Elvira Fortunato. Vai ser possível inovar e criar “cada vez mais” em Portugal
22-09-2021 - 20:27
 • Henrique Cunha

A inovação e a criação em Portugal estiveram no centro do debate no regresso do ciclo Conversas na Bolsa. A cientista Elvira Fortunato, a convidada deste mês da Associação Comercial do Porto, deu o exemplo do trabalho da Universidade Nova de Lisboa que quer “ser o melhor laboratório do mundo”.

"É evidente que é possível inovar e criar a partir de Portugal”. A cientista Elvira Fortunato, Prémio Pessoa 2020, acredita mesmo que vai ser possível inovar e criar “cada vez mais”.

Convidada da primeira edição das “Conversas na Bolsa”, depois de um longo período de suspensão por força da pandemia, a professora catedrática e vice-reitora da Universidade Nova de Lisboa veio esta quarta-feira ao Palácio da Bolsa, no Porto, para falar, em particular, “da área da eletrónica transparente que, igualmente como a área da eletrónica do papel, nos catapultou para o panorama internacional”.

“A área da eletrónica transparente é uma das áreas onde nós inovamos já há alguns anos” e onde “somos pioneiros a nível mundial nestas tecnologias”, sublinha.

Na sua conferência, Elvira Fortunato fez questão de esclarecer o que é a eletrónica transparente, porque “às vezes é mais difícil nós explicarmos coisas que não se veem ou que o nosso olho na gama do visível não vê”.

“A eletrónica transparente, basicamente, é aquilo que nós podemos colocar no mesmo material propriedades comuns ao vidro que é transparente e propriedades comuns aos metais que são excelentes condutores elétricos”, começou por explicar Elvira Fortunato.

Mais adiante a cientista aprofundou a questão: “só que estas duas propriedades, geralmente, não gostam de habitar juntas. Os vidros são isolantes, os metais são condutores. Os vidros são transparentes, os metais são opacos. Dai a magia destes materiais com que nós trabalhamos que é juntar num mesmo material duas propriedades que à partida nunca poderiam estar juntas”. “Isto é a base da eletrónica transparente”, esclareceu.

Elvira Fortunato sublinhou as preocupações da Universidade com a defesa do ambiente, lembrou que os materiais usados na criação da eletrónica transparente incluem componentes como o ZNO (Óxido de Zinco) que nos é muito útil por exemplo quando vamos à praia e “colocamos protetor solar que tem na sua composição óxido de zinco”.


Revelou que “esses materiais são usados para fazer transístores, porque à escala nano os materiais são transparentes, daí a denominação eletrónica transparente”.

A cientista destacou também outra vantagem destes materiais, que passa pela compatibilização entre desempenho e custo. “Neste caso são. Os materiais são ecologicamente corretos, como dizem os brasileiros; são mais baratos e têm um desempenho superior do ponto de vista elétrico, são materiais estáveis”.

“E ao contrário de outros materiais; mesmo de nós próprios que somos um material mais complexo, pois no nosso caso o oxigénio dá-nos vida, sem oxigénio morremos; mas também é o oxigénio que nos vai oxidando ao longo do tempo e nos mata.”

Outra das vantagens destes materiais está relacionada com a sua “fácil produção, uma vez que

as temperaturas de processamento também são baixas” e isso permite “usar materiais poliméricos - eletrónica flexível - ou mesmo papel”. “E por último são transparentes, o que para algumas aplicações pode ser uma vantagem”.

A professora diz que “nós podemos estar rodeados de vidros e colocar nestes vidros a eletrónica que não se vê”. Ou seja, “eu posso adicionar valor a vidro; o vidro continua a ser vidro e a desempenhar a sua função de vidro, de barreira, mas tem eletrónica embebida”.


Elvira Fortunato refere que “as aplicações destes materiais são muitas”, mas lembra que “a aplicação mais imediata foi nos mostradores”, que tem visibilidade em particular no computador, no telemóvel, no iPad”.

Aliás, a professora catedrática lembra que “nós estamos rodeados de mostradores” e mostrou uma fotografia da Praça de São Pedro, no Vaticano, aquando da eleição do Papa Bento XVI em 2005 e depois uma outra de 2013 quando o Conclave escolheu o Papa Francisco. As duas fotografias fazem o retrato do momento do anúncio dos eleitos, mas na de 2013 a quantidade de luz que sai dos telemóveis é imensamente maior. “Dá a sensação de serem velas, mas não, são os mostradores iluminados dos telemóveis”.

Perante uma plateia de algumas dezenas de convidados, Elvira Fortunato disse não conhecer “uma outra tecnologia que tenha demorado um espaço de tempo tão pequeno entre aquilo que se faz no laboratório e aquilo que começa a ser vendido para todos nós”.

Sublinhou a existência de “alguns estudos económicos que dizem que as taxas de crescimento desta tecnologia vão continuar a crescer nos próximos anos”, exatamente pelas vantagens mencionadas.

A professora catedrática foi pautando a sua intervenção com referências à qualidade do trabalho realizado pela Universidade e terminou com uma breve abordagem ao trabalho em equipa. Elvira Fortunato garante que “sem trabalho de equipa não se chega a lado nenhum”, e que acima de tudo é preciso “uma equipa motivada, como é a nossa”.

“Nós somos um laboratório associado; somos o laboratório associado número um em Portugal. Não queremos ser o maior laboratório do mundo, mas queremos ser o melhor laboratório do mundo”, concluiu.

Pandemia enfatiza importância do diálogo

Satisfeito com o regresso das Conversas na Bolsa estava o presidente da Associação Comercial do Porto (ACP). Nuno Botelho revelou à Renascença que “foi uma enorme emoção, uma enorme alegria ter sido possível retomar as Conversas na Bolsa”.

O presidente da ACP reconhece que “a pandemia veio de facto interromper esta iniciativa que tanta gente e de forma tão entusiástica vinha ao Palácio da Bolsa para ouvir e pensar e refletir e trocar impressões sobre muitos temas de várias áreas”.

Nuno Botelho afirma que “esta interrupção fez-nos perceber quão importante é mantermos este diálogo, esta convivência, e a importância que há em mantermos esta via aberta entre nós”.

O principal impulsionador das Conversas na Bolsa manifesta o desejo de que “no próximo mês volte a ser possível estar aqui com novos protagonistas, com novos decisores, com pessoas que nos venham dar a conhecer aquilo que pensam sobre os mais diversos assuntos”, pois “temos que começar a abrir, temos que começar a retomar a normalidade, retomar as nossas vidas, recuperar as nossas vidas”, até porque “as empresas precisam, as pessoas precisam, as famílias também precisam e de facto isto é fundamental”.