O texto de substituição sobre a morte medicamente assistida, para debate na especialidade a partir de outubro, inclui a possibilidade de se pedir um parecer psiquiátrico no processo e mantém a impossibilidade da eutanásia se o doente estiver inconsciente.
A proposta da deputada do PS Isabel Moreira, entregue esta quarta-feira ao grupo de trabalho que está a tratar o assunto no parlamento, tenta, nas palavras da autora, fazer “a sistematização do melhor de todas as propostas” do Bloco de Esquerda, Pessoas-Animais-Natureza (PAN), PS, Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV) e Iniciativa Liberal (IL), os projetos de lei aprovados, na generalidade, em fevereiro.
A sistematização começa logo no nome da lei, na designação a dar. Na proposta, que, como ressalvou Isabel Moreira na reunião do grupo de trabalho, é um ponto de partida, adota-se a designação de “despenalização da morte medicamente assistida”.
Os projetos dos partidos tinham opções diferentes. O PS era o único a adotar a palavra “eutanásia”, PAN e PEV mencionavam “morte medicamente assistida”, enquanto o BE preferia “antecipação da morte” e a IL falava em “antecipação do fim da vida”.
O chamado texto de substituição para ser discutido a partir de 6 de outubro, último dia para os partidos apresentarem propostas de alteração, determina as condições em que pode ser pedida a eutanásia, sem que para tal seja punível legalmente.
Considera-se “não punível a antecipação da morte por decisão da própria pessoa, maior, em situação de sofrimento extremo, com lesão definitiva ou doença incurável e fatal, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde”, lê-se na proposta de Isabel Moreira, reproduzindo, nesta parte, o projeto apresentado pela bancada socialista.
Os projetos dos partidos tinham algumas diferenças, apesar de convergirem na ideia de que o doente tinha de padecer de uma “lesão definitiva”. BE e a IL acrescentavam ainda a condição de “sofrimento duradouro e insuportável”, enquanto os Verdes juntam que o sofrimento tem que ser “intolerável e atroz”. O PAN juntava ainda a condição de estar “em grande sofrimento sem esperança de cura”.
Proposta prevê parecer psiquiátrico em caso de dúvida
No texto de substituição, é proposto que o processo seja seguido e orientado por médicos, havendo pelo menos dois pareceres ou um terceiro, de um médico psiquiatra, se o médico orientador tiver dúvidas sobre a capacidade da pessoa ou se o doente tiver uma perturbação psíquica. Esta é uma solução idêntica à adotada no projeto do BE.
Prevê-se ainda, no texto de substituição, uma Comissão de Verificação e Avaliação, que emite um parecer quando todos os pareceres médicos são positivos.
Nos restantes projetos, o PAN propunha que a eutanásia só acontecesse havendo quatro relatórios favoráveis, três no caso do PS, PEV e PAN, sendo que para o BE, IL e PS o parecer psiquiátrico também não era obrigatório.
No projeto elaborado por Isabel Moreira prevê-se que o processo para a morte medicamente assistida é interrompido se quem o pediu ficar, entretanto, inconsciente, indo assim ao encontro da maioria das propostas de lei. O BE era o único a admitir a hipótese de o processo continuar, mas apenas se o doente, antes disso, tivesse ditado essa vontade expressa em Testamento Vital.
É ainda garantido que a “decisão do doente em qualquer fase do procedimento clínico de antecipação da morte é estritamente pessoal e indelegável”.
No artigo sobre onde é possível fazer a eutanásia, a proposta de texto prevê que os “estabelecimentos de saúde do Serviço Nacional de Saúde e dos setores privado e social que estejam devidamente licenciados e autorizados para a prática de cuidados de saúde, disponham de internamento e de local adequado e com acesso reservado”.
Esta quarta-feira, na reunião do grupo de trabalho foi decidido que as bancadas parlamentares terão duas semanas, até 6 de outubro, para apresentar propostas de alteração ao texto de substituição.
Só a partir dessa data se começará a fazer o debate na especialidade e as votação indiciárias, ou indicativas, no grupo de trabalho que depois terão de ser confirmadas pela comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, antes de uma eventual votação final global.
E o pedido de referendo à eutanásia?
Na prática, segundo explicou Mónica Quintela (PSD), coordenadora do grupo de trabalho, o processo legislativo da lei não estará concluído antes de o parlamento tomar uma decisão sobre o referendo de iniciativa popular, da iniciativa da Federação Pela Vida e que é pedido por mais de 90 mil cidadãos.
Desconhece-se, até ao momento, o calendário para o debate, em plenário, da proposta de referendo, que depende do presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, e dos líderes parlamentares.
A resolução sobre o referendo, com um esboço de pergunta, da responsabilidade de António Filipe, do PCP, deverá ficar validada na próxima quarta-feira pela comissão parlamentar dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Em termos regimentais, o processo de decisão do referendo, na comissão, deverá estar pronto até à primeira semana de outubro, faltando saber se é possível "encaixar" o debate e votação da resolução sobre a consulta popular antes de os deputados se dedicarem à discussão do Orçamento do Estado de 2021.
A Assembleia da República tem em curso o debate da lei para a despenalização da morte medicamente assistida, depois de ter aprovado, em 20 de fevereiro, cinco projetos do PS, BE, PEV, PAN e Iniciativa Liberal, por maioria e na generalidade.
A lei é aprovada em definitivo após o debate na especialidade e a votação final global no parlamento, dependendo a sua entrada em vigor a promulgação pelo Presidente da República. À direita, o CDS-PP é contra e o PCP também. No PSD, há divisões e no PS igualmente.
Os diplomas preveem, nomeadamente, que só possam pedir a morte medicamente assistida, através de um médico, pessoas maiores de 18 anos, sem problemas ou doenças mentais, em situação de sofrimento e com doença incurável.
[Notícia atualizada às 20h36]