Na propriedade da família dos irmãos Piedade e João Maria, na freguesia de Salvada, no concelho de Beja, este ano, optou-se por semear mais cereais, além de várias outras culturas. Não foi uma decisão fácil, atendendo ao aumento dos custos de produção.
“Os custos aumentaram bastante”, refere à Renascença, João Maria, adiantando que foi necessário “fazer bem as contas”, por causa do “brutal” aumento “da água, eletricidade e dos adubos”.
Apesar de tudo, valeu a pena o risco. Nesta propriedade, com 300 hectares, a cultura dos cereais ocupa metade, cerca de 150 hectares.
“Só encontramos campos como este, graças ao regadio, pois o ano foi muito difícil para os agricultores por causa da falta de chuva e, aqui, conseguimos, através da conjugação de vários fatores, obter uma produção de qualidade”, refere, André Soares, técnico da Cooperativa Agrícola de Beja e Brinches que apoia mais de dois mil associados, em diferentes zonas do distrito de Beja.
“Esta seara de trigo duro”, aponta, “foi semeada em 18 de janeiro e a perspetiva de produção anda à volta dos cinco a seis mil quilos”, esclarece o profissional.
A cooperativa agrícola promoveu esta segunda-feira uma visita ao terreno, em parceria com o Clube Português dos Cereais de Qualidade, com passagem por vários campos de trigo e cevadas, e campos de ensaio de sequeiro e regadio.
Na dianteira da comitiva automóvel, a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, ao lado do antigo dirigente da ANPOC, a associação nacional que representa os produtores de cereais, ouviu de Carpinteiro Albino, preocupações e dúvidas que permanecem no horizonte dos agricultores num tempo de muitas incertezas.
“Estamos numa altura crucial e o Governo tem a faca e o queijo na mão, ou quer cereais ou não quer cereais. O país precisa de cereais produzidos em Portugal e, para isso, tem que haver vontade dos governantes para implementar medidas, no imediato, pois daqui a meses, 2023 é já daqui a pouco, temos de saber o que podemos semear”, alegou Carpinteiro Albino, hoje em dia, mais ligado ao Clube Português dos Cereais de Qualidade, que ajudou a fundar há 23 anos.
Maria do Céu Antunes não deixou o agricultor sem resposta e recordou, numa altura em que se fala muito de soberania alimentar, a necessidade “garantir a autonomia estratégica”, não só de Portugal, mas acima de tudo da Europa.
“A União Europeia apenas produz 40% dos cereais que consome e, quando olhamos para Portugal, o país apenas produz 18% dos cereais que consome. Não existe autonomia, e do ponto de vista da politica publica, temos que introduzir melhorias para criar condições para aumentar essa autonomia e não ficarmos reféns, como agora nos sentimos, ao importarmos, por exemplo, 40% do milho a partir da Ucrânia”, afirmou a ministra.
A governante fez questão de salientar que o abastecimento em Portugal não está comprometido por causa da crise dos cereais, ainda assim fez questão de sublinhar que Portugal está a trabalhar, em consonância com a União Europeia, para que o país passe a produzir 38% do que consome em vez dos atuais 18%.
“Estamos a trabalhar para aumentar o nosso nível de autoaprovisionamento. Não seremos autossuficientes, mas queremos trabalhar com o setor, para aumentar a nossa autonomia estratégica e isso significa chegarmos a cerca de 38%”, sublinhou.
Para esse efeito, o Governo está a preparar uma medida, neste momento em aprovação em Bruxelas, no âmbito do Plano Estratégico da PAC (Politica Agrícola, Comum) a implementar a partir de janeiro de 2023, que se destina a apoiar financeiramente os produtores de cereais, para que a competitividade e a produtividade possam estar garantidas.
“Apresentamos às confederações de agricultores, medidas para o setor, por exemplo, um apoio financeiro de 37 euros por hectare para os cereais de regadio, e de 15 euros para os cereais de sequeiro”, adiantou.
“Com isto, queremos garantir que o impacto que esta crise, que decorre do aumento dos custos de produção e que aqui tem a ver com a energia, mas também com os fertilizantes e com as próprias sementes utilizadas, possam ser minimizadas e este setor possa continuar a produzir, usufruindo já no próximo ano deste plano estratégico “, acrescentou.
Medidas que agradam aos produtores de cereais, dispostos a apostar no aumento da eficiência e da tecnologia aplicada, por via dos incentivos que vão chegar.
“Este incentivo da Politica Agrícola Comum dá uma espécie de um seguro ao produtor, pois este quando semear tem a garantia, pelo menos, de ter aquele rendimento, por isso, acreditamos que a meta dos 20% para os cereais praganosos será possível, não só com a ajuda ligada, mas também com as outras medidas que estão protagonizadas na estratégia, e são 17, como por exemplo, ser mais fácil construir charcas e barragens, podendo a produtividade pode duplicar”, referiu à Renascença, o presidente da ANPOC, José Palha.
Nesta visita de campo, Maria do Céu lembrou que Portugal, pela sua dimensão, não consegue produzir em grande quantidade, mas o que produz é “de excelente qualidade”, daí que seja este o fator que “nos diferencia nacional e internacionalmente”.
“Vamos continuar a investir”, afiançou, e a “consumir o que é português, pois temos produtos de excelência”.