Mais de metade dos cuidadores não sabe que existe um Estatuto do Cuidador Informal e os que conhecem consideram que não responde às necessidades. Num universo que se estima ter aumentado para 1, 4 milhões de cuidadores informais com a pandemia, 70% cuida de uma pessoa, mas 16% tem a seu cargo dois ou mais dependentes. Uma tarefa que continua a ser quase sempre das mulheres.
Se a maioria cuida dos pais, cônjuge ou filhos, também há muitos cuidadores que não têm qualquer relação de parentesco com a pessoa cuidada e, assim, não podem pedir o Estatuto de Cuidador Informal. As demências são as patologias que ocupam maior número de cuidadores.
São dados do inquérito realizado pelo Movimento Cuidar dos Cuidadores informais, entre 3 de fevereiro e 11 de março e que abrangeu 1133 respostas recolhidas e validadas. A organização defende alterações à legislação depois de concluídos os projetos-piloto que decorrem em trinta concelhos do país.
Quem é o Cuidador Informal em Portugal?
O inquérito realizado pelo Movimento Cuidar dos Cuidadores Informais revela que o cuidador cerca de 60% tem entre 45 e 64 anos. Mas quase 17% dos cuidadores já tem mais de 65 anos.
Antes da pandemia estimava-se que existiam em Portugal 800 mil cuidadores informais. Contudo, com o encerramento dos centros de dia e outras instituições de apoio muitos dos dependentes tiveram de ficar em casa e os cuidadores chegam agora aos 1,4 milhões.
Desses, 87% são mulheres e 13%, homens. Mais de metade trabalha, mas há 20% de desempregados e outros tantos, reformados. A nível académico, 31% tem o ensino secundário e 40%, formação superior (licenciatura, mestrado ou doutoramento).
Cerca de 70% dos inquiridos tem a seu cargo apenas uma pessoa, mas 16% pode ter de prestar cuidados a dois ou mais dependentes. Para a maioria são os pais (51%), o cônjuge (18%) ou os filhos (13%). No entanto, mais de 9% cuida de pessoas com as quais não tem qualquer laço de parentesco. Portanto, segundo a lei em vigor, não podem pedir o Estatuto do Cuidador Informal.
Mais de um terço dos cuidadores que participaram no estudo vive sozinho com a pessoa cuidada e 57% admite que, quando teve de começar a desempenhar o papel, não se encontrava preparado para o fazer.
Entre os maiores desafios e dificuldades que têm que enfrentar, encontram-se a falta de apoio psicológico (para 65% dos inquiridos), de apoios sociais (59%), apoio ou capacidade financeira (52%), apoio de outros recursos humanos (37,4%), laborais (35%) e os que se prendem com a formação e capacitação do cuidador informal (35%).
A adaptação à doença e às implicações emocionais provocam um enorme desgaste. Numa escala de 0 a 10, os inquiridos responderam 8 no desgaste físico e 8,5 no emocional.
Mais de três quartos das famílias sofreram alterações nas suas rotinas quando começou a exercer as funções de cuidador. Deixou de ter tempo para si próprio e família, para fazer vida social assim como férias ou fins de semana.
Em quase metade dos casos, o cuidador foi obrigado a deixar o emprego (embora quase todos os tenham feito ainda antes da pandemia) e isso refletiu-se em perda de rendimentos. Por vezes, foi preciso mudar de casa ou integrar a pessoa dependente na família. E ainda que numa percentagem residual (0,6%), levou a divórcios.
A pandemia Covid-19 teve um forte impacto negativo na vida dos cuidadores: na sobrecarga emocional, na qualidade de vida e bem-estar, na saúde mental, sobrecarga física, no aumento de número de horas de cuidados, na solidão, no sono e na situação económica.
Mais de 80% dos participantes no inquérito considera que as respostas sociais são manifestamente insuficientes. Para metade destes, o auxílio na prestação de cuidados faria toda a diferença e este poderia ser dado por voluntários especializados. Para 40% a ajuda financeira seria bem-vinda e 13,5% queriam ter apoio psicológico.
Estatuto não responde às necessidades
O inquérito revelou que 60% dos participantes desconhece a existência de um Estatuto do Cuidador Informal ou os apoios que contempla. Por outro lado, os restantes 40% apontam-lhe numerosas falhas: é pouco abrangente, o acesso é muito burocrático e limitado nas pessoas que pode abranger, os apoios são insuficiente face às necessidades. Além disso, referem a falta de regulamentação e apoio na carreira profissional e contributiva do cuidador assim como apoio financeiro.
Nélida Aguiar, porta-voz do Movimento Cuidar dos Cuidadores Informais, considera que acaba por ser uma espécie de “elefante branco”. Em termos de medidas concretas de apoio aos cuidadores, “fica muito aquém das expectativas”.
A dirigente associativa lembra que os Estatutos em vigor nas regiões autónomas da Madeira e Açores vão mais ao encontro das realidade e das necessidades dos cuidadores. E defende a lei em vigor no Continente deve ser alterada, de forma a garantir mais apoios aos cuidadores.
Béldia Aguiar dá dois exemplos muito concretos: só os familiares diretos da pessoa cuidada é que podem requerer o Estatuto do Cuidador Informal. Mesmo sendo familiares, se já receberem uma pensão de reforma, também não o podem fazer.
O inquérito revela que há muitos “amigos e vizinhos a cuidar de pessoas dependentes, há muitos idosos, nalguns casos com patologias graves e crónicas, a cuidar de outros idosos". Ou pais idosos, já reformados, que são os únicos a prestar cuidados a filhos dependentes e que não podem pedir o Estatuto porque já recebem uma pensão.
Nélida Aguiar frisa que são exemplos de situações que precisam de ser alteradas, nomeadamente, depois de concluídos os projetos-piloto, a decorrer até junho, em 30 concelhos do país.
O facto de ter havido pouca informação sobre o Estatuto, de ser tão burocrático e proporcionar benefícios a um número tão restrito de pessoas é o motivo que, na opinião da porta-voz do Movimento Cuidar dos Cuidadores Informais, terá levado a que tão poucas pessoas tenham apresentado o requerimento.
O 2.º Relatório da Comissão de Acompanhamento do Estatuto do Cuidador Informal revela que desde julho do ano passado apenas foram feitos 6.500 requerimentos. Dois mil foram deferidos, sendo que 600 são de cuidadores que vivem nos concelhos dos projetos-piloto. Ainda assim, destes, só 300 têm direito a apoio pecuniário.
“As pessoas ficam com uma enorme frustração. O processo é muito complicado e burocrático. E tanto trabalho, para quê?”, questiona Nélida Aguiar, que considera que “todas estas questões têm de ser pensadas com muita seriedade”.
Devem ser tomadas medidas que, realmente, apoiem estas pessoas, que têm um papel fundamental na sociedade defende.
Demências são as patologias que ocupam maior número de cuidadores
Cerca de um terço dos cuidadores inquiridos presta cuidados a doentes de Alzheimer ou com algum tipo de demência.
Um resultado que não surpreende Catarina Alvarez, psicóloga e gestora de projetos da Alzheimer Portugal, já que há cerca de 200 mil pessoas com demência no país e estes doentes precisam de pelos menos um ou dois cuidadores.
Também não se surpreende que os cuidadores assumam que não estavam preparados para esta função antes de a exercer e que precisam de apoio psicológico.
Catarina Alvarez frisa que a necessidade de apoio psicológico é transversal a todas as patologias e, no caso concreto da demência/doença de Alzheimer, os cuidadores, muitas vezes, têm dificuldade em lidar com as alterações de comportamento: “Esta afeta-os mais do que propriamente as alterações cognitivas que a demência acarreta”.
A psicóloga lembra que há uma maior sobrecarga em relação a estes cuidadores, face a outros que não têm de lidar com a demência.
Catarina Alvarez considera, também, que se devia falar e tratar mais a questão de género: as mulheres continuam a prestar a parte mais significativa dos cuidados e também são elas que são mais vulneráveis a sintomas depressivos e a ter a doença de Alzheimer ou outro tipo de demência.
Para a responsável da Alzheimer Portugal, é óbvio que cuidar tem um impacto negativo na saúde mental e na qualidade de vida dos cuidadores. Porém, vê como positivo como este ano de pandemia mostrou à sociedade e aos poderes públicos a necessidade de investir muito mais na saúde mental, “não só na resposta às necessidades que já existiam e que não estavam minimamente cobertas como às que surgiram como efeitos da Covid-19, em termos de saúde mental”.
Para Catarina Alvarez, a boa notícia é que, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência, vão avançar os Planos Regionais de Saúde para as Demências. Estão prontos desde julho de 2019 e ficaram “congelados” por causa da pandemia.
“São cruciais para tornar real a saúde na área das demências. Acreditamos que, com estas medidas, as coisas podem mudar e depressa porque o processo já foi adiado demasiado tempo”, realça.
Além das demências, as patologias que afetam as pessoas cuidadas e ocupam maior número de cuidadores prendem-se com os AVCs, diabetes, doenças oncológicas, mobilidade reduzida, doença de Parkinson ou as limitações decorrentes da idade. Cerca de 3,4% dos cuidadores que responderam ao inquérito prestam cuidados a pessoas acamadas.