Identificar novas formas de exploração e partilhar ações no combate ao tráfico são algumas das questões que levam a reunir, em Fátima, entre outros parceiros, congregações religiosas, o Observatório de Tráfico de Seres Humanos e a Comissão de Apoio às Vítimas do Tráfico de Pessoas (CAVITP).
A Rede Europeia de Religiosas contra o Tráfico e Exploração realiza de 13 a 19 deste mês a sua assembleia geral, que acontece de quatro em quatro anos, para partilhar experiências à escala europeia e definir estratégias para combater um fenómeno que, em Portugal, está a crescer.
“Sim, está a crescer, apesar de nunca se poder afirmar com toda a certeza estas coisas, pois trata-se de uma realidade envolta em obscuridade”, afirma à Renascença, a irmã Maria Júlia Bacelar, da CAVITP.
A religiosa refere-se aos números oficiais que existem e que não espelham a dimensão deste fenómeno que, em Portugal, abrange sobretudo os homens.
“São maioritariamente os homens que são vítimas de exploração laboral, como por exemplo, os casos que têm surgido no Alentejo, na agricultura, mas também na construção civil”, refere.
“Mais recentemente, deparamo-nos com casos de homens e de rapazes novos que andam pelas ruas, com caixas às costas e que percebemos logo pelos seus rostos que são asiáticos. É uma situação muito estranha, muito obscura, muito escorregadia e temo que comecemos a ver isto como se fosse uma coisa normal e não é, pois é um crime”, sublinha a irmã Júlia Bacelar.
Com um trabalho reconhecido junto de vítimas de violência doméstica e não só, a religiosa que trabalha com equipas no terreno, reconhece que também há mulheres cercadas por estas redes de exploração, ainda que em menor escala.
“Verificamos que a exploração acontece ao nível do serviço doméstico, mas não se consegue, verdadeiramente, identificar esse problema, uma vez que elas não falam, não sabemos que contrato é que têm, os seus horários, nem o vencimento que auferem”, relata, à Renascença.
Mas, há também, prossegue, “as mulheres vítimas de exploração sexual, cuja realidade mudou completamente o rosto. Anteriormente, tínhamos as casas de alterne, agora encontramos mais mulheres em apartamentos ou em estradas secundárias, como acontece na região Centro do país”.
Maria Júlia Bacelar lamenta que haja ainda muito por fazer, nomeadamente ao nível da fiscalização por parte das autoridades competentes e alerta para a necessidade da prevenção e da consciencialização da própria sociedade para este problema. Ninguém pode ficar indiferente, nem mesmo a Igreja.
“A Igreja pode atuar na prevenção, por exemplo através dos grupos de jovens, nas catequeses ou nas escolas. A Igreja tem um papel muito importante a fazer em termos de sensibilização, criar consciência nas pessoas, para que isto não acabe por ser um problema que começamos a ver como sendo natural”, acentua, alertando para o crescimento deste crime.
“Penso que é um fenómeno que não vai acabar nos próximos anos, pois cada vez está mais sofisticado e obscuro, as redes trabalham com mais meios, a pobreza está a crescer, as pessoas estão muito mais vulneráveis e isto para os traficantes é uma maravilha, não é? Aproveitam-se desta vulnerabilidade que as pessoas têm e para a exploração laboral e sexual é um campo que está aberto”, argumenta, Maria Júlia Bacelar, que vai participar na assembleia geral da Rede Europeia de Religiosas contra o Tráfico e Exploração.
Reúne em Fátima de 13 a 19 deste mês com o tema “Juntos para 2030 – Acabar com o Tráfico – Em Movimento – Realizando o sonho – Um Mundo Livre de Escravidão”.
Alentejo é a região com mais sinalizações
Até 18 de outubro deste ano, Dia Europeu de Combate ao Tráfico de Seres Humanos, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) tinha sinalizado 20 vítimas de tráfico de seres humanos, em Portugal, para exploração agrícola e futebol.Bottom of Form
Em 2021, o SEF sinalizou 54 vítimas de tráfico de seres humanos, sendo a maior parte para exploração laboral.
Segundo a agência Lusa, o Observatório do Tráfico de Seres Humanos (OTSH), que dispõe das sinalizações de todos os órgãos de polícia criminal, referiu que os dados sobre 2022 ainda estão a ser apurados, sabendo-se desde já que o Alentejo é a região do país como mais sinalizações de presumíveis vítimas e, simultaneamente, com mais vítimas confirmadas pelas autoridades.
De acordo com o OTSH, esta expressividade de sinalizações está relacionada com a exploração laboral no setor da agricultura e em determinadas situações, uma só investigação pode sinalizar um número elevado de presumíveis vítimas.
O OTSH indica ainda que a tendência observada é que Portugal é, principalmente, um país de destino, ou seja, as presumíveis vítimas de nacionalidade estrangeira são recrutadas ou no país da sua nacionalidade ou em outros países onde se encontram a residir e, posteriormente traficadas ou exploradas em Portugal.
O Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) de 2021 indica que os casos de sinalização de tráfico de seres humanos em Portugal aumentaram 38,9% no ano passado em relação a 2020, tendo sido identificados 318 situações, contra as 229 de 2020.
A maioria dos casos sinalizados em 2021 eram homens e tinha como fim a exploração laboral.