O Centro de Acolhimento "O Poverello" foi criado em 2011, no convento de Montariol. Gerido pela Fundação Domus Fraternitas, da Ordem Franciscana, é o único centro de cuidados paliativos do distrito de Braga, integrando também cuidados continuados de média e longa duração.
“Temos 58 camas, dez só em paliativos”, explica à Renascença frei Moisés Semedo, que está à frente da instituição desde o início do ano.
O responsável não entende como é que um serviço vocacionado para receber doentes em fim de vida tem sempre algumas camas vazias. “Não há ainda uma cultura da referenciação dos doentes de cuidados paliativos”, aponta.
Sendo financiados pelo Estado, os doentes que recebem têm de ser encaminhados “pela Unidade de Saúde Familiar, pelo hospital de Braga e outros hospitais do Norte”.
“Há muita gente que precisa destes cuidados, mas, por falta de conhecimento ou pelas burocracias internas de cada instituição, os doentes não são referenciados. E mesmo quando o são, a burocracia é tão grande, sobretudo nos paliativos, que acabam por não chegar a tempo”, lamenta frei Moisés.
“Para referenciar um doente, é preciso o médico de família, uma Junta Médica. Todo este processo burocrático também impede um bocadinho que as coisas funcionem”. Haverá, para além disso, muitos médicos que “não conhecem o nosso centro” e “há também quem pense que somos uma instituição privada, que, por ser privada ,é capaz de ser muito cara”.
Na realidade, o contrato que o centro tem com a Administração Regional de Saúde (ARS) do Norte não lhe dá liberdade de receber quem quiser. “Só recebemos os doentes que os serviços do Estado envia, não podemos acolher qualquer tipo de doente. Mesmo que alguém queira e nos peça”, explica frei Moisés Semedo.
Subsídios do Estado não chegam para as despesas
À frente da Domus Fraternitas desde o início do ano, frei Moisés espera conseguir renegociar em breve a tabela de apoio que nunca foi revista desde que a instituição foi criada, em 2011.
“Nos cuidados paliativos, o Ministério da Saúde, através da ARS Norte, paga 85% por cada doente, ou seja, paga quase a totalidade das camas. Mas, pagam-nos por cama. Se tivermos menos 50% das camas ocupadas, isso causa-nos um grande constrangimento”, explica.
Nos cuidados continuados de média e longa duração, a Segurança Social atribui uma verba por cada doente, que paga a seu cargo o que puder. “ Numa mensalidade de 900 euros, por exemplo, imagine que o doente paga 400 euros, de acordo com os seus rendimentos, a Segurança Social dá-nos os restantes 500 euros. Mas, se o utente depois não paga esses 400 euros, porque às vezes tem dificuldades, nós é que temos que suportar”, exemplifica.
Com um total de 105 colaborares, contingente que inclui 10 médicos, enfermeiros, auxiliares de ação médica, administrativos, fisioterapeutas, psicólogos, assistentes sociais e nutricionistas, entre outros, as despesas fixas da instituição são elevadas. “Há as despesas com os funcionários, despesas de manutenção, da alimentação, da medicação, daquilo que o doente vai precisar no dia a dia”, enumera.
Frei Moisés garante que o Estado tem pago: "Em relação a isso, não temos tido problema, graças a Deus”. O responsável sublinha, todavia, que a verba que recebem nunca foi revista e é insuficiente. “Só em janeiro, para dar um exemplo, recebemos 147 mil euros - estou a arredondar - , e os gastos foram de 157 mil.”
Julho e dezembro também são meses problemáticos, “por causa dos subsídios de férias e Natal. É um 'boom'”, diz Moisés Semedo.
Enquanto aguarda uma oportunidade para renegociar o apoio do Estado, frei Moisés pede que se apoie a instituição através do IRS: “Se puderem deduzir aquela percentagem que o Estado permite que se possa doar a instituições, façam isso para nós. O nosso número do contribuinte é o 504 516 949. Quem nos quiser visitar e conhecer, estamos sempre disponíveis e de porta aberta”.
“Há vida para cuidar na vida que falta”
Ao Centro de Acolhimento "O Poverello" chegam muitos doentes com patologias incuráveis, mas, não é por isso, que a morte é o que mais importa pois “há vida para cuidar na vida que falta”, diz à Renascença o diretor clinico da instituição, Paulo Pina.
Entre as muitas "histórias de vida e de esperança” que tem para contar, Paulo Pina recorda a do casamento de um jovem paciente. “Estávamos na terapia da dignidade e, quando lhe perguntei o que lhe faltava cumprir neste mundo, disse-me que lhe faltara casar com a namorada da sua vida, que conhecera no banco da escola. Era o único projeto que deixava incompleto”. Depois de ouvir a mesma resposta da namorada, decidiram proporcionar-lhes esse momento: “Fizemos um casamento, os amigos vieram de todo o lado e juntámos 400 pessoas.”
“Aqui, o nosso contrato é com o ser humano e não com a sua doença”, explica o médico, para quem “não havendo nada a fazer no limite científico do século XXI por aquela doença, há sempre alguma coisa a oferecer ao ser humano”. É uma espécie de “aliança” entre a equipa médica e o paciente, que também se estende a quem cuida, de forma a “aliviar o sofrimento da família e dos amigos”.
Paulo Pina explica que sempre que chega um novo paciente “abre-se "ficha para o doente e para o seu acompanhante, porque temos que ir além do círculo restrito do doente, para os amigos e para a família, para termos comunidades felizes de apoio”.
“Dizemos muitas vezes que tentamos pôr debaixo do nosso guarda-chuva todos os que podemos, o doente e aqueles que o doente considera que precisam da nossa ajuda.”
A coordenadora da equipa de enfermagem, Margarida Fernandes, sublinha que o acompanhamento é diferenciado e especializado, de modo a “dar vida à vida que o doente ainda tem, o que nem sempre é tido em atenção nos hospitais de agudos, que continuam a encarar apenas a vida e o processo curativo".
“Aqui, a morte é encarada não como tabu”, mas como “uma etapa natural do percurso de vida”. A batalha nem sempre é fácil, mas é “gratificante”.
“É um trabalho sobretudo de preparação para uma transcendência”, que passa por “cuidar do mundo que há-de vir, independentemente se a pessoa é, ou não, crente”, acrescenta o diretor clínico, lamentando que este tipo de apoio não chegue a mais famílias.
“Neste momento, como vê, temos quatro camas vagas em paliativos e há quatro famílias em sofrimento algures num hospital, ou na comunidade, que poderiam beneficiar da bondade da nossa equipa, e não são referenciados”, critica o médico, apontando a ”ineficiência da rede” que existe, com um processo de referenciação dos doentes por parte do Serviço Nacional de Saúde “demasiado burocrático”.
De todas as histórias, diz, a que mais o marca é "a de saber que posso ajudar mais famílias e não poder”.