A NOS, a Altice e a Vodafone, os três gigantes das telecomunicações em Portugal, mantêm a exclusão da Huawei na implementação das suas redes "core" de 5G. As telecoms confirmam a decisão esta quinta-feira, apesar de o Governo português não banir a empresa chinesa das suas infraestruturas. Em alguns países europeus, o colosso chinês está proibido de atuar na introdução da nova tecnologia.
A rede "core" das redes de quinta geração móvel é responsável pelas funções de gestão de sessões (como atribuição dos endereços IP aos equipamentos conectados), pelos processos de autenticação e autorização de acesso à rede. São salas técnicas em que estão servidores, gateways e routers. Nas redes ‘rádio’ encontram-se as antenas e estações instalados em postes e telhados.
À semelhança de vários países europeus, Portugal está a preparar um leilão do espectro de 5G, no meio de uma intensa pressão diplomática dos EUA para que proíba a Huawei de entrar nestas novas redes de telecom da nova geração.
A Nos, a Vodafone e a Altice - que juntas têm quase 100% dos clientes de telecoms móveis do país - decidiram não usar tecnologia da Huawei no 'core' das redes 5G. De acordo com um porta-voz da NOS, a empresa "não vai usar tecnologias Huawei nas redes 5G" e vai escolher "os melhores parceiros" para esta implementação.
A Vodafone Portugal avançou com a mesma informação, tal como a Altice Portugal, que já tinha anunciado a decisão em março de 2020, mantendo-a agora. "A Vodafone (casa mãe VOD.L) anunciou que a sua rede core 5G não irá contemplar a Huawei nas suas diferentes operações, pelo que, naturalmente, a Vodafone Portugal não é excepção", referiu uma porta-voz da Vodafone Portugal.
"Core" com maiores riscos de vigilância
As redes 'core' móveis acarretam maiores riscos de vigilância pois incorporam programas de software mais sofisticados que processam informações confidenciais, como dados pessoais dos clientes.
Washington quer que os seus aliados excluam a Huawei, maior produtora mundial de equipamentos de telecoms, argumentando que o uso do seu 'kit' cria o potencial de espionagem pela China - uma alegação negada sistematicamente pela Huawei e por Pequim.
No entanto, o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, confirmou à Reuters que tinha ouvido que a Huawei seria deixada de parte, acrescentando que a decisão "nada tem a ver com as opções ou imposições do Governo português, que, nesta matéria, se encontra absolutamente alinhado com as orientações europeias".
"A priori, não temos problemas com nenhum dos fabricantes", explicou o ministro, dizendo também que, de acordo com o grupo de trabalho criado pelo Governo para estudar os riscos e as questões de cibersegurança relacionados com a tecnologia 5G, não houve qualquer conclusão que apontasse para problemas com algum fabricante em particular.
A Huawei contatada pela Renascença afirmou que não comenta a decisão portuguesa e as implicações que terá no negócio em Portugal.
"Não há provas de espionagem pela Huawei"
António Rodrigues, investigador e professor de telecomunicações do IST, explica à Renascença que "não existem provas de que a China, em particular, a Huawei faz espionagem, nem há provas de que não faça, mas há uma grande relutância em empresas muito grandes em abandonar totalmente a hipótese Huawei".
"Neste momento, não me parece justificável, do ponto de visto tecnológico ou técnico, que seja necessário não usar material Huawei pelo facto de haver esse perigo. Isto é uma decisão que caberá aos Governos tomar, é política", remata o investigador.
Este mês, o Governo britânico ordenou as suas operadoras de telemóvel a removerem todo o equipamento da empresa chinesa usado na infraestrutura de telecomunicações 5G, até ao final de 2027.
A decisão foi tomada numa reunião do Conselho de Segurança Nacional presidida pelo primeiro-ministro, Boris Johnson, como resposta a sanções impostas pelos Estados Unidos à Huawei, em maio deste ano.
Para Luís Correia, professor do IST e investigador do INESC e do INOV, "a questão dos perigos e dos ciberataques tem sido um pouco mal entendida."
"Há, de facto, e isso é público e notório, uma guerra comercial entre os Estados Unidos e a China. E como em qualquer guerra, usam-se as armas que estão disponíveis e uma delas, neste momento, é a tecnologia das comunicações móveis, a quinta geração", conclui, em entrevista à Renascença, Luís Correia.
De acordo com um estudo da Oxford Economics, publicado em junho, a restrição da Huawei na rede 5G por Portugal poderá aumentar o custo da construção da rede em 63 milhões de euros por ano.
"O nosso modelo sugere que restringir um participante importante pode aumentar o custo de construção da rede de 5G em 63 milhões de euros por ano na próxima década (19% dos custos base) no nosso cenário central", lê-se no estudo encomendado pela Huawei e que analisa 31 países europeus.
"Um mercado de infraestruturas 5G competitivo ajudaria a maximizar os ganhos da inovação tecnológica e do crescimento em Portugal", em clima de crise económica provocada pela pandemia da Covid-19.
Segundo o estudo os serviços da nova tecnologia poderiam "estimular a atividade económica em 3,7 mil milhões de euros no PIB e apoiar cerca de 127.300 empregos em Portugal".
Um crescimento económico menor por causa de atrasos do desenvolvimento do 5G, associado a um baixo crescimento tecnológico "reduz o PIB entre 100 milhões de euros e 1,1 mil milhões de euros" em 15 anos, considera o estudo.
[notícia editada às 16h23]