Mais de um milhão de pedidos de asilo na Europa e apenas 0,1% em Portugal
05-07-2017 - 09:15
 • Catarina Santos

Houve quem esperasse vários meses por uma primeira entrevista, revela relatório do Gabinete Europeu de Apoio ao Asilo. No entanto, respostas de primeira instância aumentaram 84% e quase 700 mil foram positivas. Portugal reconheceu estatuto de refugiado a menos de 20% dos casos analisados

De 2015 para 2016, os pedidos de protecção internacional na União Europeia (UE) baixaram em 7%, mas os números continuam muito altos. No ano passado, o Gabinete Europeu de Apoio ao Asilo (EASO, na sigla em inglês) registou quase 1,3 milhões de pedidos, feitos nos estados-membros e na Noruega, Suíça, Islândia e Liechtenstein. Esta soma representa perto de 2.500 pedidos por cada milhão de habitantes da UE.

A maioria dos pedidos de asilo no conjunto de países analisados foi feita por cidadãos da Síria, Afeganistão, Iraque, Paquistão e Nigéria. Quanto aos destinos, cinco países europeus receberam 81% dos processos: Alemanha, Itália, França, Grécia e Áustria.

Destes pedidos, mais de 65 mil foram feitos por menores não acompanhados (mais de um terço são afegãos). Os números são elevados, mas são ainda assim menos 37% do que em 2015.

O conflito na Síria continua a ser um dos maiores motivos para alguém pedir protecção internacional na UE, mas há mudanças. Se em 2016 os sírios apresentavam 26% dos casos, nos primeiros quatro meses de 2017 os afegãos, nigerianos e iraquianos somam-se aos sírios para comporem um terço dos pedidos feitos.

Portugal atribuiu estatuto de refugiado a menos de 20% dos requerentes

Portugal recebeu um total de 1460 pedidos de protecção internacional em 2016 – mais 63% que no ano anterior –, o que representa 0,1% dos pedidos totais a nível europeu.

Foram tomadas por cá 590 decisões de primeira instância, das quais pouco mais de 50% foram positivas. O estatuto de refugiado foi atribuído a menos de 20% dos casos (105) e os restantes resultados positivos obtiveram o estatuto de protecção subsidiária (215).

Convém sublinhar que nestas contas entram todos os pedidos de protecção internacional recebidos por cada país – e não apenas dos migrantes que atravessam o Mediterrâneo. A Alemanha tem uma taxa de reconhecimento dos pedidos de 69%, mas a maioria dos casos que lhe chegam são de cidadãos sírios, que muito dificilmente vêem os seus pedidos recusados. Portugal recebe casos de muitos países que não seguem a rota do Mediterrâneo (como a Guiné ou a Ucrânia) e cuja taxa de aprovação de pedidos de asilo, a nível internacional, é bem mais baixa.

Portugal recusou 270 pedidos de asilo em primeira instância e 185 em segunda instância, sendo o maior grupo de visados, em ambos os casos, de origem guineense (13% no primeiro e 14% no segundo).

Atrasos nos registos: meses à espera da primeira entrevista

No fim de Maio deste ano, nos países analisados, havia 595 mil pedidos à espera de uma resposta de primeira instância e 59% destes casos estavam pendentes há mais de seis meses (o que viola as recomendações europeias, desenhadas para situações de afluxo normal de migrantes).

Mais de um milhão de migrantes e refugiados atravessaram as fronteiras externas da UE em 2015 e estes números baixaram para quase metade em 2016, em grande medida por causa do acordo com a Turquia que diminuiu substancialmente o número de travessias pelo mar Egeu.

Mas se em 2015 a maioria dos pedidos de asilo era feita por pessoas que tinham acabado de chegar à UE, em 2016 os países europeus continuaram a lidar com o registo de pessoas que já estavam em território europeu e esperavam há meses por uma primeira oportunidade de apresentar um pedido formal. Isto deveu-se sobretudo às dificuldades dos países para adaptar as suas capacidades de resposta perante um número tão elevado de chegadas.

No final de 2016, mais de um milhão de requerentes de asilo aguardavam uma resposta – mais 7% do que em 2015 e mais do dobro dos números registados em Dezembro de 2014. A larga maioria dos casos pendentes foi reportada na Alemanha (53%), seguida de Itália (9%).

Recursos de decisões têm poucas hipóteses de sucesso

O volume inédito de pedidos de asilo nos últimos dois anos teve, ainda assim, um efeito significativo na resposta: em 2016, os países analisados emitiram mais 84% de decisões de primeira instância do que em 2015. Num total de 1,15 milhões de decisões, quase 700 mil foram positivas: 55% deram direito ao estatuto de refugiado, 37% resultaram em protecção subsidiária e 8% em protecção humanitária (ver glossário no fim da notícia).

Quanto às decisões de segunda instância, subiram 21% em 2016. Houve quase 230 mil recursos submetidos depois de uma primeira decisão negativa, mas apenas 17% se converteram numa resposta positiva. Esta é, de resto, uma tendência que se mantém no conjunto de países europeus analisados, nos últimos anos: o número de recursos para uma segunda instância foi subindo ao longo dos anos, mas o número de decisões contrárias à primeira instância manteve-se sempre muito baixo.

EASO, a futura Agência Europeia para o Asilo

Em 2016, o EASO continuou a dar apoio a países como a Grécia, Itália, Chipre e Bulgária, com mais de 450 operacionais colocados nos chamados “hotspots” (os centros de primeiro registo criados nos países com maior número de chegadas de migrantes). No terreno, cabe-lhe sobretudo apoiar os serviços de imigração de cada país na aplicação das normas europeias. Tem também uma dimensão externa e em 2016 deu apoio, por exemplo, aos Balcãs e à Turquia.

A Comissão Europeia quer alargar o mandato do organismo e transformá-lo na futura Agência Europeia para o Asilo. É um dos objectivos inscritos na reforma do Sistema Europeu Comum de Asilo (CEAS, na sigla inglesa). O reforço de poderes do EASO poderá dar-lhe competências na gestão de um eventual mecanismo de recolocação permanente (depois de o regulamento de Dublin sofrer as necessárias reformas), na procura de convergência na avaliação de pedidos de asilo em toda a UE e na garantia de assistência técnica e operacional em situações de pressão desproporcionada num determinado estado-membro.

GLOSSÁRIO

Assim que um migrante submete um pedido de protecção internacional, o seu caso é considerado aberto até que haja uma decisão final – ou seja, uma decisão que já não pode ser sujeita a recurso (salvo por meios extraordinários previstos em alguns países). O tempo que o processo demora depende da natureza e complexidade do caso, mas também do sistema de asilo de cada país europeu. No final, uma das seguintes decisões pode ser obtida:

- Estatuto de refugiado: Como consagrado na Convenção de Genebra, tem direito a protecção internacional.

- Protecção subsidiária: Pode ser atribuída aos requerentes que não preencham todas as condições necessárias para beneficiar do estatuto de refugiado. Têm direitos semelhantes aos dos refugiados, como autorização de residência temporária e renovável, direito de circular livremente no interior do país de acolhimento e de viajar para fora desse país, direito de trabalhar, de acesso a educação, a alojamento, a assistência médica e psicológica, entre outros. A protecção subsidiária poderá cessar se as circunstâncias vigentes no país de origem tiverem cessado ou se tiverem alterado de tal forma que a protecção já não seja necessária.

- Protecção humanitária – Autorização de residência por razões humanitárias, com direitos que variam dependendo da legislação de cada país.

- Estatuto de protecção temporário – Previsto na legislação europeia (directiva 2001/55/EC de 20 de Julho de 2001). Define padrões mínimos para atribuição de protecção temporária no caso de um fluxo massivo de deslocados.

- Rejeição do pedido: Aplicada a casos considerados inadmissíveis ou infundados por instâncias administrativas ou judiciais.