O ministro da Agricultura considera o lançamento de equipas de sapadores florestais a medida mais marcante da sua anterior presença no Governo e refere que, embora muito criticada na altura, hoje "todos" dizem ser peça-chave na prevenção dos incêndios.
O actual ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, Capoulas Santos já tinha ocupado esta pasta entre 1998 e 2002, num dos governos de António Guterres.
A medida foi avançada "comprometendo-me a financiar 50% do seu custo e atribuindo o resto do financiamento às organizações de produtores e às autarquias locais", explicou, em entrevista à agência Lusa.
"Hoje, todos consideram que os sapadores [são] a peça-chave da prevenção e todos reclamam o aumento das suas equipas", apontou.
Quando foi ministro pela primeira vez, os críticos à sua decisão "diziam que estava a querer criar uma força paralela de bombeiros, que [os] ia pôr em causa, se bem que sapadores florestais não tinham nada a ver com bombeiros", salientou.
Segundo Capoulas Santos, o problema dos incêndios florestais, no que ao Ministério da Agricultura dizia respeito, "só podia ser minimizado, já que suprimir os fogos florestais num país mediterrânico é impossível, com uma atitude preventiva".
No entanto, a preocupação com a prevenção esteve sempre presente e a noção de que "deveria envolver não só o ministério, a administração pública, mas também os agentes económicos e as autarquias locais", justificou a ideia de lançar os sapadores florestais.
O governo da altura entendeu também ser necessário apostar nas fileiras e no crescimento das áreas florestais.
"Penso que, nos últimos dois ou três séculos, foi o único período em que a área do montado aumentou em Portugal. Nessa altura, sustivemos o declínio do montado e invertemos a situação - o montado passou a crescer", um trabalho que Capoulas Santos indica como aspecto mais positivo.
Nos últimos 15 anos, "fui assistindo ao crescimento dos sobreiros", salientou o ministro, referindo-se a estes temas - a criação dos sapadores florestais e a aposta no montado -, como "as marcas" de que se pode orgulhar.
As dificuldades que encontrou quando chegou ao então chamado ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, Capoulas Santos foram as mesmas que encontrou no actual Governo, mas "agora agravadas".
"Não só o fenómeno das alterações climáticas se acentuou, como se acentuou o êxodo rural, o chamado 'abandono da floresta'", explicou.
A mudança do clima, com subida da temperatura média do planeta, e, em algumas regiões, como o sul da Europa, a maior frequência de fenómenos extremos afecta praticamente todas as áreas da vida, e tem impacto directo na agricultura e nas florestas, não só pelas condições meteorológicas, mas também por tornar mais difícil a luta contra os incêndios, acrescentou.
A par das alterações climáticas e do abandono das terras, principalmente do interior do país, Capoulas Santos fala de uma questão que "já na altura se punha como premente": a elaboração do cadastro florestal.
O assunto, defendeu, está "praticamente na mesma", tanto no desconhecimento da propriedade como na capacidade de intervir, a que se acrescenta "a inexistência de quaisquer estímulos ou incentivos" que promovam a gestão da floresta.
"De facto, avançou-se muito pouco neste período e os problemas agravaram-se, fruto das circunstâncias decorrentes da evolução da sociedade e das alterações climáticas", resumiu o ministro da Agricultura do XIII Governo.
A visão de António Serrano
O antigo ministro da Agricultura António Serrano pensa que há uma falta de reconhecimento da importância da floresta e realçou o "equívoco brutal" que é apontar uma espécie como causa dos incêndios, defendendo ser antes o abandono do território.
"Não tem havido uma mobilização da sociedade portuguesa em torno da importância da floresta, reconhecendo-a como um grande activo", nomeadamente no Produto Interno Bruto (PIB), e "pode ter muito mais" peso, salientou o professor catedrático da Universidade de Évora que foi ministro entre Outubro de 2009 e Junho de 2011.
Para o antigo governante, "a causa principal dos incêndios não é a espécie florestal - há um equívoco brutal. As causas são o abandono do território e o envelhecimento da população rural, associados às alterações climáticas".
A velocidade dos ventos e a intensidade do calor "queimam tudo o que estiver à volta, independentemente da espécie", realçou.
"A decisão de recuar [na plantação de eucaliptos] vai ter um impacto (económico) negativo no PIB porque a indústria do papel vai ter de encontrar fontes de fornecimento em outros locais, e não resolve o problema", disse à agência Lusa o professor universitário, acrescentando que "toda a gente reconhece que um país não pode ter só uma espécie florestal, tem de haver um equilíbrio".
A reforma florestal aprovada em Julho cria limites à plantação de eucaliptos.
"Toda a gente se preocupa com a floresta, toda a gente é doutorado em floresta, mas é [só] na altura dos incêndios", disse António Serrano, especificando que "ninguém fala da floresta fora da época dos incêndios e não é só a imprensa, é toda a sociedade, os políticos - é uma vergonha".
Para António Serrano, quando estão a decorrer incêndios, "é a altura menos apropriada para falar de florestas". O assunto devia ser objecto de um "debate sério, não demagógico, sem hipocrisia política", a partir de Outubro, permitindo "pensar e fazer coisas concretas".
Referindo a "baixa participação" na consulta pública de diplomas, o ex-ministro criticou a classe política que lhe parece ter "muita culpa do que se passa [porque], da esquerda à direita, passando por todos, tratam isto de forma muito demagógica".
O ministro da Agricultura no último Governo de José Sócrates insiste que, "se todos estiverem mobilizados para esta causa", será possível mudar a situação.
“Todos têm de fazer o que lhes compete, os privados serem responsabilizados por limpar o seu espaço, as casas não podem estar rodeadas por mato e floresta, os municípios já têm uma responsabilidade enorme, hoje a lei já prevê obrigações sérias na organização do território", descreve.
Além disso, deve haver intervenção de "forma coerciva", com mecanismos de penalização dos privados que não limpam as terras, apontou, recordando que a lei permite a aplicação de multas aos incumpridores.
Encontrar mecanismos para intervir de forma administrativa no terreno que está abandonado e não cuidado, sendo conhecido o dono ou não, é outra preocupação.
"Não tem a ver com mexida na propriedade, é apenas a intervenção na gestão do espaço", esclarece.
Assunção e os fogos
A floresta não é causa dos incêndios, é vítima, alertou a ex-ministra da Agricultura, admitindo que gostaria de ter avançado mais nas áreas de cadastro e sensibilização, mas elogia as medidas relativas a terras abandonadas e fiscalidade florestal.
"Temos que perceber que a floresta não é a causa dos fogos, é a vítima dos fogos, é a vítima das acções negligentes, das acções intencionais e depois [podemos falar de] responsabilidade na medida em que há estes problemas estruturais na propriedade", disse Assunção Cristas, ministra da Agricultura e do Mar entre 2011 e 2015, nos governos de Passos Coelho.
"A floresta não produz o fogo por si, sozinha", insistiu a actual líder do CDS-PP, referindo que "não há fogos se não houver ignições e os estudos mostram que a grande maioria dos casos, para não dizer quase todos, têm a ver com causas humanas, negligentes ou intencionais. As causas naturais são uma franja mínima".
Para enfrentar a negligência, Assunção Cristas defendeu "mais envolvimento dos meios de comunicação social, mais visibilidade e mais recursos para alocar a essa área, porque uma grande campanha custa muito dinheiro".
"Parece que estamos sempre a correr atrás do prejuízo", referiu.
A sensibilização para a defesa da floresta, associada à prevenção de fogos, é um dos pontos que Assunção Cristas destaca na sua passagem pelo Governo, além das questões fundiárias estruturais - incentivos à agregação e ao trabalho conjunto como forma de ultrapassar as desvantagens da pequena dimensão das propriedades, cadastro e terras abandonadas ou sem dono conhecido - e do combate aos incêndios.
"O que é mais rápido, apesar de tudo, é a mudança dos comportamentos, por isso, as acções de sensibilização, por um lado, e, por outro, as acções mais fortes em relação à mão criminosa, têm de ser também um foco prioritário", apontou.
Depois de os cidadãos estarem "fortemente sensibilizados", acrescentou, será altura de aplicar multas a quem não cumpre e, então, "as pessoas ficam mais atentas".
Quando chegou ao ministério, em Junho de 2011, Assunção Cristas encontrou o sector florestal "muito desprezado, porque se achava que era o parente pobre da agricultura (...), os fundos comunitários não estavam devidamente adequados" às suas necessidades, a execução era baixa e "uma parcela muito relevante de verbas estava em risco de ser devolvida a Bruxelas".
Segundo a ex-ministra, não havia resistência do sector, mas sim disponibilidade para as preocupações da diversificação do uso da floresta, de ter uma escala adequada, incentivos a uma gestão conjunta e reforço das Zonas de Intervenção Florestal (ZIF).
Porém, lembrou, deparou-se com "um individualismo enorme da parte [tanto] dos proprietários florestais como dos agrícolas, uma dificuldade em fazer trabalho em conjunto", o que se reflectia numa resistência nomeadamente a decisões estratégicas de instalação de povoamentos, corte e venda em grupo.
Os proprietários aceitavam alguma gestão conjunta na defesa contra incêndios ou questões fitossanitárias, mas "com muita dificuldade", acrescentou.
"Quando chegámos, os sapadores não tinham [feito] nenhum investimento nos anos anteriores, havia intenção de continuar a criar equipas, mas uma exiguidade enorme de recursos", apontou ainda.
Assunção Cristas referiu, no entanto, que gostaria de ter ido "mais longe" na aprovação e concretização do funcionamento do cadastro e no desenvolvimento da sensibilização.
"Tenho pena de algum trabalho não ter tido continuidade, como [nas medidas relativas a] terras abandonadas e sem dono conhecido", acrescenta a ex-ministra a quem se associa o avanço da reforma fiscal da floresta, "criando incentivos para que houvesse investimento".
Acerca da prevenção, defendeu que, se as faixas de contenção - 50 metros à volta das casas e 100 metros em redor das aldeias - "estivessem sempre limpas, era uma garantia para que os bombeiros pudessem dedicar-se mais cedo às frentes florestais e impedir" o avanço do fogo.
"As autarquias, no caso das casas particulares, não levantavam autos (...) ou não aplicavam coimas" e uma das medidas da ex-ministra foi "retirar essa competência às autarquias e colocá-la na secretaria-geral do Ministério da Administração Interna, através da GNR, para que [pudesse] ter mais eficácia".
"Uma das grandes bandeiras" do anterior Governo, "que veio provocar uma reforma profunda", descreveu, foi a legislação para as terras abandonadas e sem dono conhecido, levada "ao limite do que era possível do ponto de vista constitucional", salvaguardando direitos de propriedade, mas permitindo que pudesse haver uma identificação progressiva e inclusão na bolsa de terras.
O cadastro florestal, tema que atravessou vários executivos, chegou a ser discutido, mas "entendeu o Governo que estava demasiado em cima das eleições para aprovar uma legislação tão relevante". Porém "ficou tudo pronto", garante.
Recusando as críticas acerca do incentivo à expansão dos eucaliptos, a ex-ministra referiu que o regime aprovado visou "passar a ter um sistema de informação para saber, em cada momento, o que está a ser colocado no terreno".
Além disso, garantiu, o seu Governo equipou, em 2014, os sapadores e deixou preparada para 2015 a tarefa de reequipar todos com equipamento individual, tendo também sido iniciada a reposição do parque automóvel, com 20 jipes, deixando "o concurso para mais 59 e mais 20 novas equipas".
As forças de segurança detiveram este ano 102 pessoas suspeitas do crime de incêndio florestal, quase o dobro do número registado em 2016, segundo o comandante da Autoridade Nacional de Protecção Civil.
No ano anterior à chegada de Assunção Cristas ao Governo, em 2010, a área florestal ardida atingiu 133 mil hectares, enquanto em 2011 desceu para 73,8 mil hectares e em 2012 foi de 110,2 mil. No ano seguinte, o fogo destruiu 152,7 mil hectares.