“Joana Marques Vidal sai com grande prestígio, com um grande capital político. Vamos ver se não terá outros planos, outras intenções. Eu veria com muito bons olhos a entrada, por exemplo, na vida política, porque acho que precisamos de renovar, e muito, os partidos. Joana Marques Vidal seria um grande ativo num projeto político, reformista e renovador”, defende Nuno Garoupa no Conversas Cruzadas deste domingo.
Uma espécie de 'António Di Pietro ‘à portuguesa'? “Sim. Exatamente. Ficam aqui os meus desejos de que isso possa acontecer”, acentua o professor da George Mason University Scalia Law do estado da Virginia, Estados Unidos, não recusando paralelismos com a figura do ex-magistrado do Ministério Público italiano que, depois de simbolizar e encabeçar a luta anti-corrupção – fundou o partido “Itália dos valores”.
“Do ponto de vista egoísta próprio Joana Marques Vidal sai com um capital político enorme e, daqui a tempos, pode dizer isto não deu resultados, mas a culpa não foi minha. Acho que do ponto de vista pessoal dela, sai na melhor situação possível para poder desempenhar um papel importante no futuro de Portugal noutras funções. Eu espero que ela venha a desempenhar essas funções. Já fui acusado por vários comentadores de esquerda de ser "um fan da Joaninha" e como "fan da Joaninha" espero que a Dra. Joana Marques Vidal venha a desempenhar outro papel e outras funções em breve”, insiste Nuno Garoupa, especialista de referência na relação entre economia e justiça.
E em que projeto a magistrada poderia ser um Di Pietro ‘à portuguesa’? “Não sei em que projeto”, responde Nuno Garoupa. “Acho que há muitas condições para haver novos projetos. Tudo isto é um reflexo de uma enorme ebulição à direita. A direita está sem norte. A direita está numa crise profundíssima e depois de 2019 - haverá duas eleições complicadíssimas para a direita - deverão surgir novos projetos políticos dentro, fora, durante e em combinação com os atuais partidos, não sei, e aí a Dra. Joana Marques Vidal pode ter um papel importante”, resume o antigo presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Quanto à próxima Procuradora Geral da República, Nuno Garoupa antecipa uma ‘herança pesada’ para Lucília Gago. “A próxima procuradora vai ter um mandato muito mais complexo que o anterior. Porque se - daqui a seis anos - no final do mandato continuamos cheios de inquéritos mas sem condenados, as coisas começam a ter outras interpretações. A nova procuradora tem dois desafios muito complexos: as limitações impostas pelo próprio processo que levou à sua escolha - e a partidarização e politização de todo o processo - e o outro o de não basta abrir novos inquéritos”, alerta Nuno Garoupa.
“Vamos ter de começar a ter resultados ao nível de condenados pelo menos em primeira instância. Já não digo "transitados em julgado" porque recordo sempre o caso de Armando Vara condenado em todas as instâncias, mas ainda não ingressou em prisão, porque, perdoem-me aqui porque já fui corrigido por vários juristas, 'não é um recurso é uma solicitação de nulidade ao plenário do Tribunal Constitucional, portanto não é um recurso... é uma coisa totalmente distinta de um recurso”, conclui Nuno Garoupa num registo com evidentes tons sarcásticos.
Luís Aguiar-Conraria. “A pressão absurda para a continuidade de Joana Marques Vidal foi um tiro nos pés”
A recondução de Joana Marques Vidal nunca esteve em cima da mesa. É a conclusão que resulta das posições de Presidente e Primeiro-Ministro assentes no mesmo argumento: o procurador geral da República deve cumprir mandato único. De resto a própria magistrada Joana Marques Vidal também afirmou nunca ter sido sondada nesse sentido. A verdade é que a decisão gerou expressiva contestação à direita em sectores que sempre foram favoráveis à recondução. Os argumentos usados por Pedro Passos Coelho no Observador foram partilhados por vários analistas que relacionaram tacitamente a saída com as investigações feitas nos últimos anos.
Luís Aguiar-Conraria identifica uma tentativa de partidarização da recondução da procuradora-geral que, em última análise, prejudicou o quadro em que a sua continuidade seria admissível. “A determinada altura a direita portuguesa - e mesmo nós aqui no Conversas Cruzadas - disse que em função do bom mandato era bom em nome da independência da justiça que Joana Marques Vidal fosse convidada a renovar o mandato”, sustenta o professor da Universidade do Minho.
“Mas a partir do momento em que, no último mês, passou a haver uma pressão absurda para a sua continuidade a verdade é que foram tiros nos pés. Joana Marques Vidal deixou de ser vista como independente. A pressão da direita era tão forte que a tornaram a sua candidata. Joana Marques Vidal deixou de ser uma candidata independente para passar a ser a candidata da direita. Se ela fosse nomeada ia ser visto como uma vitória dos passistas, ou da PAF. Portanto minaram-lhe a independência”, conclui Luís Aguiar-Conraria.
Nuno Botelho: “Não concordo que Joana Marques Vidal fosse a candidata da direita, mas foi o PS a não permitir a recondução”
Se o PS nunca admitiu a recondução de Joana Marques Vidal, à sua esquerda BE e PCP nunca se envolveram na discussão, mas o jurista Nuno Botelho defende que os partidos perderam uma boa oportunidade de se credibilizarem junto do eleitorado. “Discordo de Luis Aguiar Concaria em dizer que Marques Vidal era a candidata da direita. Os partidos poderiam ter aproveitado o facto da Dra. Joana Marques Vidal ter boa opinião pública e boa opinião publicada para projetarem uma imagem de credibilidade e de seriedade junto do eleitorado”, sustenta o presidente da influente Associação Comercial do Porto.
“Para a rua, para o cidadão-comum, a ideia que passa é a de que 'ela mexeu com gente da alta, banca, política, empresários, futebol, angolanos e… toca a ser afastada. E agora vão pôr outra senhora de quem vão fazer gato e sapato'. Não estou a dizer que vão fazer, mas sim que entra o estigma à volta da nova procuradora: o 'foi nomeada porquê? para quê?'”, afirma Nuno Botelho.
“Este processo teria sido uma boa oportunidade para os partidos aparecerem aos olhos da opinião pública a dizer: 'esta senhora, de facto, fez um bom mandato, não há motivos para a não reconduzir, nada na Constituição o diz, vai continuar'. Não acredito que o presidente da república tenha tido mão na não recondução. Foi o PS que não pretendia a recondução”, diz o jurista e empresário.
“Não concordo que Joana Marques Vidal fosse a candidata da direita. Acho que ela seria a candidata normal dos partidos que querem acabar com a corrupção e têm isso como bandeira. Não estou a dizer que são a favor da corrupção, mas na política tudo o que parece é. Desse ponto de vista devíamos ter cuidado com a forma como o processo foi conduzido”, indica o jurista.
“Quando falo de partidos falo dos dois principais, PS e PSD, principalmente António Costa, perderam aqui uma oportunidade de aparecer de forma regenerada ao eleitorado. Daí a oportunidade de Passos Coelho ao aparecer, de forma astuta, com um artigo a rentabilizar politicamente o momento”, remata Nuno Botelho.