Covid-19. Economistas pedem financiamento de emergência em “grande escala”
16-03-2020 - 11:53
 • Sandra Afonso

Treze economistas de quatro universidades portuguesas apelam à rápida ação da União Europeia. Pedem "medidas drásticas" e rápidas face à pandemia provocada pelo novo coronavírus.

São 13 economistas, de várias universidades portuguesas, que assinam um manifesto onde explicam que não querem "ser os sonâmbulos do século XXI", porque “o preço de atuar hoje será muito menor do que o de atuar amanhã”. "Para sair da crise económica, temos antes de resolver a crise na saúde", defendem.

Neste apelo dirigido à União Europeia, reivindicam “um programa de emergência de larga escala", suportado por "financiamento também de larga escala". Segundo estes economistas, da Nova SBE, Universidade de Coimbra, Universidade do Minho e ISEG, “dadas as circunstâncias excecionais, o Banco Central Europeu tem de ser autorizado a financiar tal programa”.

Lembram que “o mundo vive um evento extremo que ameaça a saúde e o bem-estar económico de toda a população. Em algumas regiões, grande parte da população é obrigada a ficar em casa. O desafio é manter a produção de bens e serviços essenciais e garantir que chegam a tempo a hospitais, famílias e empresas”.

“As grandes bases de dados disponíveis têm de ser usadas para monitorizar em tempo real a evolução da economia, identificando estrangulamentos na cadeia produtiva. Tem de se apoiar os que perderão uma parte significativa do seu rendimento. Diminuir a incerteza sobre a futura solvência dos negócios é crucial para assegurar o fornecimento de bens e serviços essenciais”.

Principais medidas

Vivemos um evento extremo, que ameaça não só a saúde e o bem-estar económico de toda a população, mas também a sobrevivência da própria União Europeia e dos regimes democráticos. Segundo estes economistas, para evitar níveis de sofrimento inéditos na Europa, desde a segunda guerra mundial, a União Europeia tem de agir já.

Não é possível sair da crise sem resolver antes as questões de saúde, que restringem ou impedem a produção. Com os trabalhadores em casa, a produção pára. Com os consumidores impedidos ou sem vontade de fazerem encomendas, a produção pára.

As empresas vão ter dificuldade em cumprir os pagamentos, a fornecedores, à segurança social, aos bancos, aos trabalhadores. As famílias, com menos rendimentos, começam a ter dificuldade em pagar as contas, prestações e impostos. Este é o cenário traçado pelos economistas, mas que será real para uma grande parte da população, em apenas algumas semanas.

Esperam uma quebra da atividade económica muito maior agora, do que na última crise. O grande desafio será assegurar os bens e serviços essenciais, é preciso garantir o fornecimento dos hospitais. As decisões têm de ser tomadas no plano internacional, onde se movem as cadeias de produção e respetiva logística.

É ainda fundamental apoiar as famílias, sobretudo quem vai perder parte significativa do rendimento, e garantir financiamento às empresas, direto e indireto, por exemplo com isenção de impostos, para não agravar a crise real para níveis perigosos. Os contratos de crédito tradicionais já não são adequados.

"Um programa de emergência de larga escala requer um financiamento de emergência também de grande escala", um uma dimensão ainda impossível de prever. Os países precisam de défices temporários, estes economistas pedem correções à legislação e autorização para que o BCE financie o programa. Devem ainda ser consideradas "medidas drásticas como imprimir moeda e a criação das Eurobonds".

Agir é neste momento urgente. O preço de atuar hoje será muito menor do que o de atuar amanhã, alertam.

Leia o manifesto completo:

"A UE tem de atuar já, não só para evitar o sofrimento da sua população, mas também para se salvar a si mesma e os valores democráticos que diz defender.

A pandemia do Covid-19 é um evento extremo que pode ameaçar a sobrevivência da União Europeia e dos regimes democráticos dos seus membros. A pandemia é uma tremenda ameaça quer à saúde pública quer ao bem-estar económico de toda a população. A UE tem de atuar já para impedir que o sofrimento atinga níveis inéditos na Europa desde a Segunda Guerra Mundial bem como para salvaguardar os valores democráticos que representa.

Sob um ponto de vista económico, esta crise é peculiar porque, devido ao risco de contágio, indústrias cuja produção exija alguma proximidade física entre pessoas estão sujeitas a enormes restrições. A natureza das atuais economias descentralizadas tornam-nas extremamente vulneráveis ao completo encerramento de alguns sectores de atividade. A implicação disse é que não será possível sair da crise económica sem antes dirimir a crise na saúde.

A disrupção causada pelo vírus Covid-19 afeta a oferta e a procura simultaneamente, com efeitos de feedback negativos. O aspeto fundamental desta disrupção é a sua magnitude: obrigam-se populações inteiras de algumas regiões e de alguns países a ficar em casa. Se os trabalhadores faltam ao trabalho, as empresas não produzem; se os compradores não podem ou não querem fazer encomendas, a produção das empresas na cadeia de produção cairá. Como consequência, falhas nos pagamentos aumentarão e disseminar-se-ão pela cadeia económica e financeira. As empresas não conseguirão pagar aos fornecedores, pagar as suas dívidas e cumprir as suas obrigações fiscais ou fazer os pagamentos à Segurança Social. Se as empresas não produzem, não se gera rendimento. As famílias não conseguirão pagar as rendas, as prestações aos bancos, o saldo do cartão de crédito, a escola dos filhos, os impostos, etc. Em breve, tudo isto pode tornar-se realidade para uma fração surpreendentemente grande da economia. Por breve, queremos dizer algumas semanas, possivelmente.

Para compreender a magnitude provável da crise, repare que se a maioria das pessoas têm de estar em casa, então há uma queda abrupta no número efetivo de trabalhadores. Já acontece em alguns países e outros se seguirão. Mesmo no pico da última crise financeira internacional, a quebra no número de trabalhadores não é sequer comparável. Portanto, é de esperar uma redução na atividade económica muito mais significativa agora.

No lado real da economia, a quebra significativa do produto é inevitável dada a necessidade de as pessoas não saírem de casa. Nesta frente, o desafio é assegurar a produção de bens e serviços essenciais e garantir que chegam ao necessário destino —hospitais, famílias e empresas — a tempo. Por exemplo, a provisão de equipamentos de proteção para os que continuam a trabalhar é fulcral, tal como garantir o fornecimento de equipamentos médicos, como os kits de testes. A afetação de recursos adicionais para a investigação médica é um ponto chave e a coordenação internacional neste esforço não pode falhar.

O conhecimento profundo das ligações da cadeia de produção e da sua logística será um instrumento crucial de planeamento. Grande parte da atividade económica faz parte de cadeias de valor internacionais. Portanto, ações que pretendam assegurar o funcionamento das cadeias de produção industriais e comerciais têm de ser tomadas não apenas a nível nacional, mas também a nível europeu ou até mesmo mundial. É fundamental identificar os recursos que estão rapidamente disponíveis para responder à crise que vivemos. É também necessário avaliar a distribuição de pessoas e empresas no espectro económico e geográfico e identificar os mais afetados. Os dados disponíveis, coligidos quer pelo sector público quer privado, têm de ser recolhidos e usados para monitorizar em tempo real a evolução da economia, identificando estrangulamentos na cadeia económica que impeçam ou atrasem a produção de bens essenciais. A disponibilidade de diversas bases de dados, combinadas com instrumentos de análise de dados, são da maior importância para guiar e garantir que as políticas económicas são bem fundamentadas.

No lado nominal da economia, deve-se apoiar o rendimento dos que nas próximas semanas (ou meses) perderão uma parte significativa do seu rendimento. O apoio direto ao rendimento nominal das famílias é essencial para garantir que têm acesso aos bens essenciais.

Garantir que as empresas têm acesso a financiamento extraordinário é necessário para impedir que a crise financeira não agrave a crise da economia real e aumente ainda mais as tensões na sociedade, potencialmente para níveis perigosos. Os contratos de crédito tradicionais não são adequados: para manter a confiança e levar a que os empresários escolham manter as suas empresas abertas, o impacto destes créditos adicionais não pode ter muito peso no seu passivo. Reduzir a incerteza sobre a futura solvabilidade dos seus negócios também é essencial para garantir que o fornecimento de bens e serviços essenciais não é interrompido.

Um programa de emergência de larga escala requer um financiamento de emergência também de grande escala. Os países têm de ter a garantia de poderem ter défices temporários sem terem de enfrentar outra crise das dívidas soberanas. Para salvar o seu sistema bancário, a Irlanda teve um défice orçamental de 32% do seu PIB em 2010. Na atual crise de saúde, o governo terá de financiar trabalhadores (por exemplo, os que estão em casa sem rendimentos), financiar as empresas direta e indiretamente (não cobrando impostos, por exemplo) e, claro, tem de equipar os hospitais. É difícil de prever a dimensão das necessidades de financiamento, mas é provável que exija uma intervenção de uma magnitude extraordinária. Medidas excecionais que permitam este financiamento de emergência têm de ser possíveis, nem que para isso seja necessário fazer correções à legislação da UE. Para reduzir problemas de risco moral, esse financiamento poderá estar associado a quebras nas receitas fiscais e a um aumento das despesas diretamente relacionadas com tratamentos e contenção do vírus.

Neste contexto de enorme incerteza, acreditamos que qualquer coisa semelhante à monetização do défice (possivelmente com nome diferente) é uma parte necessária da solução. Face a circunstâncias excecionais, o Banco Central Europeu tem de ser autorizado a financiar tal programa. Uma possibilidade é que o BCE o faça na forma de empréstimos de longuíssimos prazos (mais de 50 anos) a taxas de juro muito baixas (possivelmente, zero) e, com certeza, com amortizações muito diferidas no tempo e crescentes no tempo. Medidas drásticas, como imprimir moeda para entregar a alguns sectores da população e das empresas, ou a criação das Eurobonds ou das European Safe Bonds, devem ser seriamente consideradas pelas autoridades políticas e pelo Banco Central Europeu.

Em economia as expectativas são essenciais e podem ajustar-se muito rapidamente. As autoridades públicas têm de atuar de uma forma que faça com que os agentes económicos compreendam que, apesar de vivermos tempos difíceis, a situação está sob controlo. Um programa de intervenção em grande escala que lide com o que descrevemos tem de ser anunciado o quanto antes.

A União Europeia tem de agarrar esta oportunidade para demonstrar que o bem-estar das populações são a sua prioridade. Numa união altamente integrada, respostas nacionais e descoordenadas não serão eficazes. A UE não pode esperar enquanto a crise se desenrola. Tem de anunciar uma resposta vigorosa e unida, mostrando que fará tudo o que tiver de ser feito para defender a integridade humana, social, económica e política da UE. Estes tempos são genuinamente excecionais e será muito pior se a UE não apoiar os seus estados membros nos passos decisivos para enfrentar a pandemia e mitigar as suas consequências. O preço de atuar hoje será muito menor do que o de atuar amanhã. Não queremos ser os sonâmbulos do século XXI."


Signatários

Cátia Batista (Nova SBE),

Fernando Alexandre (Universidade do Minho),

Fernando Anjos (Nova SBE),

João Cerejeira (Universidade do Minho),

José Tavares (Nova SBE),

Luís Aguiar-Conraria (Universidade do Minho),

Miguel Portela (Universidade do Minho),

Odd Straume (Universidade do Minho),

Pedro Bação (Universidade de Coimbra),

Pedro Brinca (Nova SBE),

Sandra Maximiniano (ISEG, Universidade de Lisboa),

Susana Peralta (Nova SBE),

Tiago Sequeira (Universidade de Coimbra)