotes..."
O número de eleitores portugueses que votam é basicamente o mesmo desde 1975: ronda os 5 milhões e meio de pessoas. Já a abstenção, em 40 anos, passou de meio milhão para 4 milhões.