A relação entre o Livre e a sua deputada única Joacine Katar Moreira pode chegar ao fim, este fim de semana, no IX congresso, em Lisboa. Vai ser votada uma resolução da assembleia do partido e uma moção de militantes a pedirem a retirada da confiança política. Vamos recuar na fita do tempo para perceber como chegámos até aqui.
A noite de 6 de outubro de 2019 foi de festa para o Livre. Os resultados das eleições legislativas foram conhecidos e – surpresa para muitos – Joacine Katar Moreira consegue ser eleita. Pela primeira vez, o partido de esquerda, cujo o rosto mais conhecido é o eurodeputado Rui Tavares, consegue eleger um deputado à Assembleia da República.
Licenciada em História Moderna e Contemporânea, com um mestrado em Estudos do Desenvolvimento e um doutoramento em Estudos Africanos, Joacine chegou ao Parlamento decidida a enfrentar as suas dificuldades de comunicação. Desde logo, assegurou que iria manter-se em funções como deputada e que "a mensagem irá ser compreendida", apesar das apreciações negativas às suas primeiras prestações no hemiciclo devido à profunda gaguez.
Primeiro ato. Voto sobre Gaza
O primeiro choque entre a deputada e a direção do partido aconteceu no final de novembro, quando a deputada se absteve num voto de condenação pela "nova agressão israelita a Gaza".
O Livre manifestou preocupação com a abstenção, alegando que o voto está "em contrassenso" com o programa e as posições do partido, que são pró-palestinianas.
A deputada garantiu que a abstenção no voto sobre a Palestina não se deveu a "um descaso desta grave situação", mas "à dificuldade de comunicação" com a direção, mostrando-se surpreendida com a posição do partido.
Admite que “votou contra si própria”.
A direção do Livre assegura que nunca foi pedido pelo gabinete de Joacine Katar Moreira qualquer apoio específico no voto sobre a Palestina e que a deputada e assessores foram avisados antes de emitir o comunicado.
O fundador do Livre comenta o caso. Rui Tavares partilha a perplexidade com que muitos têm visto a polémica do voto da deputada sobre Gaza, prometendo o regresso à trilha de um "partido sério e empenhado nos verdadeiros temas”.
Em declarações ao "Observador", Joacine chega a afirmar que ganhou as eleições sozinha e que a direção quer ensiná-la a ser política.
A Assembleia do Livre, órgão máximo entre congressos, assume "dificuldades de comunicação", mas garante que foi feito trabalho "em conjunto para as resolver", sublinhando que o partido "continua unido e focado em torno do seu programa político e eleitoral".
A 10 de dezembro, caso encerrado. O Livre decide não aplicar qualquer sanção disciplinar à sua deputada, mas lamentou as declarações públicas de Joacine.
Segundo ato. Lei da Nacionalidade
A 26 de novembro, a deputada do Livre entrega um projeto de lei sobre a nacionalidade fora do prazo estipulado por acordo informal entre os membros da conferência de líderes.
A Mesa da Assembleia da República revela que o Parlamento não informou a deputada única do Livre sobre o "acordo de cavalheiros" estabelecido na anterior legislatura que fixa um prazo de poucos dias para entregar projetos para serem debatidos com iniciativas do mesmo tema em plenário, no âmbito do alegado atraso na entrega da proposta da Lei da Nacionalidade.
O presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, promove um consenso parlamentar e admitiu "a título excecional" que o projeto do Livre sobre a Lei da Nacionalidade seja debatido juntamente com os de BE, PCP e PAN.
Terceiro ato. Joacine escoltada no Parlamento
Em plena polémica em torno do atraso na entrega do projeto das alterações à Lei da Nacionalidade, um repórter do canal de televisão SIC, ao tentar questionar a deputada na Assembleia da República, é interpelado por um elemento da GNR, que acompanhava a deputada no interior do Parlamento, depois desta ter declarado que tinha sido anteriormente incomodada por jornalistas.
A secretaria-geral da Assembleia da República foi obrigada a esclarecer que os oficiais da guarda do palácio só podem acompanhar os deputados quando estiver em causa a sua segurança na sequência do caso da aparente "escolta" da parlamentar do Livre.
Joacine exige respeito por parte dos jornalistas, à saída da sessão plenária da Assembleia da República dedicada ao debate quinzenal com o primeiro-ministro.
"Eu acho que é necessário nós começarmos a respeitarmo-nos uns aos outros. Se vos foi avisado, antecipadamente, que eu ontem não iria dar entrevista absolutamente nenhuma, o que se espera é que haja respeito", afirmou a deputada.
Quarto ato. Voto no Orçamento do Estado
A 42ª Assembleia do Livre anuncia, a 5 de janeiro, que o partido só decidirá o sentido de voto na generalidade do Orçamento do Estado (OE) para 2020 numa nova reunião na véspera da votação, avisando que o caminho terá de ser “muito mais ambicioso” para contar com o apoio do partido.
Dias depois, o partido anuncia que esteve reunido com o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, e com o BE no âmbito do OE 2020, mas ainda sem adiantar o sentido de voto.
Joacine Katar Moreira afirma que a proposta de Orçamento é apenas de "continuidade" e apela novamente a uma ótica e objetivos orçamentais "de esquerda", no debate na Assembleia da República.
A deputada recusa revelar, previamente, o seu sentido de voto. O país só fica a conhecer a abstenção do Livre, na generalidade, na hora da votação no Parlamento.
“A recusa em declarar (pela sua voz ou do partido) o sentido de voto do Livre” no OE 2020 antes da votação na generalidade, “contra o conselho do Grupo de Contacto”, é também apontado como um erro político “evitável” por parte da deputada, refere a resolução da Assembleia do Livre, que vai ser votada no congresso deste fim de semana.