O Papa Francisco desafiou esta segunda-feira católicos e luteranos a não se resignarem à distância que a separação criou entre as duas comunidades.
No seu primeiro discurso na visita à Suécia, precisamente para participar num evento ecuménico de comemoração dos 500 anos da publicação das teses de Lutero, Francisco começou por sublinhar que a unidade dos cristãos é vontade de Cristo e disse que protestantes e católicos atravessam um momento histórico que deve ser aproveitado para ultrapassar controvérsias do passado.
“Não podemos resignar-nos com a divisão e o distanciamento que a separação gerou entre nós. Temos a possibilidade de reparar um momento crucial da nossa história, superando controvérsias e mal-entendidos que nos impediram frequentemente de nos compreendermos uns aos outros”, afirmou o Papa.
A caminhada conjunta rumo à unidade obriga a um olhar crítico sobre o passado. “Também nós devemos olhar, com amor e honestidade, para o nosso passado e reconhecer o erro e pedir perdão, pois só Deus é o juiz. E, com a mesma honestidade e amor, temos de reconhecer que a nossa divisão se afastava da intuição originária do povo de Deus”, disse Francisco, acrescentando que “havia, de ambos os lados, uma vontade sincera de professar e defender a verdadeira fé, mas estamos conscientes também de que nos fechamos em nós mesmos com medo ou preconceitos relativamente à fé que os outros professam com uma acentuação e uma linguagem diferentes”.
Destacar o que une
As diferenças actuais entre a Igreja Católica e a luterana são profundas, tendo a ver sobretudo com três áreas: o entendimento sobre a Eucaristia, sobre a natureza e estrutura da Igreja e sobre o ministério.
Outra área importante de divergência tinha a ver com a doutrina da justificação, isto é, como se opera a salvação das almas dos crentes, mas que já foi alvo de um documento conjunto que ultrapassa os diferentes entendimentos.
A oração comum que esta tarde teve lugar na catedral de Lund teve sempre um tom penitencial, com os luteranos e católicos a pedir perdão pela incompreensão e pelos maus exemplos dados no passado. Durante séculos, cristãos de ambos os lados "não só compreenderam mal como criticaram e caricaturaram os seus opositores. Focaram aquilo que os separava, em vez de se concentraram no que os une. Estes fracassos resultaram na morte de centenas de milhares de pessoas", rezou-se. "Lamentamos profundamente aquilo que católicos e luteranos fizeram uns aos outros", disseram ainda os líderes religiosos reunidos.
Mas durante o seu discurso o Papa pôde encontrar alguns pontos positivos da reforma protestante que não deixou de realçar. “Com gratidão, reconhecemos que a Reforma contribuiu para dar maior centralidade à Sagrada Escritura na vida da Igreja. Através da escuta comum da Palavra de Deus nas Escrituras, o diálogo entre a Igreja Católica e a Federação Luterana Mundial, cujo cinquentenário celebramos, deu passos importantes. Peçamos ao Senhor que a sua Palavra nos mantenha unidos, porque Ela é fonte de alimento e vida; sem a sua inspiração, nada podemos fazer.”
“A experiência espiritual de Martinho Lutero interpela-nos lembrando-nos que nada podemos fazer sem Deus. ‘Como posso ter um Deus misericordioso?’ Esta é a pergunta que constantemente atormentava Lutero. Na verdade, a questão da justa relação com Deus é a questão decisiva da vida. Como é sabido, Lutero descobriu este Deus misericordioso na Boa Nova de Jesus Cristo encarnado, morto e ressuscitado. Com o conceito ‘só por graça divina’, recorda-nos que Deus tem sempre a iniciativa e que precede qualquer resposta humana inclusive no momento em que procura suscitar tal resposta. Assim, a doutrina da justificação exprime a essência da existência humana diante de Deus.”
Testemunho conjunto
Enquanto as diferenças doutrinais e teológicas não são resolvidas, as duas igrejas continuam a caminhar separadas, cada uma a tentar dar testemunho do Cristianismo no mundo, considera Francisco.
“Jesus intercede por nós como mediador junto do Pai, pedindo-Lhe a unidade dos seus discípulos para que ‘o mundo creia’ (Jo 17, 21). É isto que nos conforta e impele a unir-nos a Jesus para implorar o Pai com insistência: ‘Concedei-nos o dom da unidade, para que o mundo creia na força da vossa misericórdia’. Este é o testemunho que o mundo espera de nós.”
“E nós, cristãos, seremos testemunhas credíveis da misericórdia, na medida em que o perdão, a renovação e a reconciliação forem uma experiência diária entre nós. Juntos, podemos anunciar e manifestar, de forma concreta e com alegria, a misericórdia de Deus, defendendo e servindo a dignidade de cada pessoa. Sem este serviço ao mundo e no mundo, a fé cristã é incompleta”, insiste o Papa.
Já o secretário-geral da Federação Luterana Mundial, Martin Junge, recordou no seu discurso o testemunho de pessoas que já antes do início do diálogo ecuménico oficial, já se reuniam para tentar construir pontes entre as comunidades.
Junge agradeceu a estes "profetas", que "vivendo em comunidade e dando testemunho conjunto, começaram a ver-se não como ramos separados da videira, mas unidos em Jesus Cristo. E mais, começaram a ver Jesus no meio deles e a reconhecer que mesmo naqueles períodos da história, durante os séculos em que deixamos de nos falar, Jesus continuava a falar-nos. Jesus jamais se esqueceu de nós, mesmo quando parecia que o tínhamos esquecido a ele, perdendo-nos em acções violentas e carregadas de ódio."
A viagem do Papa Francisco à Suécia é uma etapa histórica do diálogo ecuménico com os luteranos, nomeadamente com a Federação Luterana Mundial, que representa cerca de 70 milhões de fiéis em todo o mundo.
Francisco chegou a Malmö, esta manhã, e parte de volta para Roma na terça-feira, depois de celebrar missa para a comunidade católica.
A Renascença com o Papa Francisco na Suécia. Apoio: Santa Casa da Misericórdia de Lisboa