Um investimento na tecnologia, mais transparência e independência e o fim dos mega processos são algumas das sugestões deixadas por partidos e agentes da Justiça para melhorar o trabalho do Ministério Público (MP) em Portugal.
O XII Congresso do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) arranca na sexta-feira, em Vilamoura.
PS defende choque tecnológico e fim dos mega processos
Para o deputado socialista José Magalhães, a transição digital do Ministério Público (MP) é essencial. “O MP vive ainda num dia tardio do século XX e vai ter de ser alterado (…) Não faz sentido não haver comunicações seguras entre MP e os Estados-membros e a transmissão de dados funcionar sem segurança necessária”.
O antigo secretário de Estado da Justiça e da Modernização Judiciária acrescenta que o “e-justice veio para ficar e é impossível fazer funcionar mecanismos de cooperação judiciária utilizando tecnologias arcaicas”.
Aponta como problema do atual MP a desatualização tecnológica, “é um MP a papel e PDF não utiliza inteligência artificial e comunicações modernas, está sujeito a hackers nos seus sistemas, com comunicações feitas de maneira amadora, um MP com muitos generais e falta de soldados.”
O Partido Socialista considera que se continua a não ter números adequados sobre o trabalho dos procuradores, “não há um sistema digital que permita debitar números consultáveis, triáveis, trabalham a maneira antiga em califados e cada um tem os seus números e o resultado é um paupérrimo relatório que é entregue e que os deputados não apreciam. Sem boa accountability (prestação de contas) não há boa gestão.”
Na organização processual aponta o dedo aos mega processos. “Não levam a resultado nenhum, processos com durações enormes, prescrições e arquivamentos escandalosos, como foi o caso dos submarinos, péssimo trabalho não das magistradas mas da hierarquia de então e do MP alemão. Estes maus exemplos obscurecem os bons exemplos de trabalho”, sublinha José Magalhães, que diz que o MP tem muito caminho para andar mas com uma certeza: Um Ministério Público “escravizado pelo poder político seria o pesadelo e nunca acontecerá em Portugal”.
BE quer mais meios e um MP “corajoso”
Para o Bloco de Esquerda, “a questão essencial é o Ministério Público não ceder a apetites de extravasar regras do Estado de Direito, ter capacidade de produzir um trabalho de controlo da legalidade e acusação - em última análise - que não seja degradado por acusações que depois acabam por se mostrar pouco firmes e fundadas. Isso tem acontecido no passado recente”.
O bloquista Manuel Pureza considera que “deveria fazer-se de tudo para dotar o MP de capacidades para produzir um trabalho investigatório sem manchas de fragilidade que acabam por contribuir para uma imagem pouco sólida”.
Sublinha que é essencial a formação de capacidades e dotação de meios investigatórios para um desempenho correto do MP, lembrando que “a criminalidade económica é complexa e cada vez mais sofisticada e requer um trabalho cuidado dos procuradores e órgãos de polícia criminal para desempenharem corretamente as suas funções. É preciso também atenção ao crescimento dos crimes de ódio que precisam de um Ministério Público atuante e corajoso capaz de detetar precocemente estas questões”.
Transparência em nome do “escrutínio democrático”, diz PSD
Mónica Quintela, do PSD, diz que “é necessário um Ministério Público dotado de recursos humanos e um corpo de procuradores que permitam fazer investigações”, garantindo que o problema não é do quadro legislativo mas da falta de procuradores nos tribunais comuns e na área fiscal.
A transparência é eleita como o maior desafio. “Mais transparência e que deixe de ser opaco, os cidadãos têm direito a saber quantos processos estão em curso e que recursos têm, de saberem que trabalho está a ser desenvolvido e se o número de procuradores é suficiente, ou não”, recordando que em Portugal vigora o princípio da legalidade e não da oportunidade.
“Não tem nada a ver com um qualquer interesse ou tentativa de saber o que estão a investigar, mas que meios têm, a transparência é importante porque em todas as instituições democráticas têm de ser assim” e acrescenta que o partido não vê razão para o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) não ser composto por uma maioria de não magistrados. “Isso não tem influência na ação do Ministério Público, mas ajuda no escrutínio democrático.”
Entre os desafios, o PSD coloca ainda a especialização necessária a cada área, dando o exemplo do ambiente, da defesa do consumidor e do direito das pessoas menores.
PCP aposta no combate à criminalidade económica
O Partido Comunista considera que, particularmente na área da criminalidade económica e da corrupção, onde as investigações são complexas, “é importante dispor de meios humanos e perícias” para que no país não haja “espaços de impunidade”.
Elogiando o trabalho dos procuradores, o partido lembra que “não há total impunidade nos crimes de corrupção onde a atividade do MP e da Polícia Judiciária são de enaltecer a esse respeito”.
O ex-deputado António Filipe afirma que “não parece que o problema seja de novas leis, mas tendo em conta a complexidade das investigações o Ministério Público deverá ter assessoria técnica”.
A autonomia, não só no plano externo mas também interno, é destacada como sendo fundamental para a concretização de investigações livres.
“Há um problema que não é só do MP e que tem a ver com os tribunais e que se arrasta há muito, e que é a ausência de revisão do estatuto dos funcionários judiciais. Para os procuradores desenvolverem a sua atividade é preciso que os tribunais e serviços de apoio possam funcionar com os recursos humanos necessários. Há aí uma carência manifesta, não há funcionários judiciais suficientes. É um problema que tem de ser resolvido na legislatura que aí vem”, diz António Filipe.
Funcionários judiciais, precisa-se
O presidente da Associação Sindical dos Funcionários Judiciais, António Marçal, não tem dúvidas de que o Ministério Público necessita de funcionários judiciais. “Hoje esse número é reduzido, as pessoas não têm formação adequada e, com a reforma do mapa judiciário, em 2014, o MP ficou como parente pobre da organização judiciária”.
António Marçal denuncia que há uma medida recente que enfrenta problemas por falta de oficiais de justiça. “As seções especializadas integradas de violência doméstica (unidades do MP criadas para combater este flagelo) para que funcionassem da forma que foram pensadas eram necessários dois oficiais de justiça por cada magistrado. Ora, em algumas, como no Porto e Sintra, o número de oficiais é inferior ao número de magistrados e isso não permite que o MP cumpra o seu papel”.
“O MP precisa de um corpo de funcionários para fazerem assessoria e eles andarem com os inquéritos, caso contrário andamos a correr atrás do prejuízo”, sublinha.
Defende um corpo de funcionários especializado e preparado para fazer assessoria e ajudar a acelerar a tramitação dos inquéritos dos procuradores. “Com a unificação de secretarias que houve em 2014 os funcionários hoje estão no MP e passado uma semana podem estar a apoiar uma seção judicial. O que sabemos é que dos 1.300 oficiais que faltam, mais de metade deveria estar alocado às secções do MP”.
António Marçal sublinha que esta aposta nos funcionários traria benefícios significativos, permitindo “libertar os órgãos de polícia criminal para investigação no terreno porque muitas vezes estão com funções burocráticas próprias de secretaria do MP”.
Advogados. “A justiça tem subfinanciamento crónico”
O bastonário da Ordem dos Advogados, Menezes Leitão, sublinha como primeira prioridade existir um Ministério Público independente.
“Há tentativas eleitorais para tentar condicionar a autonomia do MP, por isso, é fundamental aludir à autonomia e que não haja tentativas de controlo do MP. Isso seria prejudicial para o sistema democrático.”
Menezes Leitão elenca a necessidade de reforçar a capacidade de investigação do Ministério Público. “A justiça tem um subfinanciamento crónico e o MP sofre com isso. Ouvi já o diretor do DCIAP falar da falta de dinheiro para investigar, sem qualquer resultado. Soubemos que esteve em risco uma extradição porque não havia tradutores para uma simples tradução para inglês. Isso preocupa-nos”.
Por fim, recorda a necessidade de acabar com os mega processos. “Insiste-se nisso, em vez de separar processos e acusar dessa forma. O MP quer acusar todos os casos em que encontra a mínima suspeita e isso traduz-se em volumes gigantescos que não subsistem em tribunal. Devia acusar logo onde há prova, deixando para depois casos em que a investigação ainda não está concluída.”
O bastonário lamenta que se assista à “incapacidade de se fazer justiça por falta de verba” e acrescenta que “as verbas do PRR para a justiça têm um valor ínfimo, e isso mostra como esta área está no fim das prioridades do Governo”.
Juízes querem “um MP autónomo do poder político”
O presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses (ASJP) não tem dúvidas que o país precisa de um Ministério Público “autónomo com capacidade de investigar um político, um procurador, um juiz, um dirigente desportivo, sem ameaças disciplinares e ser transferido para longe de casa”.
O MP, diz Manuel Ramos Soares, deve ser “autónomo do poder político para atuar sem instruções ou interferências, com meios e que não tenha de ficar um, dois ou três anos à espera de uma diligência de prova pedida ao estrangeiro ou à Polícia Judiciária, que não tem capacidade de resposta imediata, e fica a ouvir na televisão que MP não trabalha, quando muitas vezes é só falta de meios”.
Sabe quem está no terreno que “o MP pode investigar à vontade quem assaltou um banco, quem bateu na mulher e aí há autonomia completa, o problema é quando entende que deve investigar pessoas ou instituições importantes para poder político, económico, financeiro e poderes desportivos”, afirma.
“Aí, a queixa que se ouve é que há dificuldades, não é novidade em Portugal e acontece no mundo inteiro. Essas portas não se abrem”, conta.
Diz o presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses que, “se tivermos um MP com meios, autónomo e eficiente, temos o que o país precisa e temos material humano no MP para isso. Falta, às vezes, organização e vontade política para os meios de que precisam”, remata.
Magistrados do MP exigem “Justiça em tempo útil”
Adão Carvalho, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, considera ser necessário “aumentar a capacidade e qualidade de resposta, quer a nível individual, quer ao nível organizacional”.
O objetivo é “assegurar aos cidadãos uma justiça independente, de qualidade, em tempo útil, acessível a todos e que garanta o direito à igualdade e a igualdade perante o direito”. São as linhas do que se pretende para o Ministério Público.