"Portugal não tem dados sobre abusos sexuais nas escolas", alerta Marta Santos Pais, antiga alta representante das Nações Unidas para a violência contra as crianças.
Em entrevista à Renascença, à margem do Estoril Political Fórum, Marta Santos Pais, que esteve na ONU entre 2009 e 2019, admite que ficou triste com os números dos abusos sexuais de menores na Igreja Católica, mas elogia o que está a ser feito pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP).
“Estamos regularmente a escutar medidas empreendidas, planeadas e antecipadas por parte da Igreja e são muito bem-vindas, mas é muito importante que a mensagem para a sociedade seja muito clara e constante. Por um lado, que não será permitido que volte a acontecer, resposta rápida e transparência na documentação dos casos que possam surgir, que as vítimas sejam apoiadas e que seja feito um esforço muito grande na formação das pessoas que trabalham em instituições religiosas”.
Lembra, no entanto, que a violência sexual também acontece nas escolas e, nesse contexto, Portugal não tem dados.
“É bom lembrar que o abuso sexual de crianças não acontece só em instituições religiosas. Infelizmente, em muitos países do mundo, a incidência é particularmente visível no seio das escolas. Em Portugal não temos dados da realidade com que nos estamos a debater. E é fundamental termos e é uma obrigação que decorre do facto de Portugal fazer parte da Convenção dos Direitos da Criança.”
Quase 2.600 crianças e jovens vítimas de crime e violência foram apoiados em 2022 pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), mais 32% do que no ano anterior.
A antiga responsável da ONU considera que pode estar relacionado com o impacto social da pandemia de Covid-19 nas famílias portuguesas.
Marta Santos Pais também alerta para os perigos que as crianças correm na internet.
“Como as crianças estavam impossibilitadas de participar em atividades no exterior, muitas vezes passavam muitas horas ligadas à internet e, infelizmente, assistimos a um aumento exponencial e profundamente preocupante de tentativas de abuso sexual através da internet, com publicações de fotografias e de vídeos de abuso sexual de crianças, que uma vez na internet multiplica–se sem fronteiras e dificilmente serão apagadas”, sublinha.