Aconteceu há precisamente dois meses o acidente com a viatura oficial onde seguia o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, que causou uma vítima mortal.
Sessenta e um dias depois do desastre na autoestrada A6, que vitimou um trabalhador, a GNR continua a investigar o caso, existem versões diferentes e ainda não se sabe a que velocidade seguia o carro conduzido pelo motorista de Eduardo Cabrita.
O atropelamento mortal deu origem à abertura de três inquéritos: um de natureza criminal dirigido pelo DIAP de Évora que está sob segredo de Justiça, um processo por acidente de trabalho no juízo de Trabalho de Évora e outro pelo INEM, para apurar se foram cometidos erros no socorro à vítima.
GNR continua a “desenvolver diligências”
A investigação do acidente está a cargo do Núcleo de Investigação Criminal de Acidentes de Viação (NICAV) de Évora da GNR.
Em resposta por escrito à Renascença, a Guarda Nacional Republicana diz que continua a investigar o caso, sem adiantar prazos ou outros pormenores.
“Em virtude da investigação do acidente se encontrar em curso, não será possível prestar esclarecimentos adicionais, sublinhando-se contudo, que a Guarda Nacional Republicana desenvolveu e encontra-se a desenvolver, nos termos da lei, todas as diligências inerentes a um processo de investigação de um acidente de viação com vítimas mortais”, refere a GNR.
O que sabemos sobre o desastre na A6
O acidente com a viatura oficial onde seguia o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, aconteceu a 18 de junho deste ano. O automóvel era conduzido por um dos motoristas do ministério.
A viatura percorria a A6, a autoestrada Marateca - Caia, no Alentejo, por volta das 13h00, quando atropelou mortalmente Nuno Santos, um trabalhador que realizava trabalhos na via.
O acidente aconteceu ao quilómetro 77 da A6, no sentido Évora-Lisboa.
A vítima mortal ainda "foi assistida", mas "acabou por falecer no local", segundo o Comando Distrital de Operações de Socorro (CDOS) de Évora.
"O Ministério da Administração Interna informa que, no regresso de uma deslocação oficial a Portalegre, a viatura que transportava o Ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, sofreu um acidente de viação, do qual resultou a morte, por atropelamento, de um cidadão na autoestrada A6", disse na altura o Ministério da Administração Interna (MAI), em comunicado.
A vítima tinha 43 anos e trabalhava para a empresa ArquiJardim, responsável pela execução daquela intervenção na A6. Deixou mulher e duas filhas menores de idade.
MAI e Brisa com versões contraditórias
No dia seguinte, 19 de junho, o MAI divulgou novo comunicado com mais informações: não existia "qualquer sinalização" a alertar os condutores para os "trabalhos de limpeza em curso" quando a viatura do ministro atropelou mortalmente um trabalhador.
Segundo o ministério tutelado por Eduardo Cabrita, o veículo "não sofreu qualquer despiste" e "circulava na faixa de rodagem, de onde nunca saiu, quando o trabalhador a atravessa".
"O trabalhador atravessou a faixa de rodagem, próxima do separador central, apesar de os trabalhos de limpeza em curso estarem a decorrer na berma da autoestrada", refere o mesmo comunicado.
Dias depois, a Brisa desmentia uma parte da versão do MAI. Os trabalhos de manutenção estavam sinalizados, disse fonte da empresa à agência Lusa.
"A sinalização dos trabalhos de limpeza realizados na berma direita da A6 estava a ser cumprida pela ArquiJardim", garantiu a concessionária da autoestrada.
A mesma fonte da Brisa acrescentou ainda que a sinalização estava "conforme os procedimentos de segurança adequados para este tipo de intervenção".
Excesso de velocidade?
Considerado um dos fatores determinantes para o processo e para entender o acidente, a velocidade a que seguia o BMW do ministro Eduardo Cabrita é uma das grandes questões que a GNR ainda estará a tentar apurar.
O MAI nunca se pronunciou sobre a questão da velocidade, que nas autoestradas é de 120 quilómetros por hora, sendo que as viaturas oficiais podem exceder o limite se estiverem em "marcha de emergência" devidamente assinalada.
A velocidade a que circulava a viatura de Eduardo Cabrita “pode ter tido uma contribuição decisiva” para a ocorrência do atropelamento, defendeu João Dias, o perito em acidentes rodoviários e professor no Instituto Superior Técnico, no programa “Em Nome da Lei” da Renascença.
“A velocidade pode não ter sido registada pelo veículo”, admite João Dias, mas é sempre possível avaliar a velocidade a que seguia Eduardo Cabrita por outros elementos que estarão a ser recolhidos pela peritagem que a GNR estará a fazer.
No "Em Nome da Lei" da Renascença, o penalista Tiago Geraldo explica que, “havendo uma morte, a investigação criminal estará centrada na existência de um homicídio por negligência”. Mas por esse crime, que implica a violação de um dever de cuidado, que pode ser a velocidade excessiva, apenas deverá responder o motorista e não o ministro.
Viatura apreendida a traficante
O Ministério da Administração Interna esclareceu, a 1 de julho, que o BMW em que seguia o ministro Eduardo Cabrita encontra-se “na situação jurídica de apreendido” e tem uma guia para poder circular válida até maio de 2023. A imprensa avançou na altura que a viatura pertencia a um traficante de droga.
“O veículo encontra-se na situação jurídica de apreendido e não foi declarado perdido a favor do Estado. Assim, para poder circular na via pública, a Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública (ESPAP) emitiu uma guia para que o veículo possa circular válida até 13 de maio de 2023”, disse à agência Lusa fonte do MAI.
O esclarecimento do MAI surge após o presidente do PSD, Rui Rio, ter afirmado que o carro em que seguia o ministro da Administração Interna não estar registado e exigiu esclarecimentos, lamentando que a questão ande “de trapalhada em trabalhada”.
INEM abre inquérito
O Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) também abriu um inquérito interno sobre as circunstâncias em que foi prestado o socorro no acidente da A6, que ocorreu no sentido Évora-Lisboa.
Um médico que presta serviço no hospital de Évora e na viatura médica de emergência e reanimação (VMER), sediada na unidade hospitalar alentejana, levantou dúvidas na sua página na rede social Facebook.
"O que dizer da atuação do Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) do INEM, que ativou a VMER de Évora para o trajeto Évora – Montemor quando o acidente ocorreu no trajeto Estremoz – Évora, o que levou a que a VMER chegasse ao local mais de uma hora depois de iniciar o caminho para o local?", escreveu.
Na mesma publicação, o médico levanta outra dúvida: "E alguém no CODU ter modificado os dados inicialmente enviados na ficha de ativação, corrigindo a localização da ocorrência?".
O jornal "Expresso" noticiou que a VMER do Hospital de Évora terá sido acionada 14 minutos depois do alerta, mas foi em sentido contrário ao do acidente na A6, rumo a Montemor.
Perante o atraso, foi sugerido o envio do helicóptero sediado em Évora, mas a opção acabou por recair numa viatura de Suporte Imediato de Vida (SIV) de Estremoz, sem médico, segundo o "Expresso".
Ministro não se demite, Costa segura Cabrita
Ao longo dos últimos dois meses, PSD, CDS, PAN, Iniciativa Liberal e Chega têm exigido esclarecimentos ao ministro da Administração Interna sobre o acidente de 18 de junho.
Pressionado pela oposição e respaldado pelo primeiro-ministro, Eduardo Cabrita garantiu, a 2 de julho, que não se demite e pediu que não se faça aproveitamento político deste caso, deixando que a investigação decorra com a celeridade possível.
"Aquilo que não desejo a ninguém é ver-se envolvido, mesmo que na qualidade de passageiro, numa situação tão dramática como esta. E por isso gostaria de fazer um apelo, sem qualquer referência específica, que confiássemos naqueles a quem cabe apurar os factos e não transformássemos algo que é um momento triste, um momento semelhante ao qual nunca tinha passado, e que não desejo a ninguém num quadro de confrontação política", disse.
Eduardo Cabrita mostrou-se emocionado com a morte do trabalhador e disse que o seu Ministério já tinha manifestado condolências à família da vítima, através do seu chefe de gabinete.
Questionado sobre se sente que tem condições para continuar no Governo, o ministro passou a bola para António Costa. "Essa é uma matéria que é da estrita responsabilidade do primeiro-ministro. Eu tenho quatro anos de exercício, que corresponderam aos quatro anos de melhores indicadores de segurança em Portugal", referiu.
António Costa viria depois a garantir, em entrevista ao "Público", que não está a pensar em remodelar nenhum ministro do seu Governo a curto prazo e, no debate do estado da nação, acusou o PSD de fazer oposição de “casos e casinhos”.