Cobrança de dívidas fiscais na estrada pode ser "abusiva"
28-05-2019 - 16:47
 • Henrique Cunha

O advogado Pedro Marinho Falcão diz que não ficou surpreendido com suspensão ordenada pelo Governo. A Renascença apurou que quatro viaturas foram penhoradas antes de essa ordem chegar.

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Cobrar dívidas dos contribuintes ao fisco em operações stop nas estradas portuguesas "é legítimo do ponto de vista abstrato" mas pode considerar-se "abusivo".

É o que defende o advogado e professor Pedro Marinho Falcão, em entrevista à Renascença esta terça-feira, depois de o Ministério das Finanças ter cancelado uma ação de fiscalização conjunta da Autoridade Tributária e Aduaneira e da GNR em marcha esta manhã para cobrar dívidas fiscais a condutores em trânsito.

A iniciativa, que decorreu em Alfena, Valongo, contou com cerca de 20 elementos da AT e dez militares da GNR e serviu para "intercetar condutores com dívidas às Finanças, convidá-los a pagar e dar-lhes essa oportunidade de pagarem". No caso de não poderem pagar no momento, avançou fonte da AT no local, as autoridades envolvidas estavam em condições de "penhorar as viaturas".

Ao início da tarde, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais ordenou a suspensão dessa ação que, de acordo com o Governo, "não foi definida centralmente pela Autoridade Tributária e Aduaneira".

Para Marinho Falcão, "apesar de ser legítimo, do ponto de vista abstrato, que a Autoridade Tributária promova a verificação dos processos de execução e a penhora dos bens dos contribuintes, isto tem de ser adequado aos objetivos que se pretende atingir".

Nesse sentido, o especialista defende que houve "um comportamento abusivo da Autoridade Tributária relativamente aos instrumentos que a lei lhe faculta para a realização de ações de penhora”. Foi por isso que, refere, não ficou surpreendido com a decisão do Governo de cancelar a operação de fiscalização.

O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais "percebeu que havia uma ação desproporcionada por parte da AT" e, por isso, "mandou suspender uma operação que visava criar uma espécie de filtro e que podia criar constrangimentos sérios e graves a todos aqueles que passavam pela ação de fiscalização", explica Pedro Marinho Falcão.

O professor de Direito Fiscal na Universidade Portucalense Infante D. Henrique admite, por outro lado, que nesta ação podem estar em causa direitos fundamentais dos cidadãos, se “não houver uma adequada resposta” da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Do seu ponto de vista, ninguém pode dizer ao contribuinte “O senhor pare, espere uma hora que daqui a bocadinho vamos ver o que se passa com a sua viatura”.

“Isto não é possível porque pode pôr em causa o cumprimento de obrigações relativas ao contribuinte e, naturalmente, os direitos fundamentais do cidadão”, explica. Se a Autoridade Tributária quer utilizar este mecanismo, “tem de ter capacidade de resposta para que o mecanismo seja eficazmente utilizado; o que não pode é pôr um contribuinte a aguardar uma hora, hora e meia até que aquele processo seja verificado”.

De acordo com informações recolhidas pela Renascença junto da Autoridade Tributária, no decorrer da operação esta manhã terão sido penhoradas quatro viaturas, penhoras essas que, na opinião de Marinho Falcão, não podem ser contestadas apesar de o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais ter decidido suspender a iniciativa.

O especialista em Direito fiscal recorda que, “se há um processo executivo com uma ordem de penhora pré-determinada, ela não pode ser contestada”. O que é contestado aqui “é o mecanismo através do qual a penhora foi realizada”. Contudo, “se há um automóvel cuja ordem de penhora já foi determinada e que está a circular na via pública, esse automóvel pode ser penhorado”.