Houve 216 mil vítimas de abuso sexual de menores a envolver membros da Igreja Católica em França, entre 1950 e 2020.
A conclusão, baseada em estimativas, consta de um relatório da comissão nacional de investigação de casos de abuso sexual de menores na Igreja em França, que está a ser divulgado esta terça-feira.
O relatório indica ainda que um véu de silêncio protegeu o clero francês, acusado ao longo de décadas de abusos sexuais e que a hierarquia da Igreja demonstrou uma “indiferença cruel” para com as vítimas. O problema terá tido um “caráter sistémico”.
A comissão nacional de investigação recomenda que a Igreja Católica proceda ao pagamento de indemnizações às vítimas sem esperar por decisões judiciais.
A mesma comissão já tinha referido que tinham sido identificados entre 2.900 e 3.200 criminosos pedófilos, padres ou religiosos, na Igreja Católica francesa desde a década de 50. Esta terça-feira foi revelado que desses, dois terços eram padres. Estatisticamente, tendo em conta o universo de 115 mil padres e religiosos no mesmo período, os abusos foram praticados por menos de 3% do total de membros do clero.
O relatório indica que o número de casos poderá chegar aos 330 mil, caso se junte os casos praticados por leigos ligados à Igreja.
Segundo o jornal "La Croix" o relatório diz que 80% das vítimas eram rapazes, com "uma forte concentração entre os 10 e os 13 anos".
O relatório foi coordenado e apresentado por Jean-Marc Sauvé, que disse ainda que 56% de todos os casos ocorreram entre os anos de 1950 e 1969. Houve depois uma "queda abrupta" nos anos 70 e 80, que poderá explicar-se pela também abrupta diminuição do número de membros do clero, mas desde 1990 o número estabilizou. "Temos de abandonar a ideia de que a violência sexual na Igreja Católica foi completamente erradicada e que o problema já não existe. Não, o problema permanece", diz.
Sauvé diz ainda que "a prevalência de casos de violência sexual é significativamente mais alta em círculos eclesiais do que noutros círculos sociais, como escolas ou campos de férias".
Segundo o relatório, no mesmo espaço de tempo houve 141 mil casos de vítimas nas escolas públicas, 103 mil em ambientes de atividades desportivas, 103 mil em colónias de férias e similares e 51 mil em coletividades artísticas e culturais.
Estes números significam que o risco que uma criança corria de ser abusada na Igreja ao longo destas sete décadas era de 1,16% na Igreja, ou de 0,82% se apenas forem tidos em conta os abusos praticados por membros do clero, comparando com 0,36% em colónias de férias, 0,34% em escolas públicas e 0,28% em atividades desportivas.
Em relação à metodologia, o relatório explica que "O apelo às denuncias ou testemunhos permitiu identificar 2.700 vítimas, uma revisão aos arquivos permitiu identificar 4.800 casos, e o inquérito à população francesa maior de 18 anos identificou 216 mil pessoas agredidas sexualmente enquanto eram menores, por elementos do clero, religiosos ou religiosas. Se a este número juntarmos as vítimas de agressões por leigos ao serviço da igreja, o número passa de 216 mil vítimas para 330 mil", disse Sauvé
"A minha vontade hoje é pedir perdão"
Numa primeira reação às conclusões do relatório, o arcebispo de Reims e presidente da Conferência Episcopal francesa, Éric de Moulins-Beaufort, disse que a sua vontade é de pedir perdão às vítimas, em nome da Igreja.
"Exprimo a minha vergonha, o meu herror e tambem a minha determinação em agir para que a vontade de abafar ou esconder, a relutância em denunciar publicamente este problema, desapareça", disse, durante a conferência de imprensa de apresentação do documento.
"O relatório chama-nos a sermos mais lúcidos. O tempo da ingenuidade e das ambiguidades terminou", disse ainda o arcebispo, concluindo que "a minha vontade hoje é de vos pedir perdão".
[Notícia atualizada às 10h47]