No último discurso de Jerónimo de Sousa não houve um "adeus", nem um "até já" aos camaradas, mas houve um Pavilhão Alto Moinho à pinha, em Corroios, e a saudar de pé a intervenção do ainda líder do partido.
O secretário-geral comunista, que este domingo será substituído por Paulo Raimundo na liderança, fez da maioria absoluta do PS o alvo de todas as críticas, colando a governação socialista a toda a direita parlamentar: "sim, camaradas, a sua governação mostra um PS cada vez mais inclinado para a direita".
O líder comunista ignora todos os outros partidos com representação parlamentar - Bloco de Esquerda, Livre e PAN -, coloca toda a direita no mesmo saco e mete o PS dentro desse saco, sem distinções.
"Comprova-o o fazer costas com costas do PS com o PSD, o CDS, a IL e o Chega no que era decisivo para garantir os interesses do grande capital, fosse para inviabilizar as propostas do PCP de reposição na plenitude, como era justo dos direitos laborais e sociais extorquidos aos trabalhadores", despacha Jerónimo.
A preocupação centra-se na "nova situação da expressão institucional e ampla promoção das forças e projetos reacionários, designadamente PSD, CDS, IL e Chega, com agendas de natureza retrógrada, demagógica, neoliberal ou fascizante, num quadro em que o PS e estas forças empolam e encenam uma oposição entre si, quando na verdade desenvolvem, em aspetos essenciais, uma ação convergente na defesa dos interesses do grande capital".
Os últimos dias comprovam isso também, diz o líder socialista, com a abertura do processo de revisão constitucional por parte do Chega e que "a olhar para a experiência passada de concertação entre o PS e o conjunto das forças reacionárias, inimigas da Constituição de Abril não nos pode deixar descansados".
O partido ainda não está resolvido com o resultado das eleições legislativas de janeiro, em que ficou reduzido a seis deputados. Nem resolvido com o resultado, nem com a campanha eleitoral que levou a esse resultado.
Jerónimo fala da "obtenção de uma maioria absoluta pelo PS - acompanhada da redução da expressão parlamentar do PCP - alcançada na base de uma operação de chantagem e mistificação". Mais um tiro ao antigo parceiro de geringonça ou da "solução de governo" como os comunistas gostam de chamar-lhe.
A partir daí, conclui o líder comunista, "se alguém tinha dúvidas dos verdadeiros objetivos dessa operação, que tinha muito de maquiavélica pelo cálculo e o sofisma que transportava, a realidade está a comprová-lo".
O caderno de encargos de Paulo Raimundo
No autêntico toque a rebate que constitui esta conferência nacional de Corroios, Jerónimo de Sousa definiu o caderno de encargos para o futuro líder, Paulo Raimundo, entronizado este domingo pelo Comité Central, com o reforço do PCP e a ligação dos comunistas às múltiplas esferas da sociedade.
É no fundo o que já estava desenhado no projeto de resolução da conferência nacional, assumindo como "indispensável o caminho da intensificação e alargamento da luta de massas", sendo prioritário o envolvimento de "trabalhadores e as populações, tal como camadas e sectores específicos".
Os comunistas querem colocar gente na contestação social, fortalecer as organizações e o movimento sindical, com destaque para "a organização da classe operária e dos trabalhadores em geral, a sindicalização e a organização sindical nas empresas, os sindicatos, o movimento sindical unitário, a CGTP-IN e as comissões de trabalhadores".
Mas os comunistas não querem ficar fechados no seu próprio círculo. Jerónimo avisa Raimundo que é preciso "desenvolver a ligação e o trabalho com outros democratas e patriotas com a dinamização pelo Partido, como força agregadora que é a favor da convergência e unidade, de um amplo trabalho junto de outros democratas e patriotas, seja no âmbito da CDU, seja num plano mais largo".
É preciso ir ao terreno, embora os comunistas recusem a tese que alguma vez tenham saído dele, "assumindo a realização de contactos regulares a partir de cada uma das organizações com aqueles que se destacam na vida coletiva, tal como com personalidades e sectores muito diversos, da cultura à ciência, do desporto ao movimento associativo".
Raimundo é, de resto, tido pelo partido como um timoneiro do diálogo e é nisso que o PCP aposta as fichas todas, com Jerónimo de Sousa a pedir-lhe o "reforço do Partido" e "a responsabilização e formação de quadros, questão decisiva para alargar a capacidade de resposta e desenvolver a acção partidária". No fundo, pedem-se mais e outras caras para o partido.
O caderno de encargos existe, já estava definido há vários meses, desde que o projeto de resolução da conferência foi dado a conhecer e o futuro secretário-geral do PCP também existe, mas curiosamente nunca é referido, nem uma vez, no discurso, que significa a última intervenção de Jerónimo de Sousa como secretário-geral. O nome é Raimundo, Paulo Raimundo. Mas só a partir de domingo será, efetivamente o sucessor do operário metalúrgico. Operário sucede a operário, reforça muito o partido.
O caminho é difícil e isso não é tabu. No final dos mais de 40 minutos de discurso, Jerónimo de Sousa improvisou: "Sim, camaradas. O vento está duro e muito forte. Fustiga-nos o rosto. Mas nunca hão de ver o vento a apanhar-nos de costas, porque estaremos sempre virados para a frente", prometeu.