“E se eu morresse, quem tomaria conta das minhas bebés?”
26-11-2020 - 06:50
 • Etty Mahmood*

Seis anos depois de ter sido destruída na guerra do Iémen, a cidade de Aden continua a tentar recuperar. A pandemia parecia ser apenas mais um obstáculo e quando a população se apercebeu da gravidade era tarde de mais.

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A Covid-19 atingiu a cidade de Aden de forma inesperada e muito severa. Primeiro, as pessoas não se preocuparam e não seguiram as orientações nem tomaram precauções. Nessa fase era uma entre muitas outras doenças como tifoide e dengue. Isto levou muitas pessoas a crer que era apenas mais uma doença que se arrastaria durante um o dois dias e depois ficavam bem, gerando uma atitude bastante relaxada para com o coronavírus.

Abril chegou e as escolas tiveram de fechar, as crianças ficaram em casa. A maioria das pessoas também ficaram em casa, porque os locais de trabalho também fecharam. Então as pessoas começaram a perceber que a coisa era mesmo séria. Estavam pessoas a adoecer e a precisar de internamentos, mas os hospitais não estavam a aceitar doentes Covid. Com tanta dificuldade em serem admitidos nos hospitais, muitos dos doentes preferiram isolar-se em casa e tomar medicamentos ou beber mezinhas caseiras. Em pânico, as pessoas começaram a comprar comida e bens essenciais, mas muitos não tinham dinheiro para isso.

O meu marido teve de ficar em casa quase três meses. Foi talvez a única coisa positiva no meio disto tudo, porque pudemos passar mais tempo juntos em família, eu, ele e as nossas gémeas. Normalmente ele voltava do trabalho, na refinaria de Aden, às 16h, mudava de roupa e ia até à praia, que fica a dois minutos de nossa casa, nadar ou jogar futebol com os amigos, mas agora estava confinado como toda a gente. Divertimo-nos imenso em casa e ele passou tempo de qualidade com as miúdas.

Lá fora ouvíamos falar de pessoas a morrer, pelo menos duas pessoas por dia. O meu marido conhecia muitas delas. Ao ouvir essas notícias pensava em como damos tanto por adquirido na vida e num abrir e fechar de olhos um ente querido deixava de estar entre nós. Caramba, esta doença não era, nem é, pera doce, é uma coisa grave. Chegou ao ponto em que já pensava que podíamos ser os próximos. E se eu morresse, quem tomaria conta das minhas bebés? Estava a começar a pensar de uma forma que não devia. Era muito, muito difícil e conseguia sentir a dor e o pesar das pessoas dentro de mim, percebendo que isto estava a acontecer por todo o mundo e sem saber se alguma vez as coisas voltariam ao normal.

Graças a Deus o confinamento não durou muito tempo em Aden e ao fim de dois meses acabou. Em julho a vida já tinha voltado ao normal e comecei a pensar em regressar ao Reino Unido para ver a minha família. E estava precisamente a tentar marcar o meu voo quando decretaram outro confinamento por causa da Covid, desta vez no Reino Unido.

Ainda não consegui voltar, o que me deixa triste. Mas certamente tudo isto é vontade de Deus, talvez ele tenha alguma coisa melhor pensada para mim em 2021.

Entretanto Aden continua a tentar erguer-se. A cidade foi atingida duramente na guerra de 2015. A maioria dos edifícios foram destruídos e as pessoas ficaram desempregadas e sem teto, havia mortos em todas as ruas. Tantos mortos. Já passaram seis anos e a cidade parece um homem com uma doença pulmonar crónica, ofegante e a tentar respirar como antigamente. Talvez esse momento chegue finalmente um dia e possamos todos voltar a ver o sol por detrás das nuvens.


*Etty Mahmood é uma cidadã britânica. O seu marido é iemenita e ela viaja vários meses por ano para Aden com as suas filhas para estar com ele, uma vez que ele não é cidadão britânico e não pode permanecer no Reino Unido.