É óptimo que a juíza Joana Ferrer possa julgar em Liberdade. Ouvidas as partes, ponderadas as provas, nada nem ninguém, nem sequer a opinião publica, nem publicada, lhe possam turvar o raciocínio nem impor uma decisão fabricada por revistas de cabeleireiro nem opiniões de comentadores. É isso mesmo que se espera da independência de um juiz num Estado de direito. O problema é que também se espera que os juízes tenham, além de conhecimentos técnicos, experiência de vida, sabedoria, sageza e, sobretudo, uma dose reforçada de bom senso, coisa que à vista desarmada parece faltar-lhe. Pior do que isso é que à medida que vamos conhecendo decisões de múltiplos tribunais mais se intensifica esta sensação. Porque será que o sistema está a produzir estes espécimenes, cada um mais original do que o anterior? Não será urgente reformá-lo?
Não conheço o ex-ministro Manuel Maria Carrilho, com o qual apenas e raramente me cruzei na vida, e só conheço razoavelmente mal a minha ex-colega Barbara Guimarães da qual desconhecia integralmente a respectiva vida privada até ela ser revertida para os jornais e revistas “da especialidade”. Mas do pouquíssimo que sei da argumentação desta juíza para inocentar do crime de violência doméstica o ex-marido sinto-me habilitada a prestar-lhe pelo menos a minha solidariedade.
Um pai que sujeitou dois filhos a uma exibição pública do seu péssimo carácter, ao ponto a que o fez Manuel Maria, se não batia na mulher não é pelo menos minimamente competente para proteger os filhos de si próprio. Jogar com eles nas revistas, enganá-los publicando as respectivas declarações em tribunal, supostamente secretas, campear para diminuir a imagem da mãe de ambos de forma perversa, com puro egoísmo, não necessita prova, porque mesmo sem estar presente no julgamento e sem ouvir as partes, todos nós infelizmente “vimos, ouvimos e lemos” pelo que não é suposto podermos ignorar.
Mas há mais: a juíza, reverente acha que o senhor “professor” está perfeitamente integrado na sociedade. Que faria se não estivesse e não exibisse um notável distúrbio narcisista em todo esta caso. Não olhando a meios para atingir os fins, expondo os menores à destruição fria e cruel da imagem da respetiva mãe quando a ela se referia a qualquer bicho careta que o abordasse de microfone em punho com o intuito de ouvir Sua Excelência sobre a sua famosíssima ex-mulher.
Eu não sabia nem precisava saber (dispensava aliás essa informação abusiva) qual o passado traumático de Bárbara Guimarães, quer ele fosse real (ou sobretudo se o fosse…) ou meramente inventado (como suspeito que tenha sido, mas até a juíza parece ter acordado para a vida quando reconheceu que existiu difamação e por isso o puniu). Neste caso, como não li a sentença e falo apenas com base no que a imprensa reporta, não creio que precise mais para concluir que a “Julgadora” devia ao caso estar impedida de julgar.
Não, não penso isso por estar implícito que iria de alguma forma beneficiar o potencial infractor pelo porte majestático ou pelos seus pergaminhos culturais, mas porque a meritíssima parte de premissas que mostram desconhecer em absoluto o mundo de circunstâncias que impedem uma mulher (por mais culta, independente, autónoma e moderna que seja…) de fugir das garras de um qualquer “professor”, de tiques manipuladores, para cúmulo ex-ministro, admirado pelos respectivos alunos e com fama de filósofo, indo à polícia (pela calada da noite) com uma filha ao colo e um filho pela mão acusando o emérito catedrático e membro da elite dirigente de agir como um vulgar carroceiro, com a agravante de parecer meio louco e capaz de a matar.
O senhor polícia pode muito bem raciocinar como a juíza e pensar simplesmente que isto de cultura é sinónimo de civilização, pelo que o caso não sendo provável é, no mínimo, muito pouco credível. “Então a D. Bárbara quer que eu acredito que linda e famosa o senhor professor é capaz de a tratar mal? Isso não se pode resolver dentro de casa?”. Volte lá para a sua casinha e veja se passa sim…
Acha a senhora juíza que a “determinação e independência da vítima e a sua autossuficiência em termos financeiros” a faz ultrapassar a gritaria caseira (os insultos, as ameaças, a manipulação das crianças, a violência psíquica que mata a sua autoestima antes mesmo de lhe infligir a morte física (do conhecimentos de amigos e de próximos, que se consideram incapazes de combater o inferno por mais que aconselham que se afaste dele) e basta para a tornar capaz de abrir a porta sem a vergonha que os vizinhos se deem conta e os filhos se apercebam do caracter do pai, pegar nas malitas e partir tranquilamente deixando o filosofo a falar sozinho…
Se a senhora juíza acha assim é porque a respetiva formação sofreu do défice de conhecimento da vida (não das celebridades e das revistas), mas da vida comum.
Queira V. Excelência meritíssima que me parece que comigo concordaram, graças a Deus, alguns dos seus colegas que ainda há pouco tempo condenaram o mesmo indivíduo a uns quatro anitos de prisão com pena suspensa… por um caso não muito diferente. Talvez enquanto ex-marido a coisa tenha piorado um bocadinho, mas saber disso não a fez pensar umas duas vezes? Sei que pediu para ser afastada do caso pelo que a culpa não terá sido inteiramente sua…. Deve ser do sistema. E ninguém muda a sistema? Se nem a Bárbara Guimarães foge à regra do preconceito cultural ou elitista, o que se passará com as outras mulheres vitimas de violência doméstica em pleno século XXI?
Gente culta e moderna e bem na vida, vítima de violência doméstica, fica a saber, por muito que tema pelo futuro dos filhos e o próprio (não diz aos amigos, não conta aos colegas, não recorre aos vizinhos …) que isso não serve para nada anda sempre com o telefone da APAV no bolso. Senão, corre o risco de apanhar do marido e apanhar não só com uma (má) polícia na esquadra, mas, chegados a tribunal, com uma juíza assim.