Um ministério do governo de Israel elaborou uma proposta para deslocar os 2,3 milhões de habitantes da Faixa de Gaza para a península do Sinai, no Egito. A proposta tem a data de 13 de outubro e provocou a condenação por parte dos palestinianos.
A notícia da proposta foi inicialmente avançada este domingo pelo jornal israelita Sicha Mekomit, que também publicou o documento na íntegra. A proposta do Ministério das Informações israelita estabelece três alternativas para o futuro dos palestinianos que vivem na Faixa de Gaza, e aponta a deportação como a opção mais favorável.
As duas opções descartadas são a restituição da soberania da Autoridade Palestiniana, que está baseada na Cisjordânia, na Faixa de Gaza, e o apoio a um regime local. A opção de restituição da Autoridade Palestiniana em Gaza é assumida como "uma vitória sem precedentes do movimento nacional palestiniano, uma vitória que vai tirar as vidas de milhares de israelitas civis e soldados, e não salvaguarda a segurança de Israel", avança a Associated Press.
Segundo a proposta, esta opção também é a que mais serve de disuasão ao Hezbollah, localizado no sul do Líbano - uma área que Israel ocupou entre 1982 e 2000.
Três fases: evacuar, invadir e esvaziar Gaza
De acordo com o Sicha Mekomit, assim como os jornais The Times of Israel e Haaretz, a transferência de palestinianos para fora de Gaza é o resultado desejado da guerra, e o plano é dividido em três fases: uma evacuação para o sul da Faixa de Gaza, uma invasão terrestre do enclave - durante a qual devem ser eliminados os túneis do Hamas -, e uma deslocação de palestinianos para o território egípcio, sem direito a regressar a Gaza.
A população palestiniana ficaria, assim, hospedada em cidades-tenda no norte da península do Sinai, antecedendo a construção de cidades permanentes e um corredor humanitário indefinido. Os habitantes de Gaza seriam ainda impedidos de viver ou trabalhar em zonas próximas da fronteira com Israel, devido à criação de uma "área estéril de vários quilómetros" dentro do Egito.
O documento refere que o Egito, a Turquia, o Qatar, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos poderiam apoiar o plano quer através de financiamento, quer através do acolhimento de refugiados da Faixa de Gaza - que, a longo prazo, se tornariam cidadãos desses países.
A proposta refere possíveis complicações "em termos de legitimidade internacional", mas o Ministério das Informações de Israel estabelece que os Estados Unidos da América (EUA) devem ser chamados a apoiar esta deslocação forçada de palestinianos, pressionando o Egito, a Grécia, a Espanha e o Canadá a receber estes refugiados.
Plano "conceptual" reaviva trauma palestiniano
Segundo o Haaretz, o Ministério das Informações de Israel confirmou a existência do documento e das recomendações. Contudo, não é expectável que a proposta seja discutida pelo Governo israelita, e este Ministério não é a entidade responsável por tomar tais decisões - está encarregue de preparar estudos e políticas, que são entregues aos governos e agências de segurança para apoiar a tomada de decisões.
A proposta foi desvalorizada pelo primeiro-ministro israelita. Citado pela Associated Press, Benjamin Netanyahu disse que o documento é meramente "conceptual".
Já um porta-voz do Presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, disse que a entidade é "contra a transferência para qualquer lugar, de qualquer forma, e considera isso uma linha vermelha".
"O que aconteceu em 1948 não vai poder acontecer outra vez", disse o porta-voz, e seria "equivalente a declarar uma nova guerra".
O Ministério dos Negócios Estrangeiros egípcio não respondeu à Associated Press. Porém, este plano é uma confirmação do medo antigo que Israel queira forçar uma expulsão permanente dos palestinianos para o território do Egito.
O Egito governou Gaza entre 1948 e 1967, quando Israel conquistou o território, a Cisjordânia, o leste de Jerusalém e as colinas de Golã, na Síria, durante a Guerra dos Seis Dias. A esmagadora maioria da atual população da Faixa de Gaza é descendente de refugiados palestinianos, forçados a sair do que hoje é Israel.
Esse processo é conhecido como Nakba - palavra árabe para catástrofe -, e levou à deslocação forçada de cerca de 700 mil palestinianos durante a guerra que durou entre 1947 e 1949. Essa guerra surgiu após 30 anos de tensões entre judeus e palestinianos durante o controlo britânico da Palestina, devido a um acordo para a criação de um Estado judaico.
A guerra começou com a aprovação, na Assembleia Geral das Nações Unidas, do plano de divisão da região em dois Estados, contestada devido ao que foi então considerada, pela população árabe, uma atribuição desproporcional de território face à minoria judaica na região - 56% do território para 32% da população.
Entre a saída do Reino Unido da região e a proclamação do Estado de Israel, o conflito foi largamente civil, teve o envolvimento de milícias armadas, e incluiu planos para a conquista de território em preparação da criação de um Estado judaico.
Depois de 14 de maio de 1948, a guerra passou a envolver os países vizinhos. O Egito, o Iraque, a atual Jordânia e a Síria invadiram o território palestiniano e iniciaram combates contra as forças israelitas. No fim do conflito, as linhas dos armistícios assinados por Israel com os países vizinhos deram ao Estado judaico 78% do território. São essas as atuais fronteiras de Israel com a Cisjordânia e a Faixa de Gaza.
Um plano como o criado pelo Ministério das Informações de Israel tem, diz o Haaretz, a oposição dos Estados Unidos da América. O secretário de Estado dos EUA desconsiderou essa hipótese durante a ronda diplomática que fez logo após o ataque de 7 de outubro, e Joe Biden assegurou ao Presidente do Egito, Abdel Fattah al-Sissi, que "os palestinianos em Gaza não vão ser deslocados para o Egito ou qualquer outra nação".