Foi no dia em que quis ler o “Levantado do Chão” de José Saramago que Martim Sousa Tavares descobriu um mundo novo guardado na biblioteca pessoal da avó, Sophia de Mello Breyner Andresen. Era Verão e estávamos em 2015. Sophia tinha morrido há mais de 10 anos e a sua biblioteca pessoal estava guardada na casa de férias, em Lagos, no Algarve.
O neto Martim, filho do escritor Miguel Sousa Tavares, encontrou no livro de Saramago uma “belíssima” dedicatória para Sophia. “Achei aquilo engraçado, porque como eles eram os dois nomeados para o Prémio Nobel, e ele ganhou, e ela disse sempre que aquilo não lhe interessava, havia esta ideia de que eles não se davam bem e que eram dois autores completamente avessos. E aquela dedicatória deita por terra essa teoria. Eles davam-se muito bem e tinham imenso respeito”, explica Martim Sousa Tavares.
Nas estantes estavam perto de mil livros. “Ela nunca foi uma pessoa de grande cultura livresca” diz-nos Martim Sousa Tavares sobre a avó poeta que “provavelmente deitou fora a maior parte dos livros que leu e que lhe deram ao longo da vida”. A questão é que dos livros que guardou, estão lá praticamente todos os “principais autores de língua portuguesa da segunda metade do século XX e início do século XXI”. Martim que é também músico e maestro relata que tirou da estante mais de trezentos livros com dedicatórias. “Estão lá literalmente todos. Carlos Drummond de Andrade, Vinícios de Moraes, Cecília Meireles, o mais velho é o Teixeira de Pascoaes nascido ainda no século XIX e vai até ao Frederico Lourenço.”
Abrir os livros não foi só encontrar dedicatórias para Sophia, explica Martim Sousa Tavares em entrevista ao programa Obra Aberta feito em parceria entre a Renascença, o Centro Cultural de Belém e o editor João Paulo Cotrim e que poderá ouvir este domingo na radio depois das 13h00. Abrir os livros, significava que “caiam coisas lá de dentro”, desde “postais e cartas”, a outros escritos.
Sophia de Mello Breyner tradutora
Sophia de Mello Breyner e a escritora Agustina Bessa-Luís eram amigas e em 1961 fizeram juntas de carro “uma viagem épica” recorda Martim Sousa Tavares que conta que conduzidas pelo marido de Agustina, Alberto Luís, foram “de Carocha da Granja até à Grécia”. De passagem por Itália, por Florença, Sophia comprou a “Divina Comédia” que viria a traduzir.
A atividade de tradutora de Sophia estendeu-se a outras obras. O neto conta que Sophia estava em Paris a quando de Maio de 1968, “tinha ido lá a um encontro com poetas franceses e voltou de lá com imensos livros. Tinha começado a fazer um projeto de tradução do poeta André Frénaud”. Nos livros, Martim encontrou “primeiros manuscritos sempre dos mesmos poemas e depois já passados à máquina e uma segunda versão à máquina, limpa e certa. Isto quer dizer que estava pronto a publicar” indica o neto, que refere ainda que “aqui está outra vertente que é a Sophia tradutora que poderá ser interessante.”
Poemas inéditos de Sophia
Entre estes inéditos escondidos como um tesouro entre as páginas de livros há também cartas e poemas de Sophia. Martim Sousa Tavares encontrou uma “carta que Sophia escreveu para Jorge de Sena”. Esta missiva não consta do livro já editado, pela Guerra e Paz, com a correspondência entre Sena e Sophia que saiu em 2010 numa edição revista e aumentada. Segundo Martim diz ao programa Obra Aberta da Renascença a carta foi “passada a limpo e provavelmente apreendida pela PIDE. É uma das muitas cartas que nunca se encontraram. A carta estava metida dentro deste livro desde 1961.”