Estamos na reta final para a grande disputa eleitoral de 2022, mas a cartada fundamental para a Educação, que procura sempre um rosto, continua escondida. A votação, do que depende deste sector, ao não contar com uma proposta consistente de liderança, acabará por favorecer não os programas, já de si bastante semelhantes, mas o ressurgimento das resistências, por vezes apaixonadas, provocadas pelos dois anteriores ministros. Acontece isto sob a aparente indiferença de ambos os partidos que, para seu próprio bem, talvez devessem ter optado por um enérgico divórcio em vez do delicado afastamento a que foram obrigados.
Ainda assim, alguma clarificação das propostas foi emergindo, por insistência popular e clarividência de “barões” avisados. Infelizmente, não deixou de notar-se uma astenia argumentativa, sinal do constrangimento que os partidos políticos sentem quanto a dialogar com o eleitorado mais jovem e o seu futuro, educativo e profissional - em que talvez pensem - quando a maioria dos votantes efetivos ou são pensionistas, ou para lá caminham. Como diz Innerarity, não é só a complexidade da globalização e as tentações nacionalistas que estão a causar estragos na governação: é o surgimento, inusitado e crítico, da experiência de guiar um mundo fragmentado por seis gerações com interesses diversos e competitivos, beliscando a estrutura tradicional do contrato social daquela que já é uma Europa envelhecida e egoísta.
Neste quadro, pouco entusiasmante, a mais assertiva ação do PSD em termos das políticas de educação foi a declaração de David Justino, rejeitando a “revolução completa das bases fundamentais do sistema educativo”. Ofereceu esperança aos moderados que tinham, até aí, o seu voto em suspenso, com os traumas da governação por números, cujo obstinado defensor, outrora desejando implodir o Ministério da Educação, de facto, quase o fez.
Para operar uma mudança suave (aceitável?), o PSD oferece mais “autonomia” e mais competências às escolas, excluindo cirurgicamente do programa a bandeira do confronto entre ensino público e privado: defende a diferenciação de projetos educativos e, que espanto, das “soluções pedagógicas”. Advoga, assim, partir de “uma mesma orientação curricular”, e descentralizar as competências, incluindo as autarquias, mas em função das suas capacidades. Elencam-se o planeamento da rede, a organização das turmas, a afetação dos horários docentes, a abertura de novos cursos (transversalmente a todo o sistema), os créditos horários – e não ficou claro se premeiam os “bons” ou acodem aos que estão em dificuldades –, alguma flexibilização na contratação de docentes e o incentivo à angariação (liberal?) de financiamentos públicos e privados. Esta “descentralização” faz uma “clara separação” entre funções administrativas e pedagógicas, o que, atendendo à complexidade da vida organizacional das escolas e das suas finalidades, não parece uma pretensão muito promissora.
O PS, com uma retórica mais engraçada, também advoga da autonomia, descentralização e desburocratização da escola, alargando o “espaço de decisão das lideranças escolares e dos professores”, para que respondam às necessidades conjunturais em tempo útil. Está-lhe associado o plano 21|23 Escola+, o que é um risco, pois adiciona argumentos a quem se sentiu defraudado pela governação destes últimos seis anos de socialismo escolar ou, dito de outro modo, da incompreensível auto reclusão do Ministro em pasta, quanto às imensas dificuldades com que os professores lidam com a pandemia e, no todo, da sua escandalosa falta de previsão e de orientação – uma confusa e abrupta descentralização das suas responsabilidades, brindada no mais hermético silêncio. O lapso na urgente intervenção em favor das crianças mais desfavorecidas veio obscurecer os propósitos, sempre mais igualitários e democráticos, do projeto educativo do PS, e terá um preço em votos.
Mas como o PS=Costa não tem uma vocação suicidária, apresenta a ideia de autonomia e de descentralização sustentada numa linguagem de “centro”, que soa, de novo, a parceria antecipada com o PSD, mas que revela, no pormenor, um melhor conhecimento das realidades. Vem marcada, quem diria, por medidas de “avaliação da eficiência e da eficácia na gestão”, além da participação da comunidade educativa, da importantíssima “valorização das lideranças intermédias”, até agora perdidas nos meandros dos mega agrupamentos – quando o modelo de direção managerialista começa a pedir alguma avaliação/revisão –, da proximidade com o contexto e pela redução da burocracia. As autarquias também são chamadas a cumprir o seu papel, aprofundando-se a descentralização e a “subsidiariedade”, mais uma ideia católica que, quando desintegrada do todo dessa mensagem, significa pouco, mas está no léxico da EU e atrai clientela na direita.
O PS não se detém na avaliação externa e o PSD não carrega demasiado: é o fado habitual das provas em final de ciclo e a manutenção do sistema em vigor para o Ensino Secundário, mas amparado na promessa de provas mais inteligentes e sensíveis. Há que dar contas às famílias e incentivar os estudos económicos, mas não é preciso ser-se grosseiro na recolha de dados que servem, apenas, para serem recolhidos, nem ficar obcecado com a relevância dos rankings.
Falta-nos, pois, olhar as propostas para os professores. O PSD recupera o papel do Estado como recrutador mais avisado, algo que a maioria dos países da EU faz por recurso a provas, entre o Ensino Superior (assim desvalorizado) e o início da carreira, e a importância de, ao longo do percurso profissional, avaliar os docentes de forma mais competente: surge o portefólio de atividade, a discutir por júri essencialmente externo à escola. Os sociais democratas pretendem favorecer a mobilidade entre agrupamentos e compensar os professores pela perda de tempo de serviço imposta pelas medidas concertadas com a Troika, e não foi recuperado pelos socialistas. Nada é dito sobre a valorização da carreira ou a motivação para a mesma, salvo o regresso da Profissionalização em Serviço, isto é, a pretensão de contratar professores sem especialização docente e, mais tarde, oferecer-lhes essa possibilidade de estabilidade. Imposto pela realidade da escassez de candidatos qualificados ou não, os profissionais senti-lo-ão como um enorme retrocesso e uma deterioração da classe.
O PS contrapõe com uma ideia, pouco explícita, de estabilização dos professores por via do seu empoderamento, aceitando “projetos pedagógicos próprios”. Pretende reduzir a mobilidade e facultar a vinculação às escolas, o que inclui “criar incentivos” de fixação em determinadas zonas – talvez à semelhança do mega insucesso obtido com os médicos – mas não explicitados. E como se advoga maior participação dos jovens na gestão das escolas, fica-se com a esperança de a articular com o devido envolvimento dos docentes, técnicos e funcionários, numa dinâmica de “ambientes saudáveis” e maior democratização da vida escolar.
Entretanto, até começarem a sair em Despachos e Decretos, muitas destas intensões serão reescritas pela gulodice das alianças pós-eleitorais, à esquerda e à direita. E da articulação disto tudo com as políticas, decisivas, de incentivo à natalidade, de combate robusto contra a pobreza e de regionalização, é como nos romances: fica entregue à imaginação do leitor.