A lei que o Bloco de Esquerda está a tentar fazer passar na Assembleia da República para legalizar a gestação de substituição, conhecida popularmente por "barrigas de aluguer”, diz que em casos em que se combina um preço pelo serviço o contrato deve ser considerado nulo. A proposta do Bloco não explica o que se faz com a criança que resulta de um contrato mais tarde considerado nulo.
Lorcán Price, activista pró-vida na Irlanda e especialista legal que trabalha com a organização conservadora norte-americana Alliance Defending Freedom (ADF), que presta apoio jurídico a pessoas e organizações em matérias como a liberdade religiosa e questões morais ou éticas, elenca vários problemas que se colocam neste tipo de contratos.
“Em muitos casos, os acordos de barriga de aluguer altruísta contêm cláusulas sobre o reembolso de despesas que resultem da gravidez. Parece-me que é aí que se levantam as questões. Como é que se definem as despesas? Pode haver despesas práticas, como comida e transporte para e de o hospital, despesas com exames médicos. Mas se as despesas incluírem o tempo despendido com a gravidez, em lugar de outras actividades? Ou despesas compensatórias de outras coisas como dor ou sofrimento, que não podem ser medidos… Aí vemos que a linha clara que algumas pessoas dizem que existe entre a gestação de substituição comercial ou não comercial na verdade não é tão clara assim", diz.
“Nos países em que as barrigas de aluguer se tornaram uma prática comum, como na Índia ou na Ucrânia, não existe um grande número de mulheres dispostas a fazê-lo por um sentido de altruísmo. Geralmente o motivo é o desespero financeiro. O aspecto monetário tende a ser o principal", reforça.
Por isso, o especialista não acredita "que haja uma forma prática de garantir que a gestação de substituição altruísta não se torne comercial através de pagamentos debaixo da mesa ou fingindo que certos pagamentos são reembolsos quando na verdade são honorários”.
“Quer haja ou não troca de dinheiro, ou o acordo ser chamado altruísta ou comercial, continua a haver grandes problemas com as barrigas de aluguer. As violações dos direitos humanos não são menores só porque não se troca dinheiro", conclui.
"Violação" dos direitos da criança
Entre essas alegadas violações está, para Lorcán Price, a do superior interesse da criança. “Onde existe um acordo de gestação de substituição há uma criança que é comercializada e tratada como um bem, sujeito a um acordo entre adultos sobre paternidade a exercer sobre ela. O que isto faz é colocar a criança numa posição em que as pessoas responsáveis pela sua criação são determinadas por um acordo que não tem necessariamente os seus melhores interesses em consideração, mas os interesses dos prospectivos pais e da mulher que assume a gravidez.”
“Logo aí temos uma clara violação do princípio consagrado na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças, que diz que os interesses superiores da criança devem prevalecer em qualquer acordo sobre parentalidade”, diz o especialista irlandês.
Outra questão que tem sido levantada, e que o projecto do Bloco de Esquerda não aborda, é a do anonimato dos dadores de material genético usado nestes casos. É um debate que tem dado muito que falar internacionalmente. Alguns países procuram garantir o direito das crianças a conhecerem a sua herança genética a partir do momento em que se tornam adultas, caso queiram.
“Na prática, como sabemos, a maioria das pessoas que doam material genético fazem-no no pressuposto de que a sua anonimidade será preservada. Isto levanta problemas de consanguinidade no futuro, onde as pessoas não têm acesso à verdade sobre a sua herança genética e torna praticamente impossível para uma criança, no futuro, poder conhecer a sua herança genética”, argumenta Lorcán Price.
O especialista dá o exemplo do caso britânico, que até recentemente era totalmente desregulado. “Significa que há potencialmente centenas de crianças que possam ter nascido do mesmo pai, sobretudo no que diz respeito à doação de esperma. Isto pode levar a situações em que meios-irmãos se encontram numa relação sexual, sem saber que existe uma relação genética entre os eles”, afirma.
A primeira proposta do Bloco de Esquerda foi vetada pelo Presidente da República, que pediu um debate alargado e a atenção a alguns dos conselhos do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida. Entre estas recomendações, o Presidente sublinhou o direito de a mulher gestante poder revogar o seu consentimento, ficando ela com o filho em vez de o entregar, até ao momento do parto, o que também não está salvaguardado na segunda versão da lei do Bloco.