Regresso à normalidade "não pode esquecer lições da pandemia"
23-09-2021 - 00:39
 • André Rodrigues

A poucas horas do Conselho de Ministros onde se saberá como vai ser a terceira fase do desconfinamento, o investigador do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto considera que, atingido o limiar dos 85% da população vacinada, o país estará em condições de retomar a vida tal como ela era antes da pandemia. Mas impõe-se um "regresso inteligente".

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O epidemiologista Henrique de Barros defende um regresso da vida à normalidade pré-pandemia.

A poucas horas do Conselho de Ministros desta quinta-feira, que vai abrir o caminho para a terceira fase do desconfinamento, o país está cada vez mais perto do limiar dos 85% da população vacinada.

Em declarações à Renascença, o investigador do Instituto Superior de Saúde Pública (ISPUP) evita usar o termo ‘imunidade de grupo’ para classificar o estado de imunização da população residente em Portugal, mas admite que “com 85% da população vacinada, sabendo que a eficácia da vacina não é total, estaremos muito perto de ter 70% da população protegida e isso é um número suficiente para nós podermos voltar à vida que tínhamos antes do aparecimento da Covid”.

Mas, para este especialista, é fundamental “um regresso inteligente à normalidade”, em que as lições da pandemia não devem ser esquecidas.

“Há muito que sabíamos que lavar as mãos é fundamental, há muito que sabíamos que, quando tínhamos sintomas e íamos a um serviço de saúde devíamos colocar uma máscara para proteger, sobretudo os outros. Há muito, também, que sabíamos que não devíamos fazer uma vida normal se estivéssemos doentes. E a ideia de ir trabalhar com sintomas, que era uma coisa, até, valorizada socialmente, é uma forma extremamente eficaz de propagar doenças”.

Preenchidos estes requisitos, Henrique de Barros diz que “a vida tem de ser normal”.

Proteção desigual contra a Covid-19

Com a transição de estação do ano, aproxima-se a fase crítica para a transmissão de infeções respiratórias. À Covid-19 soma-se a gripe sazonal, praticamente inexistente no último inverno.

Face à inevitável de junção das duas doenças durante o inverno, Henrique de Barros avisa que os maiores riscos estão na “proteção desigual” à escala global contra a Covid-19 e na incerteza sobre que gripe vamos ter este ano, uma vez que foi praticamente inexistente na última estação fria.

“Se Portugal tem um bom Serviço Nacional de Saúde, uma cadeia robusta de vacinação e um sistema de testes eficaz, a maior parte das populações à escala mundial não tem essas condições e isso deixa o país exposto a novas variantes que possam já estar a circular noutros países”, avisa.

“Não podemos simplesmente reagir”

Perante este quadro, a melhor prevenção é o acompanhamento apertado à circulação do vírus risco, “com uma boa política de atenção à mobilidade das pessoas, com análises das águas residuais - que são um bom indicador da evolução da presença do vírus - e, naturalmente, de novo, estando muito atentos aos sintomas”.

Noutro plano, Henrique de Barros defende uma resposta hospitalar robusta, por mais que, nesta fase, o risco de uma nova vaga da pandemia esteja afastada.

“Todos nos lembramos das notícias sobre o número imenso de pessoas nos hospitais na altura do inverno com infeções respiratórias. Isso acontecia é porque não havia planeamento.

Hoje outra das lições da pandemia foi percebermos e aprendermos com os hospitais, como é o caso do São João, que soube fazer bem as coisas. O que nós não podemos é simplesmente reagir. Nós hoje já sabemos o suficiente

Temos de ter previstas as diferentes fases de atuação e como é que essa resposta vai ser dada”, alerta o investigador do ISPUP.

Vacinar crianças acima dos cinco anos

Numa altura em que se ultima o consenso científico sobre a vacinação de crianças a partir dos cinco anos, Henrique de Barros estima que “muito rapidamente” seja possível “demonstrar a eficácia e a segurança da vacina nas crianças entre os cinco e os onze anos e, só aí, vamos ser capazes de vacinar algumas centenas de milhar de pessoas”.

Na opinião do epidemiologista do ISPUP, “isto é importante, porque estaremos a fazer desaparecer grupos grandes onde, por não estarem imunizados, a infeção pode circular e, a partir deles, atingir aquelas pessoas nas quais a vacina não foi eficaz”.