O fiscalista Rogério Fernandes Ferreira entende que a margem para baixar o IRS nos baixos rendimentos devia ser aplicada para "mexer nas tabelas de retenção na fonte", reduzindo os reembolsos, que são "empréstimos forçados" dos contribuintes ao Estado.
Em entrevista à agência Lusa, o antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais começou por dizer que "200 milhões de euros [valor que o Governo tem para aliviar a carga fiscal dos baixos rendimentos] é uma margem, de facto, muito curta", sobretudo tendo em conta que a receita do IRS "anda à volta dos 12 mil milhões de euros".
O fiscalista defende que "havia outras vias" de usar esta folga, que não a criação de um novo escalão no intervalo de rendimentos que actualmente corresponde ao segundo (dos 7.091 aos 20.261 euros anuais brutos), como o executivo já disse que está a estudar para o próximo ano.
"Preferiria uma solução - que é muito menos vistosa do ponto de vista político e se calhar do ponto de vista dos partidos mais de esquerda, mas muito mais consensual para os partidos de centro e de direita - que era mexer nas tabelas de retenção na fonte", avançou.
É que as tabelas de retenção na fonte actuais dão origem a montantes elevados de reembolsos aos contribuintes no momento da liquidação do imposto, que o advogado considera serem "verdadeiros empréstimos forçados".
Uma receita temporária
"O Estado financia-se através de empréstimos forçados mercê de uma tabela de retenção na fonte que não tem tido capacidade de se adaptar ao imposto que efectivamente é devido pelo contribuinte", advogou o fiscalista, defendendo que, "se há esta margem [no IRS], então que se aproveite para definitivamente se dar um sinal".
Fernandes Ferreira reitera que "isto não altera o nível de receita" porque, na prática, os reembolsos são "uma questão temporária" do ponto de vista do Estado porque é receita que arrecada antecipadamente mas que depois devolve.
Assim, se as tabelas fossem actualizadas para aproximar o valor pago a título de retenção na fonte do imposto final devido, "o contribuinte não recebe [reembolsos] para o ano, mas no ano zero paga menos".
O antigo governante reconhece que uma medida desta natureza "teria menos impacto" a nível político, mas recorda que o país "ainda tem défice orçamental", o que o leva até a questionar sobre se faz sentido ou não baixar impostos. "Não se devem fazer reformas estruturais nos orçamentos" e "não se aconselha a que se mexa nesta matéria sem uma enorme reflexão e sem uma enorme ponderação".
"Não vejo que [esta reflexão] possa acontecer durante a discussão do Orçamento do Estado. Temo que as maiorias políticas que vão ser necessárias façam com que as soluções encontradas não sejam as melhores e, por outro lado, preferiria que estes tipos de alterações fossem o mais consensualizadas possível e que não fossem só de dois ou três partidos", acrescentou.
O alívio da carga fiscal no IRS para os baixos rendimentos é uma das medidas que o Governo vai negociar com os partidos que o suportam no parlamento e incluir na proposta de Orçamento do Estado para 2018 (OE2018), que deverá chegar à Assembleia da República até 15 de Outubro.
Novo escalão beneficia rendimentos superiores
Uma das promessas do Governo era aliviar a carga fiscal dos rendimentos mais baixos, uma intenção que consta do programa do Governo, de 2015, e cujo montante foi calculado no Programa de Estabilidade, apresentado em Abril, em 200 milhões de euros em 2018, sendo que tanto o ministro das Finanças como o primeiro-ministro já afirmaram publicamente que o objectivo é desenhar uma medida direccionada aos contribuintes do segundo escalão (com rendimentos entre os 7.091 e os 20.261 euros anuais).
Segundo Manuel Faustino, o primeiro director dos serviços do IRS do Fisco, uma alteração desta natureza beneficia os contribuintes do novo escalão, mas também todos os que estiverem nos níveis superiores "até ao final da montanha".
Isto porque o IRS "é um imposto progressivo" e, portanto, "toda a matéria colectável que se situar no novo escalão vai ser tributada à nova taxa e isso vai reflectir-se nas chamadas taxas médias, que vão necessariamente ter de repercutir esse efeito".
Um exemplo: se se criar um novo escalão para que, até 15 mil euros de rendimento bruto, a taxa de tributação seja de 20%, isto fará com que os primeiros 15 mil euros de matéria colectável de todos os contribuintes que aufiram pelo menos aquele rendimento anual, incluindo os do patamar mais alto de rendimentos, passem a ser tributados a 20% em vez de a 28,5%, como actualmente acontece.
O fiscalista deixa ainda uma sugestão para, por um lado, criar mais justiça no imposto e, por outro, captar mais receita fiscal através de uma gestão mais eficiente das deduções: é que aos contribuintes com rendimentos prediais que não optem pelo englobamento das rendas nos rendimentos totais seja "imputado proporcionalmente" nas deduções do rendimento do trabalho o valor das rendas.