Eram 18h35 quando o arcebispo Sebastian Shaw recebeu o telefonema que menos esperava.
As celebrações do Domingo de Páscoa tinham corrido bem, sem qualquer ameaça por parte dos fundamentalistas islâmicos que contestam a existência de cristãos no Paquistão. À tarde, como era hábito, centenas de cristãos da cidade de Lahore concentraram-se num parque da cidade para descontrair e conviver.
“Nunca pensámos que um bombista suicida fosse ao parque”, admite o arcebispo. Mas alguém tinha feito precisamente isso, transformando o domingo dos cristãos paquistaneses numa Sexta-feira Santa.
A primeira coisa que fez foi dirigir-se ao hospital, para onde estavam a ser conduzidas as centenas de feridos da explosão. Estes eram os que tinham tido sorte, 80 foram directos para as morgues.
“Decidi visitar todos os feridos no hospital. Visitei os três principais hospitais. Quando cheguei a um deles o superintendente pensava que eu tinha ido apenas para visitar os cristãos, mas disse-lhe que não, que estava lá para visitar todos. As vítimas são vítimas, sejam cristãos ou muçulmanos, e como humano e seguidor de Cristo, estava lá para todos”, recorda.
“Também visitámos uma muçulmana que tinha perdido cinco parentes. Fomos ter com ela e consolámo-la, mas tinham morrido cinco pessoas da sua família… O que é que se pode dizer?”
Ainda hoje pesa-lhe a dificuldade daquela missão. “Foi muito difícil consolar as pessoas. Quando cheguei à ala pediátrica havia crianças muito pequenas, gravemente feridas nas mãos, nas pernas. Estava uma senhora cujo irmão e cujo filho tinham morrido. Foi muito mau, não tínhamos palavras”.
Quando finalmente surgiram, as palavras foram de encorajamento. “Disse-lhes que Deus tinha uma missão especial para nós, por isso é que nascemos no Paquistão. Estão a passar por sofrimentos, perseguições e discriminação, mas ainda assim, Jesus diz-nos para amarmos os nossos inimigos. Temos de testemunhar o Senhor ressuscitado e fazer o que ele nos mandou fazer”.
É assim a vida em Lahore, onde vive uma das maiores comunidades cristãs de um país onde mais de 90% da população é muçulmana e os cristãos são uma pequeníssima minoria, cada vez mais odiada pelos fundamentalistas islâmicos que ganham força na sociedade.
Se nem os parques são seguros, o que dizer das escolas e das igrejas? Parecem prisões, lamenta Sebastian Shaw. “Temos de ser muito cuidadosos. O Governo disse-nos que as nossas escolas e igrejas são zonas A+, o que significa de alto risco. Então disseram que tínhamos de subir os muros. Normalmente os nossos muros tinham cerca de dois metros. Agora têm quase nove e acima disso têm ainda 50 centímetros de arame farpado. Depois, o ano passado, o Governo disse que tínhamos de instalar câmaras de vigilância e ter guardas armados à frente das escolas.”
“Dissemos que isto são escolas, não prisões! Se tornarmos as escolas assim, com guardas armados, as crianças vão ficar com medo. A escola é para as crianças correrem e brincarem, e também para estudar. Mas o Governo disse que não havia outra hipótese e nós sabemos que a segurança é importante”, afirma, resignado.
Devoção a Fátima
O arcebispo Sebastian Shaw esteve em Portugal a convite da fundação Ajuda à Igreja que Sofre, para falar da situação da Igreja no Paquistão. Durante a visita esteve também em Fátima, onde presidiu a uma missa em língua inglesa.
Mas a ligação deste bispo a Fátima já vem de longe, pelo menos desde a escola em que estudou e que se chamava precisamente “Fátima”. Sorri ao ouvir a referência e recorda que foi também membro da Legião de Maria. “Quando celebrei missa em Fátima recordei-me novamente de como ouvíamos falar da Mensagem de Fátima quando eramos crianças. Conversão, arrependimento, oração pela paz e pela conversão da Rússia. E às sextas-feiras jejuávamos, mesmo em crianças, pela Conversão da Rússia”.
“Quando lá fui voltei a rezar, mas talvez agora não seja pela conversão da Rússia, mas pela conversão de todos os grupos jihadistas. Talvez nossa Senhora nos dê uma nova mensagem, porque agora temos um problema grande em todo o mundo. Mas ainda hoje digo às crianças nas nossas escolas que Nossa Senhora os ama e cuida deles, que devem ser obedientes, rezar o terço em famílias e que Deus os protegerá.”
Sebastian Shaw comenta ainda o caso de Asia Bibi, a católica, mãe de cinco filhos que foi condenada à morte por alegada blasfémia e aguarda agora o resultado de um último recurso judicial. “Ela continua na prisão. Não sabemos o que irá acontecer, mas eu acredito que seja feita justiça. Há pessoas a rezar por todo o mundo”, explica.
Mais a longo prazo, o ideal seria mesmo alterar a lei da blasfémia, que é usada frequentemente como arma contra minorias religiosas, incluindo cristãos, mas não só. O arcebispo não acredita que a lei seja revogada, mas os seus efeitos poderão ser minorados. “Pelo menos deve haver uma forma de impedir o abuso da lei. O Governo também está a tentar isso. O ano passado houve uma reunião entre o Presidente do Paquistão e alguns líderes de comunidades minoritárias e o Presidente mostrou que estão a tentar fazer uma lei que impeça o abuso da lei da blasfémia”, afirma.