Chegamos à COP26 inquietos. Dizendo melhor: chegamos ainda mais inquietos. Chegamos com todas as evidências científicas de que o atual modelo económico e os nossos estilos de vida estão esgotados e nos aproximam de um cenário catastrófico de aquecimento do Planeta. E sabemos as consequências: escassez de água potável; insegurança alimentar; aumento dos índices de fome e desnutrição a nível global; aumento do número de refugiados e deslocados climáticos; erosão de zonas costeiras; perda de biodiversidade, que resultará na extinção de algumas espécies animais e de plantas; e tantas outras consequências que aqui se poderiam enumerar.
Sabemos também que todos estes efeitos atingem de forma mais violenta as populações e os países mais vulneráveis, que são, ao mesmo tempo, os que menos contribuem para o fenómeno. Para as organizações da sociedade civil e para as organizações não-governamentais para o desenvolvimento em particular, onde me incluo, travar as alterações climáticas é, sobretudo e antes de mais, uma questão de justiça e de respeito pelos direitos humanos. É, por isso, nosso dever e responsabilidade apelar à justiça climática.
Para muitos, o adjetivo “catastrófico” que aqui trago para qualificar o cenário que nos aguarda, será talvez alarmista. Mas permitam-me que aqui reitere que nada há de mais alarmista que a atual inação política internacional. De todos os lados chegam os alertas. Cidadãos, organizações da sociedade civil, ativistas, cientistas e até o Secretário-geral das Nações Unidas são unânimes em afirmar que esta é a COP de todas as decisões. Este é o momento que determinará o futuro do Planeta e da Humanidade. Ainda temos esperança de que é possível fazer recuar a marcha da história. Uma esperança ativa que nos faz continuar a soar os alarmes e a exigir compromissos políticos ambiciosos que façam cumprir o Acordo de Paris. Nas negociações que decorrem por estes dias em Glasgow, isto traduz-se na apresentação por parte de cada país de contribuições e metas ambiciosas de redução das emissões de gases de efeito de estufa, bem como a forma de as medir e verificar; no apoio dos países industrializados à mitigação, adaptação, financiamento e transferência de tecnologia para os países mais afetados; numa orientação política clara que permita a conclusão das regras de implementação do mercado de carbono (artigo 6.º do Acordo de Paris), assegurando o respeito pelos direitos humanos e ambientais e pela dignidade de cada pessoa; e a revisão e respetiva operacionalização dos mecanismos que permitem calcular as perdas e danos de forma a compensar os países mais afetados pelos desastres climáticos (Mecanismo de Varsóvia).
Vivemos num mundo global e os desafios globais só podem ser enfrentados através de uma nova ética das relações internacionais, que nos convoca à responsabilidade partilhada e ao cuidado de uns pelos outros.
Entre a inquietação e a esperança, ainda acreditamos que é possível pensar e sonhar uma humanidade diferente, modelar o futuro na corresponsabilidade, na solidariedade e na cooperação, onde cada pessoa conta na sua dignidade e singularidade.
*Ana Patrícia Fonseca, da Fundação Fé e Cooperação (FEC) e coordenadora Departamento de Educação para o Desenvolvimento e Advocacia Social