Outubro de 2017. “Prometeram-nos um verde, deixaram-nos as cinzas”
15-10-2020 - 09:50
 • Marta Grosso , Carla Fino (entrevista)

Nuno Tavares Pereira, do Movimento de Apoio às Vítimas dos incêndios, faz o ponto da situação três anos depois do maior incêndio de sempre em Portugal. O fogo matou 50 pessoas, mas muitas outras morreram depois, sem ver a casa reconstruída. Os planos do papel não chegaram ao terreno e a questão levanta-se: para onde foi o dinheiro de Bruxelas?

“Prometeram-nos um verde, que devia ser de floresta autóctone, uma floresta que nos protegesse; prometeram-nos o verde que nos traz tranquilidade, o verde da esperança, mas o que nos deixaram foram cinzas”, diz Nuno Tavares Pereira, do Movimento de Apoio às Vítimas dos incêndios, no dia em que passam três anos sobre aquele que seria o pior fogo de sempre em Portugal.

Estas cinzas têm “dois aspetos: as dos incêndios e as de muitas famílias, de muita gente que faleceu, não só nos incêndios. Houve muita gente que faleceu sem ver a sua casa reconstruída, porque demoraram muito tempo”.

“É esse sentimento que nos revolta, a mim e a toda a gente. Prometeram tudo, falaram de tudo, veio cá toda a gente, mas ficámos cá nós. E é muito complicado ficarmos aqui… mas pronto… estamos”, afirma à Renascença, com desalento.

Planear e agir

Na opinião de Nuno Tavares Pereira, “a floresta tem de ser planeada, plantada, regada, e isso tudo tem sido falado e está nos papéis e em estudos, mas depois não passa para o terreno”.

“O que nós vemos é este descontrolo florestal de infestantes que estão por aqui e que nos faz pensar que vai ser muito pior quando vier outro incêndio. Nós sempre tivemos incêndios, mas nunca com esta dimensão”, recorda.

“A agricultura também protege a floresta dos incêndios. Havendo abandono da agricultura, provavelmente teremos muito mais incêndios, porque os terrenos estão desocupados. É um setor em que deveria ser preparado um plano de emergência, mas falou-se, falou-se, falou-se e, desde cima a baixo, falhou toda a gente”.


Revolta. “Gastaram-se milhões em alcatrão”

“O que é que foi feito?”, questiona o representante das vítimas dos incêndios de 2017. “Porque é que veio o dinheiro da União Europeia e não foi aplicado” para a reconstrução de casas?

“Havia dinheiro que podia ser aplicado em alojamento temporário e ainda hoje existem pessoas a viver em roulottes e ainda hoje existem pessoas sem casa. Porque é que não foi aplicado se a lei permitia isso? E andaram a alcatroar?”, critica com indignação.

“Gastaram-se milhões de euros em alcatrão! O pouco alcatrão que conheço que ardeu foi reparado, mas foi muito pouco. Porque é que se gastaram os milhões em alcatrão? As infraestruturas são essenciais, mas há prioridades e a prioridade são as pessoas! E a vida das pessoas e a economia em si”, sublinha.

“É todo um sentimento de revolta que as pessoas têm no seu dia-a-dia”, diz Nuno Tavares Pereira. Se o dinheiro veio, “onde que está? Quanto foi e para quem foi?”, questiona por fim.

O incêndio que começou no dia 15 de outubro de 2017 matou 50 pessoas e destruiu 1.500 casas e 500 empresas.