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Alfreda Fonseca, uma das promotoras da carta enviada quinta-feira aos bispos, a pedir medidas concretas contra os abusos na Igreja, considera que o que foi anunciado pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), em Fátima, foi insuficiente e que a comunicação falhou.
“A CEP não sabe comunicar nem com os católicos, nem com o povo em geral. A conferência de imprensa foi confusa, com uma leitura que seria reprovada", diz à Renascença, numa critica direta ao porta-voz da CEP, padre Manuel Barbosa - que leu um comunicado com as conclusões da reunião -, mas também ao presidente daquele organismo.
"As respostas de D. José Ornelas foram atrapalhadas, repetitivas. O documento, do que me apercebi, é poucochinho", insiste Alfreda Fonseca, para quem as medidas anunciadas revelam que a CEP não sabe comunicar, e esta “não é só uma questão de forma, é também uma questão de passar, ou não, uma mensagem clara”.
Para esta responsável, que integra o movimento ‘Nós Somos igreja’, e o Metanoia – Movimento Católico de Profissionais, um dos pontos que ficou por esclarecer foi a questão da suspensão, ou não, dos padres suspeitos que ainda continuam no ativo, e cuja lista foi entregue esta quinta-feira à CEP e ao Ministério Público.
“Não sabemos o que é que, perante a lista de abusadores, vai acontecer. Sabemos que foi entregue a cada uma das dioceses, ora cada bispo pode decidir de maneira diferente e as interpretações que cada um pode fazer da gravidade dos casos não é uniforme”.
“Sabemos que há padres e leigos envolvidos, que passam de diocese em diocese... se isto fica ao nível diocesano e clerical, parece-me pouco uniforme, pouco claro, e não tenho a certeza que funcione”, sublinha, lamentando que isso não tenha ficado já hoje esclarecido.
"Aquela conversa de D. José Ornelas pareceu-me embrulhada... por um lado dizia que sim [à suspensão], por outro dizia que não, que era preciso ver caso a caso. Mas, isso é o que se faz sempre, até nos processos civis fazem-se averiguações!”.
Mas, Alfreda Fonseca não tem só criticas a fazer. “Há uma coisa que me parece importante e positiva, que é acentuar a tolerância zero, e que as vítimas estão em primeiro lugar e devem ser cuidadas. Isso é evangélico e prioritário”, afirma.
Quanto à nova comissão que irá ser criada, lembra que era “uma exigência óbvia, feita pela comissão anterior e que a nossa carta também fez, de haver uma nova comissão independente para continuar este processo. Isto parece-me igualmente positivo”.
“Senti que se caminhou, mas ainda estamos a meio da ponte”
Eugénio Fonseca, outro dos subscritores da carta que foi enviada aos bispos, acha que a Igreja já devia ter definido uma estratégia de atuação mais clara, e que há ainda muito a fazer. Em declarações à Renascença o antigo presidente da Cáritas - e atual responsável da Federação Portuguesa de Voluntariado - diz que tem dúvidas sobre a eficácia da nova comissão que os bispos se comprometem a criar, por ir ficar dependente da que coordena a nível nacional as comissões diocesanas de proteção de menores.
“Não me parece que seja uma boa solução. Preferia que fosse mesmo autónoma, porque julgo que daria maior confiança, não só a quem venha a apresentar as suas situações, como até, em termos de transparência, ao país em geral”, refere, lembrando que as comissões diocesanas já vão ter muito a fazer ao nível da formação.
“Vão ter uma tarefa muito exigente, que é a tarefa de preparar as pessoas que lidam com crianças, jovens e pessoas vulneráveis, na prevenção destas situações e em ações de formação.
Este trabalho vai demorar algum tempo e tem que ser um trabalho contínuo e portanto tem que haver um empenhamento desde já”.
Entre os pontos positivos destaca o compromisso, reiterado pelos bispos, de “tolerância zero” para com os abusos, e o pedido de perdão e o memorial às vítimas. “A questão do memorial é significativa. Vamos ver o que é que acontece em abril, não sabemos ainda, mas que seja uma celebração com expressão nacional. Portanto, há aqui medidas que ainda vamos ver o que é que vai acontecer, mas há compromissos que são muito importantes: a afirmação da tolerância zero, a afirmação de que é preciso rever a formação dos futuros sacerdotes”.
Sobre a carta enviada aos bispos, e que também assinou, garante que o objetivo foi o de ajudar a Igreja a recuperar a sua credibilidade. “Não foi um documento reivindicativo nem um caderno de encargos. Não foi. Foi um documento para dizer aos bispos ‘nós queremos ser parte da solução, queremos ajudar-vos’, para que haja realmente uma solução para este problema que aflige toda a Igreja. E com certeza que estaremos todos disponíveis para colaborar com os bispos, para que a nossa Igreja tenha a credibilidade que a sua missão exige”.
Agora, sublinha, o importante é prosseguir o trabalho. “Não podemos parar. Como digo, fiquei com a sensação que se caminhou, mas que está agora no meio da ponte. É preciso continuar esta travessia”.
Se foi vítima de abuso ou conhece quem possa ter sido, não está sozinho e há vários organismos de apoio às vítimas a que pode recorrer:
- Serviço de Escuta dos Jesuítas , um “espaço seguro destinado a acolher, escutar e apoiar pessoas que possam ter sido vítimas de abusos sexuais nas instituições da Companhia de Jesus.
Telefone: 217 543 085 (2ª a 6ª, das 9h30 às 18h) | E-mail: escutar@jesuitas.pt | Morada: Estrada da Torre, 26, 1750-296 Lisboa
- Rede Care , projeto da APAV, Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, que “apoia crianças e jovens vítimas de violência sexual de forma especializada, bem como as suas famílias e amigos/as”.
Com presença em Lisboa, Porto, Coimbra, Braga, Setúbal, Santarém, Algarve, Alentejo, Madeira e Açores.
Telefone: 22 550 29 57 | Linha gratuita de Apoio à Vítima: 116 006 | E-mail: care@apav.pt
- Comissões Diocesanas para a Protecção de Menores . São 21 e foram criadas pela Conferência Episcopal Portuguesa.
São constituídas por especialistas de várias áreas, recolhem denúncias e dão “orientações no campo da prevenção de abusos”.
Podem ser contactadas por telefone, correio ou email.
Para apoiar organizações católicas que trabalham com crianças:
- Projeto Cuidar , do CEPCEP, Centro de Estudos da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica
Se pretende partilhar o seu caso com a Renascença, pode contactar-nos de forma sigilosa, através do email: partilha@rr.pt