Portuguesa na Suécia. "Se isto der para o torto, piramo-nos daqui"
19-11-2024 - 11:20
 • André Rodrigues

Carla Lopo vive nos arredores de Estocolmo desde 2011. A ameaça russa sempre foi algo presente, mas, desta vez, a precisão e a linguagem mais explícita dos panfletos que estão a ser distribuídos pela população são vistos como um sinal de que algo pode acontecer. Se assim for, o regresso a Portugal é uma hipótese.

E se, um dia, a guerra vier? A pergunta está agora mais presente no quotidiano dos países nórdicos, sobretudo desde que Joe Biden anunciou que os Estados Unidos autorizam a Ucrânia a utilizar os sistemas de mísseis táticos norte-americanos para atacar a Rússia.

Em entrevista à Renascença, Carla Lopo, uma cidadã com dupla nacionalidade portuguesa e sueca vive nos arredores de Estocolmo desde 2011 e conta que “a presença da Rússia sempre foi notada na Suécia, sobretudo na ilha de Gotland, com a presença constante de submarinos russos”.

Só que, desta vez, os panfletos que estão a ser distribuídos pela população com procedimentos práticos em caso de guerra alargada ou outras emergências tornam mais presente essa ameaça, dado que, na perspetiva do Kremlin, uma concessão como a que foi anunciada pelo ainda Presidente norte-americano é vista como uma declaração de guerra à Federação Russa.

Carla Lopo diz que há na sociedade sueca “mais consciência de que os ataques podem acontecer”. Exemplo disso é o facto de haver cidadãos suecos que estão a ser, de novo, convocados pelas forças armadas do país: “o meu marido tem um amigo que foi chamado agora aos 35 anos, para uma semana de campo”.

Mas há outra preocupação, diz esta portuguesa: os filhos que “já são da opinião de que podem ser recrutados… Um tem 16 anos, o outro tem 18. Por isso, já consideram normal serem chamados para desempenhar as funções que o Estado entender”.

Linguagem mais precisa e mais explícita

Neste testemunho a partir da capital sueca, Carla Lopo conta que “a distribuição destes panfletos é algo normal na Suécia, de tempos a tempos”.

Mas agora há uma diferença. A sobrevivência imediata tornou-se uma preocupação central no esclarecimento da sociedade para o que os próximos tempos podem reservar.

A lista inclui esclarecimentos sobre “ataques com bombas, como estancar uma ferida, ter comida enlatada, que se tenha água disponível em jerricans para várias utilizações e quem os tiver que os guarde em bunkers”.

Uma das principais preocupações em situação de crise “é o facto de a maior parte dos produtos alimentares virem do estrangeiro”.

“Quando vim para cá em 2011, o supermercado local tinha muito pouca variedade de comida”, assinala.

Daí que os tempos mais próximos, com uma notória escalada da tensão no conflito russo-ucraniano “assustem um pouco mais”.

Carla vive nos arredores de Estocolmo com o marido e três filhos, “numa vivenda sem bunker, mas tenho um no prédio mesmo atrás”.

Com o inverno à porta, outra preocupação é o aquecimento, “porque o nosso aquecimento é todo elétrico. Por isso, em caso de corte de energia elétrica, a questão é como aquecer uma casa”.

“Um tanque de combustível e piramo-nos daqui”

A pergunta repete-se: e se a guerra vier?

A resposta é pronta e pragmática: “Quando começou a guerra na Ucrânia, o meu marido disse que temos sempre de ter um tanque de combustível, porque se isto der para o torto, piramo-nos daqui”.

Depois, Carla pensa duas vezes: “nós não queremos desertar, porque somos todos portugueses, mas temos dupla nacionalidade. Mas os meus filhos nunca foram à tropa… O meu marido nunca foi à tropa em Portugal… a minha filha e eu, muito menos. Não ficamos cá a fazer nada”, remata.