Num encontro de autarcas do PSD, Cavaco Silva pronunciou um discurso demolidor sobre o governo do PS. Aconteceu no sábado passado, imediatamente após mais um deprimente espetáculo político na Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP, transmitido em direto por mais do que uma televisão. Esse espetáculo reforçou o desagrado de muita gente, da direita à esquerda, quanto ao atual exercício do poder político no país.
Não sei se a escolha da data para este discurso teve em conta o calendário de audições na referida Comissão Parlamentar, mas, deliberado ou não, o “timing” desse discurso foi feliz. (Declaração de interesses: entre 1987 e 1991 fui assessor no gabinete do então primeiro-ministro Cavaco Silva).
Os dirigentes do PS reagiram às críticas de Cavaco Silva em tom agressivo, acusando o antigo primeiro-ministro e Presidente da República de falta de sentido de Estado e de terem sido antidemocráticas e ofensivas as suas palavras. Por sua vez, António Costa quis desvalorizar a intervenção de Cavaco, falando de uma tentativa da direita para alimentar uma “crise artificial”, impedindo que cheguem aos portugueses os efeitos da recuperação económica. Duvido que muitos portugueses considerem artificial a crise em que se encontram.
Passados três dias desde o discurso de Cavaco Silva, suspeito que numerosos dos que o ouviram se identificam com o essencial daquilo que ele disse.
Houve quem lembrasse que Mário Soares tinha lançado críticas acerbas e nada suaves ao então primeiro-ministro Passos Coelho e também ao nessa altura Presidente Cavaco Silva (“Sr. Presidente, demita-se!”, reclamou então M. Soares). Agora, Cavaco Silva não foi tão longe.
E também ouvi e li quem, não sendo de direita, recusasse classificar de antidemocráticas as críticas de Cavaco Silva.
Claro que não tenho qualquer base científica para presumir que boa parte dos portugueses sentiu como suas as queixas de Cavaco. Mas creio não andar longe da verdade. O discurso de Cavaco Silva foi violento e por isso poderia ter suscitado uma vaga de comentários negativos e agressivos. Ora, tirando os dirigentes do PS, não foi isso que se viu.
Mas o discurso de Cavaco Silva teve uma importante segunda parte – aquela em que ele negou a ausência de uma alternativa ao atual executivo do PS e deu o seu apoio – um apoio de peso - ao líder do PSD, Luís Montenegro. Nessa matéria cabe ao PSD e ao seu líder demonstrarem, nos próximos tempos, que Cavaco Silva não se enganou na sua aposta.