O antigo ministro Álvaro Santos Pereira disse esta quarta-feira no parlamento que houve “algum incómodo” e que um membro do Governo e a delegação portuguesa na OCDE quiseram remover a palavra corrupção do relatório da OCDE sobre Portugal, divulgado em fevereiro.
“Houve pelo menos algum incómodo. Quer a delegação portuguesa na OCDE, quer mais tarde um membro do Governo revelaram algumas preocupações com o relatório, nomeadamente manifestaram a sua intenção de remover a palavra corrupção do relatório, porque disseram que o problema da corrupção em Portugal não é dos mais graves”, afirmou Álvaro Santos Pereira, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, na Assembleia da República, em Lisboa.
O ex-governante falava na qualidade de relator do relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) sobre as perspetivas económicas para Portugal - Economic Survey - 2019, na parte que se refere à reforma da justiça e à corrupção, a requerimento do PSD.
Álvaro Santos Pereira explicou que “a equipa que representou Portugal no comité era liderado pelo secretário de Estado das Finanças Mourinho Félix”.
“Nada do que está neste relatório é extremamente controverso, o que não podíamos aceitar é só porque um governo diz que não gosta da palavra corrupção, essa palavra não apareça”, frisou Álvaro Santos Pereira.
O diretor da OCDE referiu ainda que houve um outro país, “também latino”, que tentou que “não aparecessem gráficos de corrupção” no relatório relativo ao país, e sublinhou que “em todos os países, desde a Dinamarca à Suécia, até Portugal, Itália e outros a questão da corrupção é central”.
Questionado sobre por que terá o Governo querido retirar a palavra corrupção do relatório, Álvaro Santos Pereira indicou que “não faz o mínimo sentido fingir que está tudo bem e não falar da corrupção”.
“Acham que os investidores que vêm para Portugal não sabem o que se passa e precisam do relatório da OCDE para saberem? Porque é que o Governo não quis? Têm de lhes perguntar”, declarou, salientando ainda que “não houve nenhuma recomendação que a OCDE fez no texto original que não ficasse no texto final”.
“Não sei porque é que o Governo quis expurgar a palavra corrupção. A nossa intenção foi sempre que a questão da luta anticorrupção lá estivesse”, sublinhou o antigo ministro.
Telefonema com presidente do Eurogrupo afastou Santos Pereira de apresentação de relatório da OCDE
O antigo ministro Álvaro Santos Pereira afirmou ainda que num telefonema entre o secretário-geral da OCDE e o presidente do Eurogrupo, Mário Centeno, este "manifestou desagrado" relativamente à sua presença na conferência de imprensa de apresentação do relatório sobre Portugal.
“Sobre o veto à minha presença na apresentação do relatório da OCDE em Portugal, houve um telefonema do secretário-geral da OCDE, Angel Gurría, com o presidente do Eurogrupo [Mário Centeno], em que foi manifestado um desagrado relativamente à minha presença na apresentação do relatório”, indicou Álvaro Santos Pereira na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, na Assembleia da República, em Lisboa.
No dia da apresentação do relatório, em 18 de fevereiro, o secretário-geral da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Angel Gurría, indicou aos jornalistas que foi sua a sugestão de que Álvaro Santos Pereira não estivesse presente na conferência de imprensa, pois “não gostaria que esta fosse sobre Álvaro em vez de Portugal”.
Em causa estavam referências a processos como a Operação Marquês e sugestões como o aumento do orçamento antifraude e anticorrupção da Justiça, como noticiaram o Observador e o jornal Expresso, que tinham tido acesso ao rascunho inicial do documento.
Na comissão de hoje no parlamento, quando questionado sobre se havia referências no relatório inicial da OCDE a casos concretos de corrupção em Portugal, Álvaro Santos Pereira declarou que “tiraram-se algumas referências”, acrescentando que “havia escândalos que envolviam um ex-primeiro-ministro e alguns empresários”, mas frisando que “a OCDE não fala em casos em concreto”.
Na altura da apresentação do relatório, em 18 de fevereiro, uma segunda-feira, chegou a estar agendada uma segunda conferência de imprensa no dia seguinte, de apresentação da parte técnica do relatório e na qual Álvaro Santos Pereira seria um dos oradores, que acabou por não se realizar.
“Certamente a apresentação da parte técnica do relatório será feita mais à frente”, referiu hoje o antigo ministro da Economia do governo liderado por Passos Coelho.
Álvaro Santos Pereira foi hoje ouvido na qualidade de relator do relatório da OCDE sobre as perspetivas económicas para Portugal - Economic Survey - 2019, na parte que se refere à reforma da justiça e à corrupção, a requerimento do PSD.
O antigo ministro coordenou o relatório na qualidade de diretor de Estudos Nacionais da OCDE.