As recentes polémicas em que Marcelo Rebelo de Sousa se envolveu estiveram em debate no programa Nome da Lei, um programa da jornalista Marina Pimentel, transmitido pela Renascença.
O constitucionalista Jorge Reis Novais, o socialista Álvaro Beleza e o ex-secretário de Estado do Governo de Passos Coelho Pedro Lomba analisam os poderes do Presidente da República e a forma como Marcelo os interpreta.
Questionado sobre a deslocação do PR ao Qatar para assistir à estreia da equipa portuguesa no Mundial, o constitucionalista Jorge Reis Novais critica-a. Mas considera ainda mais grave o silêncio de Marcelo em relação aos direitos fundamentais em Portugal. Dá um exemplo bem recente, dos imigrantes vítimas de exploração laboral no Alentejo, uma "situação escandalosa, que já é conhecida há bastante tempo", e sobre a qual nem Marcelo nem António Costa se pronunciaram até à data.
"Nos últimos dias, tivemos notícias de violações claras dos direitos humanos no nosso país e não ouvimos uma palavra do Presidente da República. E também, até ver, do primeiro-ministro."
"Claro que", acrescenta o constitucionalista, "temos de estar atentos ao que se passa nas relações internacionais, e criticar quando há a criticar. Mas há também défices de atuação no plano interno. E neste caso concreto, do Presidente da República, o papel dele, se o Governo não atua, é chamar a atenção, insistir na resolução dos problemas. E não temos visto isso da parte do Presidente.”
Reis Novais não lamenta apenas o silêncio do Presidente em relação à situação dos imigrantes. O constitucionalista recorda que, durante a pandemia, Marcelo Rebelo de Sousa também nunca questionou alguns atropelos aos direitos fundamentais e à legalidade, tal como “nada disse ainda sobre a presença da extrema-direita nas forças policiais”.
O antigo consultor do Presidente Jorge Sampaio assinala contradições no comportamento do atual chefe de Estado. Ora muito próximo do Governo, ora a dar raspanetes em público a ministros, como fez recentemente à ministra da Coesão, Ana Abrunhosa.
O constitucionalista defende que, desde as últimas eleições legislativas, Marcelo dá mostras de sofrer do síndrome de irrelevância política.
"O Presidente ainda não encontrou um registo de intervenção, no quadro da maioria absoluta. E de certa forma, a meu ver, sofre de um síndrome de irrelevância, de permanecer irrelevante até ao fim do mandato, uma vez que agora o Governo tem maioria absoluta. E por isso aproveita estas ocasiões para se meter em áreas que não lhe competem."
Reis Novais destaca que, como "os ministros não respondem perante ele, respondem perante o primeiro-ministro", o Presidente, se quiser, pede contas ao PM.
"Este tipo de relacionamento não é saudável. Não foi a primeira vez que aconteceu, foi o mais ostensivo, aquela coisa da reprimenda, mas já tinha acontecido durante a pandemia, quando ele chamou a Belém a ministra da Justiça e a ministra da Saúde. Ele disse que era para as articular. Mas não cabe ao PR articular ministros!”
Embora faça estas críticas à forma como Marcelo interpreta a função presidencial, Reis Novais considera “largamente positivo o seu mandato, quando comparado com o anterior". Marcelo Rebelo de Sousa, conclui o professor de Direito Constitucional na Faculdade de Direito de Lisboa, "renovou e reabilitou a função presidencial.”
Surpreendido com o facto de depois de tantas críticas, Reis Novais ter concluído com um elogio ao Presidente, Pedro Lomba defende que temos um sistema político com enorme risco de governamentalização.
O que acontece, segundo o antigo secretário de Estado de Passos Coelho, é que o Presidente, em vez de ser o árbitro e o fiscal, reforça a governamentalização.
“Nós temos um sistema que tem um risco tremendo de governamentalização. Temos um sistema que se não for adequadamente fiscalizado, vigiado, se não tiver mecanismos de freios e contrapesos, é um sistema governamentalista. Para que é que precisa de um Presidente se o Presidente reforça a componente governamentalista do sistema? É a pergunta que eu faço em voz alta, para que é que o Presidente serve? O *residente não pode ser isto. O Presidente não pode ser um órgão que reforça aquilo que já é a perversidade do sistema.”
O dirigente socialista Álvaro Beleza concorda que há um excesso de poder executivo em Portugal. Propõe que, em sede de revisão constitucional, o problema seja atenuado. O presidente da SEDES, a Associação para o Desenvolvimento Económico e Social, diz que, em situação de maioria absoluta, tem de ser o Presidente a ter um papel de fiscalizador, o que Marcelo não tem feito.
“É uma doença do regime. Há um excesso de poder no Governo e no PM”, diz o dirigente socialista.
Álvaro Beleza garante que se fosse deputado, nunca teria votado contra a ida do PR ao Qatar, porque este país não é pior do que a Rússia, em matéria de violação dos direitos humanos, e porque a norma que obriga o PR a pedir autorização do Parlamento para sair do país é um pró-forma.
“Eu acho que o Presidente da República deve ir onde entender. E portanto se eu fosse deputado votaria, neste caso da deslocação ao Qatar, ou em qualquer outra, a favor. E depois, para não ir aqui, também não tinha ido ao Mundial da Rússia, nem ele nem nenhum governante. Porque a Rússia já era uma ditadura e uma tirania em 2018, já tinha opositores do regime presos, já tinha um ditador que manda liquidar opositores no estrangeiro, e coisas do género. Temos de ter aqui algum bom senso.”
Também Pedro Lomba e Jorge Reis Novais consideram uma formalidade a norma constitucional que obriga o Parlamento a autorizar as deslocações do Presidente da República ao estrangeiro. O constitucionalista e consultor do Presidente Sampaio considera mesmo que "a norma está obsoleta e devia ser retirada da Constituição”.
Entre os três convidados do "Em Nome da Lei" desta semana houve também consenso sobre a ideia de que os políticos em Portugal dão demasiada importância ao futebol e que só assim se justifica que o PR, o PM e o Presidente da Assembleia da República se desloquem ao Qatar, para apoiar a seleção nacional no Mundial de Futebol.