A comunidade judaica do Porto recusa quaisquer "ilicitudes" na certificação de nacionalidade portuguesa a descendentes de judeus sefarditas e rejeita as acusações de "lucros milionários com o processo" de reconhecimento de cidadania.
"Para além dos muitos efeitos positivos da lei da nacionalidade, nunca houve ilicitudes da parte das comunidades judaicas certificadoras. Nenhum caso suspeito foi encontrado em sete anos de vigência da lei. E assim vai continuar", lê-se no comunicado da comunidade judaica do Porto, hoje enviado à Lusa.
Em causa está uma investigação publicada hoje pelo jornal "Público", na qual se refere que pela Comunidade Israelita do Porto (CIP) passaram já 76,5 mil pedidos de nacionalidade, um dos quais o do multimilionário russo Roman Abramovich, que motivou a abertura de um inquérito pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e outro pelo Instituto dos Registos e Notariado (IRN).
Este número, refere o jornal, representa cerca de 90% dos processos instruídos em Portugal ao abrigo da nova lei da nacionalidade e por cada processo é cobrado um emolumento de 250 euros, para além dos 250 euros da taxa da Conservatória, traduzindo-se em milhões de euros de lucros para a CIP.
Segundo o jornal, este processo é liderado pelo advogado Francisco de Almeida Garrett, sobrinho da socialista Maria de Belém, que liderou o processo de alteração da lei e que recusa ter articulado essas mudanças com o sobrinho.
Em comunicado, a comunidade judaica do Porto "lamenta o discurso de quantos, em Portugal, põem a tónica nos efeitos negativos na lei da nacionalidade, nos supostos lucros milionários das comunidades certificadoras e em tudo o que possa denegrir a lei, mesmo que baseados em denúncias anónimas, fontes anónimas, teorias da conspiração e os velhos mitos antissemitas do dinheiro e dos truques de maçonarias judaicas".
No documento, a comunidade judaica do Porto defende que os emolumentos cobrados pelas comunidades certificadoras em Portugal - para além da CIP, esse processo está também autorizado à Comunidade Israelita de Lisboa (CIL) - "são os mesmos emolumentos cobrados quer pela Conservatória de Portugal, que ninguém acusa de lucros milionários, quer pelas comunidades certificadoras de todo o mundo nos casos de certificações com vista à migração dos certificandos para Israel".
A comunidade judaica do Porto refere que as receitas das comunidades são usadas para promover a cultura e religião judaicas e a filantropia social e acrescenta que "sempre dispensou do pagamento de emolumentos todos quantos são parentes de membros da comunidade e quantos estão desempregados, ou são estudantes, ou não tenham condições financeiras, e outros motivos".
"Em sete anos (março de 2015 a janeiro de 2022) o Estado português concedeu a cidadania portuguesa a 56.685 descendentes de judeus sefarditas. A lei é destinada a mais de um milhão de pessoas, contando apenas as famílias tradicionais das comunidades sefarditas do norte da África e do antigo Império Otomano. Cerca de 5% deste número obtiveram a cidadania, e pouco mais de 7.000 judeus já residem em Portugal", refere o comunicado.
A comunidade judaica do Porto "inclui cerca de 700 judeus originários de mais de trinta países e reúne à volta da mesma mesa todos os padrões e graus de observância do judaísmo", adianta.
Também de acordo com dados do Instituto dos Registos e Notariado (IRN) e do Ministério da Justiça Portugal já atribuiu a cidadania portuguesa a 56.685 descendentes de judeus sefarditas, tendo recusado 300 pedidos de naturalização entre 2015 e 2021. .
De acordo com as informações enviadas à Lusa na semana passada, entre 01 de março de 2015 e 31 de dezembro de 2021, "deram entrada nos serviços do IRN 137.087 pedidos de aquisição da nacionalidade portuguesa" ao abrigo da Lei da Nacionalidade para os judeus sefarditas, que foram expulsos da Península Ibérica durante a inquisição, no século XV.
Segundo os dados registados no final do último ano, restam 80.102 pedidos pendentes.
Questionados pela Lusa sobre o rigor do processo de fiscalização dos pedidos de naturalização dos judeus sefarditas, na sequência das críticas suscitadas à concessão da nacionalidade ao multimilionário russo Roman Abramovich em 2021, o IRN e o Ministério da Justiça explicaram que "a regularidade formal e substantiva dos documentos apresentados e necessários à instrução do processo" passa pelo conservador de registos.
"O requisito da tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa é atestado por uma comunidade judaica com estatuto de pessoa coletiva religiosa, radicada em Portugal, nos termos da lei. Não obstante, este e os demais documentos que instruem cada um destes processos são objeto de um rigoroso escrutínio formal e legal a cargo do conservador de registos, que, no final, emite o respetivo parecer", sustentam.
O IRN e a tutela rejeitam a existência de "situações anómalas" neste âmbito, argumentando que os processos seguem "idêntica tramitação", nos quais é obrigatório prova documental da descendência de judeu sefardita "certificada pelas entidades legalmente" autorizadas.
A informação da naturalização do multimilionário russo foi revelada no final de 2021 pelo jornal Público, que adiantou que o processo demorou apenas seis meses. De acordo com o diário, ao abrigo da Lei da Nacionalidade para os judeus sefarditas, Roman Abramovich é português desde o passado dia 30 de abril.