No segundo volume do seu livro de memórias, Cavaco Silva revela que António Costa lhe disse que “entendimentos com o PCP e o BE seriam impossíveis”, diz que “a realidade derrotou a ideologia” no Governo da “Geringonça” e arrasa Paulo Portas por causa do episódio da demissão “irrevogável”.
O livro “Quinta-feira e Outros dias - da Coligação à «Geringonça»” é lançado no dia 24 de outubro, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. Revelamos alguns excertos da obra do antigo Presidente da República.
Demissão de Paulo Portas, “um completo absurdo”
Cavaco Silva recorda um dos momentos mais críticos do Governo de coligação PSD/CDS, vivido em julho de 2013, quando Paulo Portas apresentou a demissão “irrevogável”.
O ex-chefe de Estado utilizada palavras duras para descrever a decisão do então líder do CDS e confirma que tudo teve origem na escolha de Maria Luís Albuquerque para substituir Vítor Gaspar nas Finanças.
“Absolutamente inaceitável”, “um completo absurdo” ou “infantilidade pouco patriótica” são algumas das expressões utilizadas para descrever o episódio, que acabou com um recuo de Paulo Portas.
“Paulo Portas comunicara ao Primeiro-Ministro que iria demitir-se do Governo. Apresentara pouca justificação: não se sentia mobilizado e estava incomodado com a escolha de Maria Luís Albuquerque para Ministra das Finanças, porque ela iria ser a continuação da política de Vítor Gaspar. (…) A decisão de Paulo Portas era um completo absurdo. Fazer um comunicado anunciando a demissão em cima da posse da nova ministra das Finanças, que teria lugar uma hora depois, parecia-me uma infantilidade pouco patriótica. Visava, propositadamente, destruir a credibilidade da nova titular da pasta, quer no plano interno, quer no plano externo. Absolutamente inaceitável.”
Costa disse que “entendimentos com o PCP e o BE seriam impossíveis”
O capítulo 21 do novo livro é dedicado ao “parto” da atual solução governativa, a chamada “Geringonça”
Cavaco Silva revela que António Costa lhe disse em 2014, já líder do PS, que “entendimentos com o PCP e o BE seriam impossíveis”. Mas não foram e foi possível formar um Governo apoiado pelos partidos de esquerda.
“Os líderes do PS com quem trabalhara como Presidente da República, José Sócrates e António José Seguro, haviam sido sempre categóricos na afirmação de que o PCP e o Bloco de Esquerda eram partidos em quem não se podia confiar, empenhados em criar um clima revolucionário no País e minar os alicerces da nossa democracia de tipo ocidental. O próprio António Costa, em 10 de outubro de 2014, já eleito líder do PS, dissera-me, a propósito das opções estratégicas no plano externo que caracterizam a nossa democracia, que entendimentos com o PCP e o BE seriam impossíveis. Tratava-se da posição dominante do PS desde os tempos da liderança de Mário Soares.”
“Geringonça” ou como “a realidade derrotou a ideologia”
Cavaco Silva considera que “o primeiro ano do Governo do PS presidido por António Costa não foi bom para o País” e lamenta as críticas ao executivo de Pedro Passos Coelho, “que criara as condições para um novo ciclo de crescimento e de melhoria do bem-estar dos portugueses e retirara Portugal da situação de pré-bancarrota a que o Governo socialista de José Sócrates, contra todos os avisos, conduzira o País”.
“Como eu antevira em dezembro de 2015, no campo económico a realidade derrotou a ideologia. Mas não sem custos para os Portugueses. A ostensiva retórica do “virar a página da austeridade” permitiu iludir durante algum tempo, mas não todo. No princípio de 2017, já muitos tinham percebido que, virada a página apenas para alguns, a austeridade continuava patente na ausência de investimento público, nas cativações, na deterioração da qualidade dos serviços públicos e nos impostos, com a carga fiscal a crescer para níveis nunca vistos”, escreve Cavaco Silva.
Cavaco surpreendido com “franqueza” de Joana Marques Vidal
O antigo Presidente da República revela, neste segundo livro de memórias, que ficou “surpreendido” com a “franqueza” de Joana Marques Vidal, quando a ouviu para o cargo de procuradora-geral da República.
“Disse à ministra da Justiça que, apesar de Joana Marques Vidal merecer a preferência tanto do Governo como do Partido Socialista, não podia dar luz verde à sua nomeação sem a ouvir e saber o que pensava do funcionamento do Ministério Público. (…) Surpreendeu-me a franqueza de Joana Marques Vidal ao afirmar que era uma pessoa de esquerda, vista como não alinhada com o Governo em funções e que a sua nomeação podia dar lugar a críticas pelo facto de ter pertencido ao Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, de o seu irmão ser procurador em Aveiro e ter em mãos o processo “Face Oculta” e de o seu pai ter sido diretor da Polícia Judiciária, aspetos que achava que eu devia ter em devida consideração.”