O único deputado português na Assembleia Legislativa (AL) de Macau, José Pereira Coutinho, disse em entrevista à Lusa que será difícil no futuro ter uma maioria dos parlamentares eleitos democraticamente na região administrativa especial chinesa.
"Antes do estabelecimento da RAEM [Região Administrativa Especial de Macau] foi uma pena não ter sido alterado, de forma a que a maioria dos deputados na Assembleia Legislativa (...) sejam eleitos pela via direta", sustentou.
"Não foi assim no passado na administração portuguesa, não foi assim após o estabelecimento da RAEM e até à presente data, e não vai ser fácil no futuro termos uma Assembleia Legislativa [com deputados] maioritariamente eleitos pelo voto democrático", afirmou o parlamentar, que nas eleições do ano passado conseguiu tornar a sua lista na terceira força política na AL, numas eleições marcadas pela exclusão dos candidatos associados ao campo pró-democracia.
A Assembleia Legislativa é constituída por 33 deputados, 14 dos quais eleitos diretamente pela população, 12 por sufrágio indireto (através das associações) e sete nomeados pelo chefe do Executivo do antigo território administrado por Portugal.
Por outro lado, Pereira Coutinho lamentou que até hoje não exista "um regime específico de [declaração] de conflito de interesses".
"É um regime [em] que tenho estado a trabalhar nos últimos 20 anos em Macau para que as coisas sejam mais transparentes, para eu saibamos quem é quem cá em Macau, o que está por trás, quais são as suas responsabilidades, quais são as suas empresas, que funções exercem em determinadas associações", explicou.
O deputado afirmou que "há deputados que nem habilitações académicas e profissionais põem lá no seu perfil individual da Assembleia Legislativa".
E insistiu na crítica: "Macau foi sempre, no passado, no tempo da administração portuguesa, uma teia de interesses, de conflito de interesses no seu dia-a-dia. Porque é que as pessoas querem ser deputados? Porque de facto facilita a vida do empresário, da sua atividade comercial, e isto foi sempre assim no passado, no tempo da administração portuguesa, e continua a ser agora".
Afetada pela crise económica causada pela pandemia de covid-19, Pereira Coutinho garantiu que a população está atenta ao dinheiro desperdiçado pelos responsáveis políticos em projetos megalómanos, nos "elefantes brancos" que têm impacto no erário público, sobretudo quando a sociedade sente cada vez mais na pele o desemprego, sobretudo o juvenil, num território em que a população está a envelhecer, em que há falta de contribuições sociais, em que as receitas do jogo não são suficientes para cobrir as despesas e em que as reservas financeiras estão a diminuir.
Ainda que as pessoas vivam naquela que "continua a ser a cidade mais segura do mundo", hoje há cada vez mais uma grande pressão psicológica", num território em que a questão da habitação foi sempre um grande problema, mas que foi agora substituído por um "muito mais grave". Ou seja, precisou, o desemprego, que trouxe ainda "à boleia" outras adversidades, umas mais locais, outras potenciadas pelo cenário de crise mundial, como "a inflação, a subida dos preços e dos bens essenciais, a perda da qualidade de vida e do poder de compra".
"E isto tem afetado tanto que está-se a repercutir na sociedade com o número de suicídios, no aumento de pessoas a pedir os cestos de comida", argumentou, ressalvando que o aumento em Macau no número de suicídios durante o período pandémico tem "várias causas".
"Nós sabemos que muitas dessas causas têm a ver com altercações familiares, as reduzidas dimensões das habitações, o trabalho parcial, as dificuldades de pagar as amortizações, as rendas e os sustentos dos filhos", elencou, sustentando que "há uma série de problemas que advêm das regras pandémicas extremamente rigorosas e que têm feito com que as pessoas (...) não tenham receitas suficientes para ultrapassar as dificuldades".
Pereira Coutinho defendeu que resta "ter esperança que as regras pandémicas sejam eliminadas, que a vida normalize" e que "haja mais turistas, que se crie mais riqueza através das pequenas e médias empresas" e que "Macau seja cada vez menos dependente (...) do jogo, de acordo com aquilo que está planeado pelo Governo nos próximos dez anos, e que não vai ser fácil", admitiu.